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NIETZSCHE I [GA6T1]

GA6T1:52-53 – querer [Wollen] e vontade de poder [Wille zur Macht]

A vontade como vontade de poder

sábado 20 de maio de 2023, por Cardoso de Castro

Tomado estritamente no sentido do conceito nietzschiano de vontade, o poder nunca pode ser pressuposto previamente como meta para a vontade, como se o poder fosse algo que pudesse ser estabelecido inicialmente como estando fora da vontade. Porquanto a vontade é decisão por si mesma como um assenhoramento que se estende para além de si; porquanto a vontade é querer para além de si, a vontade é potencialidade que se potencializa para o poder.

Casanova

O querer mesmo é um assenhoramento sobre… que se estende para além de si; querer é em si mesmo poder. [1] E poder é o querer que é constante em si. Vontade é poder e poder é vontade. Nesse caso, a expressão “vontade de poder” não tem nenhum sentido? Ela não tem, de fato, nenhum sentido logo que se pensa vontade em sintonia com o conceito nietzschiano de vontade. Apesar disso, contudo, Nietzsche   se utiliza dessa expressão, rejeitando expressamente o conceito corrente de vontade e buscando especialmente enfatizar sua resistência ante o conceito schopenhaueriano de vontade.

A expressão nietzschiana “vontade de poder” significa, consequentemente: vontade, tal como comumente se compreende esse termo, não é propriamente outra coisa senão vontade de poder. Mas mesmo nessa explicitação reside ainda uma incompreensão possível. A expressão “vontade de poder” não diz, em sintonia com a opinião   habitual, que a vontade é, em verdade, um tipo de desejo, que apenas possui, ao invés da felicidade e do prazer, o poder como meta. Sem dúvida alguma, Nietzsche mesmo fala em muitas passagens dessa forma, a fim de se fazer provisoriamente compreensível. No entanto, na medida em que estabelece o poder como meta para a vontade, ao invés da felicidade, do prazer ou da suspensão da vontade, ele não altera apenas a meta da vontade, mas a determinação essencial da própria vontade. Tomado estritamente no sentido do conceito nietzschiano de vontade, o poder nunca pode ser pressuposto previamente como meta para a vontade, como se o poder fosse algo que pudesse ser estabelecido inicialmente como estando fora da vontade. Porquanto a vontade é decisão por si mesma como um assenhoramento que se estende para além de si; porquanto a vontade é querer para além de si, a vontade é potencialidade que se potencializa para o poder.

Portanto, o termo “poder” nunca visa a um complemento da vontade, mas significa uma elucidação da essência da própria vontade. Somente quando se tiver esclarecido o conceito nietzschiano de vontade segundo esses aspectos, será possível compreender aquelas caracterizações com as quais Nietzsche procura frequentemente indicar o “caráter complicado” que está presente na simples palavra vontade. Ele denomina a vontade – com isso, a vontade de poder – um “afeto”; ele diz até mesmo (A vontade de poder, n. 688): “Minha teoria seria a seguinte: – a vontade de poder é a forma primitiva do afeto, todos os outros afetos não passam de configurações suas.” [2] Nietzsche também denomina a vontade uma “paixão” ou um “sentimento”. Se se compreendem tais descrições como geralmente acontece, ou seja, a partir do campo de visão de nossa psicologia habitual, então se cai facilmente na tentação de dizer que Nietzsche transpõe a essência da vontade para o interior do “elemento emocional”, arrancando-a das más interpretações racionais que foram levadas a termo por meio do idealismo. [GA6T1PT:39-40]

Klossowski

Le fait même de vouloir c’est étendre au-delà de soi sa domination sur…; la volonté est en soi-même puissance. Et la puissance est le vouloir en soi constant. Qui dit volonté, dit puissance, qui dit puissance, dit volonté. Mais alors l’expression de Volonté de puissance n’aurait aucun sens? Elle n’en a aucun, en effet, dès que l’on conçoit la volonté selon la notion nietzschéenne de volonté. Toutefois si Nietzsche choisit ce terme, c’est pour l’opposer à la notion courante de volonté et, ce qui plus est, par une répugnance déclarée pour la notion schopenhauérienne.

Le terme de « Volonté de puissance » chez Nietzsche signifie par conséquent : la volonté, tel que l’on comprend communément ce terme, n’est à vrai dire rien que Volonté de puissance. Mais même dans cette élucidation subsiste encore un possible malentendu. L’expression « Volonté de puissance » ne signifie pas : « volonté » énonce conformément à l’opinion commune un genre de convoitise, alors que moi – Nietzsche – j’assigne pour but à la volonté ainsi généralement comprise, non pas le bonheur ni le plaisir, mais la puissance. Sans doute Nietzsche s’exprime-t-il en plusieurs passages de cette manière, afin de se faire comprendre provisoirement; mais en assignant la puissance pour but à la volonté, au lieu du bonheur, du plaisir [46] ou d’une suspension du vouloir, il ne modifie pas seulement le but de la volonté, mais encore la détermination même de son essence. Au sens rigoureux du concept nietzschéen de volonté, la puissance ne saurait être proposée comme le but de la volonté, comme si la puissance était quelque chose qui d’abord pût être posé en dehors de la volonté. Mais parce que la volonté est résolution à soi-même en tant que dominer, en tant qu’être maître par-delà soi-même, parce que la volonté c’est vouloir par-delà soi-même, elle est capacité de puissance qui s’autorise à exercer la puissance.

L’expression : « de puissance » n’entend par conséquent jamais désigner un complément de la volonté, au sens d’un apport; sa seule fonction est d’élucider l’essence de la volonté même. Il faut avoir tiré au clair sous ce rapport le concept nietzschéen pour comprendre les caractéristiques au moyen desquelles Nietzsche cherche plus d’une fois à décrire toute complexité que cèle pour lui le simple terme de « volonté ». Il nomme la volonté – donc la Volonté de puissance – un « affect »; il dit même : « Ma théorie serait : – que la Volonté de puissance est la forme primitive de l’affect, que tous les autres affects ne sont que ses élaborations. » (La Volonté de puissance, n° 688.) Il nomme aussi la volonté une « passion », un « sentiment. » Si l’on juge pareilles désignations du point de vue de la psychologie   ordinaire, comme il arrive communément, on sera facilement tenté de dire que Nietzsche transposerait l’essence de la volonté dans l’ « émotionnel », et l’arracherait de la sorte aux erreurs des interprétations rationnelles données par l’idéalisme. [GA6T1FR  :45-46]

Krell

Willing itself is mastery over . . ., which reaches out beyond itself; will is intrinsically power. And power is willing that is constant in itself. Will is power; power is will. Does the expression “will to power” then have no meaning? Indeed it has none, when we think of will in the sense of Nietzsche’s conception. But Nietzsche employs this expression anyhow, in express rejection of the usual understanding of will, and especially in order to emphasize his resistance to the Schopenhauerian notion.

Nietzsche’s expression “will to power” means to suggest that will as we usually understand it is actually and only will to power. But a possible misunderstanding lurks even in this explanation. The expression “will to power” does not   mean that, in accord with the usual view, will is a kind of desiring that has power as its goal rather than happiness and pleasure. True, in many passages Nietzsche speaks in that fashion, in order to make himself provisionally understood; but when he makes will’s goal power instead of happiness, pleasure, or the unhinging of the will, he changes not only the goal of will but the essential definition   of will itself. In the strict sense of the Nietzschean conception of will, power can never be pre-established as will’s goal, as though power were something that could first be posited outside the will. Because will is resolute openness toward itself, as mastery out beyond itself, because will is a willing beyond itself, it is the strength that is able to bring itself to power.

The expression “to power” therefore never means some sort of appendage to will. Rather, it comprises an elucidation of the essence of will itself. Only when we have clarified Nietzsche’s concept of will in these respects can we understand those designations Nietzsche often chooses in order to exhibit the complicated nature of what that simple word “will” says to him. He calls will – therefore will to power – an “affect.” He even says, “My theory would be that will to power is the primitive form of affect, that all other affects are but its configurations” (WM; 688). [3] Nietzsche calls will a “passion” as well, or a “feeling.” If we understand such descriptions from the point of view of our common psychology – something that always seems to happen – then we might easily be tempted to say that Nietzsche abandons the essence of will to the “emotional,” or that he rescues it from the rationalistic misinterpretations perpetrated by Idealism. [GA6T1EN:41-42]

Original

Wollen   selbst   ist das über sich hinausgreifende Herrsein über . . .; Wille ist in sich   selbst Macht  . Und Macht ist das in-sich-ständige Wollen. Wille ist Macht, und Macht ist Wille. Dann   hat der Ausdruck   »Wille zur Macht« keinen Sinn  ? Er hat in der Tat keinen, sobald man Wille im Sinne des Nietzscheschen Willensbegriffes denkt. Aber Nietzsche gebraucht diesen Ausdruck dennoch, in der ausdrücklichen Abkehr   vom landläufigen Willensbegriff und aus der betonten Abwehr zumal des Schopenhauerschen.

Nietzsches Ausdruck »Wille zur Macht« soll sagen  : Wille, wie man ihn gemeinhin versteht, ist eigentlich   und nur Wille zur Macht. Aber auch in dieser Erläuterung bleibt noch ein mögliches Mißverständnis. Der Ausdruck »Wille zur Macht« meint nicht  , Wille sei zwar in Einstimmung mit der gewöhnlichen Meinung eine Art des Begehrens, er habe jedoch statt des Glückes und der Lust   als Ziel die Macht. Zwar spricht Nietzsche an mehreren Stellen   in dieser Weise  , um sich vorläufig   verständlich zu machen; aber indem er statt Glück   oder Lust oder Aushängung des Willens dem Willen als Ziel die Macht gibt, ändert er nicht nur das Ziel des Willens, sondern die Wesensbestimmung   des Willens selbst. Streng im Sinne des Nietzscheschen Willensbegriffes genommen, kann Macht nie zuvor als Ziel dem Willen vorgesetzt werden  , als sei die Macht solches, was zunächst   außerhalb des Willens gesetzt sein   könnte. Weil der Wille Entschlossenheit   zu sich selbst ist als über sich hinaus Herrsein, weil der Wille ist: über sich hinaus Wollen, ist der Wille Mächtigkeit, die sich zur Macht ermächtigt.

Der Ausdruck »zur Macht« meint also nie einen Zusatz zum Willen, sondern bedeutet eine Verdeutlichung des Wesens des Willens seihst. Erst wenn man sich Nietzsches Begriff   vom Willen nach diesen Hinsichten klargelegt hat, lassen   sich jene Kennzeichnungen verstehen  , mit denen Nietzsche häufig das »Komplizierte« anzeigen   möchte, was ihm das einfache Wort   Wille sagt. Er nennt den Willen — also den Willen zur Macht — einen »Affekt  «; er sagt sogar (»Der Wille zur Macht«, n. 688): »Meine Theorie   wäre: — daß   der Wille zur Macht die primitive Affekt-Form ist, daß alle andern Affekte nur seine Ausgestaltungen sind«. Nietzsche nennt den Willen auch eine »Leidenschaft  «, oder ein »Gefühl  «. Versteht man solche Darstellungen, wie es durchweg geschieht, aus dem Gesichtskreis der gewöhnlichen Psychologie, dann wird man leicht   dazu   verführt, zu sagen, Nietzsche verlege das Wesen   des Willens in das »Emotionale« und rücke ihn aus den rationalen Mißdeutungen durch den Idealismus   heraus. [GA6T1:52-53]


Ver online : NIETZSCHE I [GA6T1]


[1Nessas análises é possível encontrar uma ratificação para a nossa opção de tradução do termo Wille zur Macht por “vontade de poder” e não “vontade de potência”. Alguém poderia certamente pensar que essa seria uma peculiaridade da interpretação heideggeriana de Nietzsche. No entanto, o que Heidegger faz aqui não é outra coisa senão utilizar uma série de formulações facilmente encontráveis no interior dos últimos volumes dos cadernos de Nietzsche. Cf. KSA12 e 13. (N.T.)

[2Walter Kaufmann chama a atenção em sua edição de A vontade de poder em inglês para o fato de a expressão “minha teoria” ter sido inserida pelos editores da obra em alemão (Elizabeth Förster-Nietzsche e Peter Gast). Ela não se encontra nos cadernos nietzschianos. Cf. sua edição The will to power, p. 366, n. 73. (N.T.)

[3Walter Kaufmann notes that the phrase “My theory would be” stems from the editors, not from Nietzsche himself. See his edition of The Will to Power, p. 366, n. 73.