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Subjektität

quarta-feira 5 de julho de 2023

Subjektität  , subjectness, subiectity, subjetidade

Falar da subjetidade (não subjetividade [nicht   Subjektivität]) do ser humano [Menschenwesens] como do fundamento para a objetividade [Objektivität] de todo e qualquer sujeito (tudo o que se presenta) parece, sob todos os pontos de vista, paradoxal e artificial. A razão desta aparência reside no fato de apenas termos começado a perguntar por que e de que modo se torna necessário, no seio da metafísica moderna, um pensamento que represente Zaratustra como figura [Gestalt]. A própria explicação, tantas vezes repetida, de que o pensamento de Nietzsche   descambou de modo fatal para a esfera da poesia, é apenas uma renúncia ao questionamento pensante. Entretanto, é preciso reconduzir nosso pensamento até a dedução transcendental   das categorias de Kant   para compreendermos que a visualização da figura [Gestalt] como a fonte da doação de sentido [Quelle der Sinngebung] envolve a legitimação do ser do ente. Seria uma explicação [Erklärung  ] demasiado grosseira se se quisesse dizer, neste caso, que, em um mundo secularizado, o homem, enquanto causa do ser do ente, passaria a ocupar o lugar de Deus. O fato de que certamente está em jogo o ser humano não permite dúvida alguma. Mas o ser (essência [Wesen  ] em sentido verbal) do homem, “o ser-aí do homem” [das Dasein   im Menschen] (veja-se Kant e o problema da metafísica, 1- ed., 1929, § 43) não é nada de humano [nichts Menschliches]. Para que a ideia do ser humano possa atingir o nível daquilo que repousa no fundamento de tudo o que se presenta enquanto a presença que, primeiramente, proporciona uma “representação” no ente e, assim, o “legitima” enquanto ente, deve o homem, em primeiro lugar, ser representado no sentido de fundamento determinante. Ora, mas determinante para quê? Para a consolidação [Sicherung  ] do ente em seu ser. Em que sentido se manifesta o “ser” quando se trata da consolidação do ente? No sentido do constatável, ou seja, representável [408], em toda parte e a cada momento. Compreendendo desta maneira o ser, Descartes   encontrou a subjetividade do subiectum no ego cogito   do homem finito. O aparecimento da figura metafísica do homem, enquanto fonte da doação de sentido, é a última consequência da instauração do ser humano como sujeito determinante. Em consequência disto, transforma-se a forma interior da metafísica, que repousa no que se pode designar como transcendência. Essa tem, no interior da metafísica, por razões essenciais, uma multiplicidade de significados. Onde esta multivocidade não é levada em consideração alastra-se uma insanável confusão que pode ser considerada como a característica da representação metafísica ainda hoje corrente. [GA9GS:407-408]


VIDE: Subjektität

Deve-se a Heidegger um dos fundamentos da arqueologia do sujeito: a distinção entre sub-jetidade (Subjektität) e sub-jetividade (Subjektivität), exposta em um texto de 1941, que foi publicado vinte anos mais tarde como apêndice do segundo volume do livro sobre Nietzsche — A Metafísica como História do Ser [Cf. M. Heidegger, Die Metaphysik   als Geschichte   des Seins in Nietzsche, t. ii, pp. 399-458 [ga 6.2] = “La métaphysique comme histoire de l’être”, em Nietzsche, 1.11, 1971, pp. 319-365.]. Subjektität designa a determinação metafísica fundamental do ser em sua história, da história metafísica do ser, da história do ser como metafísica (“Das Sein   ist in seiner Geschichte als Metaphysik durchgängig Subjektität” [GA6  .2, p. 411]). Ao introduzir a palavra “sub-jetidade”, Heidegger quer fazer entender que: [149]

1. o ser é metafisicamente determinado pelo subiectum latino, isto é, mais originalmente pelo ὑποκείμενον   grego, não pelo “eu” ou a “egoidade” [GA 6.2, pp. 410-411: “Der Name Subjektität soll betonen, daß   das Seinzwar vom subiectum her, aber nicht notwendig durch ein Ichbestimmt ist. Überdies enthält der Titel zugleich eine Verweisung   in das ὑποκείμενον und damit in den Beginn   der Metaphysik, aber auch die Vordeutung in den Fortgang der neuzeitlichen Metaphysik, die in der Tat die ‘Ichheit  ’ und vor allem die Selbstheit   des Geistes als Wesenszug der wahren   Wirklichkeit   in Anspruch   nimmt”. Essa tese é solidária a uma interpretação do ἐνέργεία como Wirklichkeit, cujo estatuto epocal é fixado na frase célebre (GA6.2, p. 376, trad. cit., pp. 331-332, modificada) atribuindo à “mutação do ἐνέργεια   em actualitas   (realidade eficiente)” a promoção do “real efetivo” à condição de único “ente autêntico” – tese e frase que, certamente, podem ser discutidas por si mesmas. É o que faremos no volume III.], o que significa que

2. a “subjetividade” da metafísica moderna é um “modo de subjetidade” [GA6.2, p. 411: “Versteht man unter Subjektivität dieses, daß das Wesen der Wirklichkeit in Wahrheit   – d.h. für die Selbstgewißheit des Selbstbewußtseins — mens   sive animus  , ratio, Vernunft  , Geist  , ist, dann   erscheint die “Subjektivität” als eine Weise   der Subjektität”.], e que

3. a passagem da “subjetidade” à “subjetividade”, que assinala a entrada na modernidade, “se deixa pensar a partir de Descartes, como o momento em que o ego  , que se tornou O “sujeito insigne”, adquire o estatuto do ente “mais verdadeiro” [GA6.2, p. 411: “Wo aber die Subjektität zur Subjektivität wird, da hat das seit Descartes ausgezeichnete subiectum, das ego, einem mehrsinnigen Vorrang  . Das ego is einmal das wahrste Seiende  , das in seiner Gewißheit   zugänglichste”.].

A distinção Subjektität-Subjektivität não foi formulada de chofre. Ela veio aclarar um conjunto de análises empreendidas desde Sein und Zeit   e de maneira mais insistente, na mesma [150] época, nos Problemas Fundamentais da Fenomenologia. Essas análises, a meu ver, deixam-se agrupar sob um título único, o de atributivismo, que proponho introduzir como principal ferramenta histórica metafilosófica da arqueologia do sujeito. [LiberaAS:149-151]