Página inicial > Fenomenologia > Ernildo Stein (2012:27-29) – Lebenswelt e unidade da experiência

Ernildo Stein (2012:27-29) – Lebenswelt e unidade da experiência

segunda-feira 5 de fevereiro de 2024, por Cardoso de Castro

Por um lado, ao ouvirmos o termo Lebenswelt   e, de outro, ao pensarmos no rigor com que Husserl   procedia em sua Filosofia poderíamos concluir que este termo origina um certo mal-estar. Este mal-estar, entretanto, é mais de Husserl do que nosso, porque nós já estamos com muitos elementos novos no caminho, enquanto que, em Husserl, era a tentativa de denominar algo que certamente não era determinado, não era definido, não era circunscrito. O mundo da vida se apresentava como indefinido, mas, ao mesmo tempo, era responsável por uma proximidade maior do que qualquer outra palavra que poderia ser expressa para designar esse lugar.

Lebenswelt, portanto, traça um limite entre os dois universos seguintes: o das vivências dos atos conscientes que pode ser científica ou filosoficamente posto no rol da Filosofia como ciência rigorosa; e o do conjunto de elementos que não cabia no projeto de Husserl, na medida em que queria apanhar as margens, as bordas de uma realidade que não ingressava na cientificidade, que não poderia ser tematizada pela pretensão metodológica da redução transcendental  .

Podemos perguntar por que a palavra Lebenswelt fez fortuna tão rapidamente e, enfim, por que teve uma rápida aceitação? Certamente não foi porque aqueles que a tomaram e a utilizaram haviam compreendido o que Husserl queria significar com ela. O próprio Husserl foi modificando de alguma maneira o sentido do termo Lebenswelt. Modificou-se o espaço imaginário e o próprio termo teria de incluir, chegada a época final do seu filosofar, o Rückgang, o regresso. O Lebenswelt seria, assim, atingido por meio da redução transcendental, mas essa tentativa de atingi-lo, de alguma maneira fracassou.

Obviamente, o conceito Lebenswelt trazia mais problemas porque ele havia sido criado para ser um termo por intermédio do qual nós falamos, mas sobre o qual não podemos falar. Ele tinha de ser aquele ponto principiai que fica antes da possibilidade de falar, mas que é a possibilidade de falar, isto é, do discurso, do predicar, etc.

[28] Então, de nada adiantaria para Husserl fazer grandes teorias sobre Lebenswelt. Estranhamente, se existiram teorias filosóficas que foram fecundas, produtivas e que se multiplicaram pelo mundo, foram teorias do mundo da vida. Obviamente, essas teorias não seguiram as intenções de Husserl de constituir uma Urstiftung, uma espécie de fundação originária ou de colocar uma Urfeld, um campo originário, originante. Quer dizer, as teorias subsequentes tampouco seguiram nesse sentido.

Husserl, no entanto, depois de ter criado o termo, em 1924, lutou novamente em 1926 e terminou recaindo no mesmo termo, quando falava em Ursprungskonkretion der Welt  , uma concreção originária do mundo. Este termo foi abordado por ele em sua Psicologia fenomenoló-gica.

Lebenswelt não se tornou um termo técnico que Husserl poderia utilizar em sua fenomenologia sem encontrar problemas. Poderíamos dizer que Lebenswelt colocava-se em Husserl como a questão da rememoração ou a questão da anamnesis  , mas a rememoração bate contra uma parede e a anamnesis chega ao ponto em que se está realizando como um exercício, mas sem objeto. E Husserl em algum momento empregou esta expressão.

O termo Lebenswelt, entretanto, passou a ter um uso um pouco mais forte e determinado quando Husserl começou a falar em horizontes. São horizontes de uma experiência que devem ser presumidos e é isso que nós denominamos mundo da vida.

O problema de Lebenswelt, então, liga-se com a questão da experiência, porque o mundo da vida é para ser o lugar originário da experiência, sendo, porém, um não lugar. A experiência deve se dar a partir desse lugar, desse aí, sem, no entanto, fazer deste mundo da vida uma experiência. Essas experiências recebiam de Husserl uma espécie de injunção fundamental, isto é, existe uma unidade de experiências, mas, [29] essa unidade permanece diluída porque ela não pode ser remetida a uma consciência ou a uma comunidade de indivíduos. Husserl entendia como uma exigência essa unidade de experiência.

Assim, Lebenswelt é uma espécie de fiador, porque é o lugar de origem de uma certa unidade de experiência sem que, entretanto, se definisse de que maneira isso se dava. Nós julgamos isso não muito problemático, mas a questão é séria.

O que significa poder ter uma experiência unitária? O sujeito tem unidade a partir do universo de suas experiências. Se suas experiências são múltiplas e se elas dificilmente são recomponíveis em uma unidade, o resultado é que o indivíduo não tem essa unidade. Ele, então, perde a sua unidade, mas não perde apenas isso. Se procurarmos descrever para os outros uma experiência nossa e não pudermos recuperar no outro a mesma modalidade de experiência que fizemos então não falamos da mesma coisa.

Pressuporíamos, para impedir essa consequência, necessariamente, a possibilidade de uma comunicação em que as experiências fossem as mesmas e que se falasse em uma unidade no indivíduo singular e entre os indivíduos.

Essa questão a fenomenologia enfrentou e não resolveu. De certo modo, nasceu disso o fracasso da fenomenologia, pois o mundo da vida é sempre o mundo da vida de cada um singularmente considerado. Assim, as experiências não poderiam ser remetidas a um mundo da vida como que comum, coletivo.

Desse modo, a questão do antepredicativo, em Husserl, contrapunha-se ao elemento da redução, e, portanto, o mundo da vida não era um mundo passível de ser trabalhado pela redução. O que haveria de conflituoso aí, porém, se o mundo da vida não pode ser atingido pela redução? O que estava aí era precisamente a questão da existência.


Ver online : Ernildo Stein


STEIN, Ernildo. As ilusões da transparência: Dificuldades com o conceito de mundo da vida. Ijuí: Editora Unijuí, 2012