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Diferença e Metafísica

Ernildo Stein (2008:69-70) – o fundamento é sem fundo

A Desconstrução na Filosofia de Heidegger, um novo paradigma

quinta-feira 8 de junho de 2023, por Cardoso de Castro

O fundamento é sem fundo na medida em que não é nem infinito, nem é objetivo.

É exatamente isso que o filósofo faz em Ser e tempo  . Introduz um novo conceito de fundamentação. Não é uma fundamentação como a moderna, nem do tipo objetivista da tradição clássica. Então, nem subjetivista nem objetivista. Assim, é uma fundamentação de caráter diferente, é uma fundamentação de caráter prévio, de caráter a priori  . É uma fundamentação em que já sempre existe um compreendermos a nós mesmos. Isso é uma espécie de antecipação prévia de sentido que se explicita na compreensão do ser.

Este caráter pré-lógico dos anos 29/30, na época da discussão com Husserl  , também poderia ser chamado de antepredicativo, num sentido bem específico. Nele reside o elemento fundamental que é a marca da resposta heideggeriana   ao problema da fundamentação na Filosofia, mas disso resultam consequências irrecusáveis. Não podemos estender-nos muito sobre este ponto, mas é importante perceber que, quando Heidegger critica a metafísica a partir do seu paradigma, quando a desconstrói, ele acusa a metafísica de ser fundamentalista, de querer um fundamento firme, objetificador ou um fundamento inconcusso. Heidegger dirá que o Dasein   é sem fundo. O Dasein, de certo modo, é abissal, na medida em que a fundamentação a que ele remete é pura possibilidade. Não é nem realidade como um objeto no qual se fundaria o conhecimento, nem realidade como sujeito no qual se fundaria o conhecimento. O conhecimento é uma estrutura prévia, dada pela compreensão do ser, para trás da qual não conseguimos chegar, e ela se dá a partir do Dasein.

[70] É nessa estrutura prévia que iremos construir qualquer tipo de teoria do conhecimento. Heidegger dirá que o ser-no-mundo, o ser-aí, é a base de qualquer teoria do conhecimento. Assim ele toca no elemento para o qual chamávamos a atenção, citando Wittgenstein  , no começo: “Se o verdadeiro é o fundamentado, então o fundamento não pode ser nem verdadeiro nem falso”.

O fundamento, portanto, não pode ser uma proposição, uma frase que poderia ser verdadeira ou falsa. O fundamento deve ter outra característica e esta característica consiste na estrutura prévia de sentido que desde sempre é dada pelo Dasein enquanto ser-no-mundo. E a partir daí que se constitui toda a significação, todo o sentido. Esta ideia é essencialmente ligada às condições de possibilidade, mas vistas desde o novo paradigma.

Heidegger foge assim de um semanticismo infinitista que é proposto pela fenomenologia transcendental   e introduz uma espécie de “pragmática”. Esta pragmática, contudo, possui um sentido operativo, isto é, o Dasein enquanto lida com as coisas no mundo já se compreende e nisto está o fundamento do conhecimento ou de qualquer teoria do conhecimento.

Esta espécie de elemento operativo é o fundamento de qualquer conteúdo proposicional. Esta também é uma nova resposta a outra questão central. Quem não entendeu isso, não entendeu a proposta do paradigma de Heidegger. O fundamento é sem fundo na medida em que não é nem infinito, nem é objetivo. O fundamento é um perder-se, mas não um perder-se no sentido de desgarrar-se. É um perder-se numa impossibilidade, enquanto somos incapazes de recuperar o passado e incapazes de antecipar o futuro como tal.

Nisso reside a base da hermenêutica heideggeriana  . Ela surge exatamente como o espaço no qual se dá o sentido. Qualquer dado que se possa levantar se dá neste espaço e, a partir daí, também toda a determinação de significado será dada. Podemos chamar isso de Filosofia hermenêutica. Gadamer   fará disto, depois, uma hermenêutica filosófica. Podemos mencionar ainda uma hermenêutica técnica, que é um instrumento, uma ferramenta de interpretação. Heidegger instaura a Filosofia hermenêutica, uma Filosofia que trata da finitude com a intenção de pensar as bases do conhecimento.


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