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Gesellschaft / Sociologie

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Em primeiro lugar, ao acentuar o caráter cooriginário da experiência do ser-com, ao descrever o horizonte de manifestação dos entes enquanto entes como um horizonte marcado pelo compartilhamento com os outros, em suma, ao insistir no fato de que os próprios utensílios, independentemente da presença efetiva dos outros, já nos remetem para os outros, Heidegger está se colocando, como já comentamos em meio à análise da totalidade referencial, de maneira radicalmente contrária a toda uma tradição que pensa a gênese do Estado social. O ser-aí humano nunca é primeiro natural para, em seguida, se tornar social. Não há nem jamais pode ter havido qualquer experiência não social do homem, uma vez que a própria abertura correlata do existir já sempre libera intencionalmente a dimensão do outro, a coexistência, o social. Assim, não apenas não se pode pensar em algo como um contrato social, mas mesmo as tentativas de fundar o direito em relações individuiais originais perde seu sentido. Ao mesmo tempo, não é apenas a gênese do social que se torna absurda. A própria ideia de intersubjetividade cai completamente sob o campo do derivado. Como o outro sempre vem ao meu encontro através de uma referência estrutural do próprio campo de manifestação do ente [Seiende] enquanto ente [Seiende], não faz mais qualquer sentido falar do contato com o outro como determinado originariamente por uma dinâmica de coisificação que ou bem coloca em risco o seu estatuto enquanto sujeito, ou bem o destitui mesmo de sua posição enquanto subjetividade. Nós não somos sujeitos que se deparam no interior do mundo com outros sujeitos em meio aos jogos de reificação e de superação da reificação. Nós somos, ao contrário, seres-no-mundo que se encontram originariamente abertos para um campo existencial no qual jamais se tem a possibilidade de experimentar uma solidão absoluta, justamente porque o espaço mesmo sempre se mostra como espaço compartilhado. Bem, mas isso não implica naturalmente afirmar que não há de modo algum nenhum processo de coisificação que venha a ter lugar entre os seres-aí em geral. Ao contrário, o que ocorre aqui é muito mais uma apresentação diversa daquilo mesmo que torna possível a coisificação. Dito de outro modo, tanto [125] a tendência de orientação da cotidianidade mediana pela noção de subjetividade quanto a dinâmica de reificação do outro precisam ser descritas a partir de uma modulação da experiência originária do ser-com. Ao mesmo tempo, o encontrar-se sozinho, entendendo a solidão de maneira meramente negativa como simples ausência do outro, também precisa ser pensado como privação do ser-com originário. Na medida em que a experiência dos utensílios sempre traz consigo uma referência estrutural para os outros e como não é possível concretizar nenhuma possibilidade de ser do ser-aí humano sem utensílios – não é possível para nós ser sem as coisas –, nunca podemos ter radicalmente uma experiência de solidão, caso entendamos a palavra solidão para além de seu sentido ôntico [ontisch] encurtado. Por mais estranho que isso possa parecer a princípio, os outros nunca estão ausentes. Mesmo o fenômeno privativo do abandono corrobora isto. Abandonado só pode estar alguém diante da presença vazia daqueles que deveríam estar ao seu lado. “Faltar é algo que o outro só pode em e para um ser-com” [Idem, p. 120]. Tudo isto, portanto, nos remete para o caráter originário do mundo como mundo compartilhado. É isto, por sua vez, que Heidegger descreve de maneira paradigmática logo em seguida no texto:

"A caracterização do encontro com os outros orienta-se de qualquer modo, porém, uma vez mais pelo ser-aí sempre a cada vez próprio. Ela também não parte de uma distinção e de um isolamento do ’eu’, de tal modo que precisa ser buscado a partir desse sujeito isolado uma transposição para os outros? Para que evitemos esta incompreensão, é preciso atentar para em que sentido se fala dos ’outros’ aqui. ’Os outros’ não significam o mesmo que: todos aqueles que restam além de mim, dos quais o eu se destaca, os outros são muito mais aqueles dos quais o impessoal mesmo na maioria das vezes não se diferencia, aqueles entre os quais também já se está. Este também-estar-aí com eles não tem o caráter ontológico [ontologisch] de um ’co’-estar-presente-à-vista no interior do mundo. O ’com’ é condizente com o ser-aí, o ’também’ visa à igualdade do ser como ser-no-mundo circunvisivamente [126] ocupado. ’Com’ e ’também’ precisam ser compreendidos existencialmente e não categorialmente. Com base neste ser-no-mundo dotado do modo de ser do com, o mundo já é sempre a cada vez o mundo que eu compartilho com os outros. O mundo do ser-aí é mundo-com. O ser-em é ser-com os outros. O ser-em-si intramundano desses outros é coexistência." [MACMundo1:125-127]