Heidegger: questão metafísica e minha questão

Wisser: Todas as suas reflexões fundam-se e desembocam na questão que é a questão fundamental de sua filosofia, a questão do Ser. Várias vezes o Sr. observou que não queria adicionar uma nova tese às numerosas teses que existem sobre o Ser. Precisamente porque o Ser foi definido de maneiras muito diferentes, por exemplo, como qualidade, como possibilidade e realidade, como verdade, como Deus, o Sr. põe a questão de uma harmonia (Einklang) suscetível de ser compreendida, não no sentido de uma super-síntese, mas como um questionamento do sentido do Ser.

Em que direção se orienta, em seu pensamento, a resposta à questão: Por que há o ente e não antes o nada?

Heidegger: Devo responder a duas questões: Primeiramente devo esclarecer a questão do Ser. Creio entrever uma certa falta de clareza na maneira pela qual o Sr. formula a questão. A expressão “questão do Ser” é ambígua. A questão do Ser significa, de início, a questão do ente como ente. Nessa questão define-se o que é o ente. A resposta a essa questão dá a definição do Ser.

A questão do Ser pode, contudo, também ser compreendida no seguinte sentido: sobre o que se funda toda resposta à questão do ente, quer dizer, sobre o que se funda em geral o desvelamento (Unverborgenheit) do Ser? Para dar um exemplo: os Gregos definiam o Ser como a presença (Anwesenheit) do que está presente. A noção de presença lembra a de atualidade (Gegenwart), a atualidade é um momento do tempo, a definição do Ser como presença refere-se, pois, ao tempo.

Se tento, agora, determinar a presença a partir do tempo e se busco, na história do pensamento, o que foi dito sobre o tempo, descubro que desde Aristóteles a essência do tempo é determinada a partir de um Ser já determinado. Então: o conceito tradicional de tempo é inutilizável. E é por esse motivo que tentei desenvolver, em Ser e Tempo, um novo conceito do tempo e da temporalidade no sentido da abertura ek-stática (ekstatische Offenheit).

A outra questão é uma questão já formulada por Leibniz, retomada por Schelling e que eu repito textualmente no fim de minha conferência “O que é Metafísica?”, já mencionada.

Mas essa questão tem para mim um sentido inteiramente diferente. A ideia metafísica que se faz habitualmente do que está sendo perguntado nessa questão significa: no fim das contas, por que o ente é e não antes o nada? Quer dizer: onde está a causa (Ursache) ou o fundamento (Grund) para que o ente exista e não o nada?

Eu, de minha parte, pergunto: Por que o ente existe e não sobretudo o nada? Por que o ente tem prioridade, por que o nada não é pensado como idêntico ao Ser? Quer dizer: por que o esquecimento do Ser reina e de onde ele vem? Trata-se pois de uma questão inteiramente diferente da questão metafísica. Ou seja, eu pergunto: o que é a metafísica? Eu não formulo uma questão metafísica, mas a questão sobre a essência da metafísica.

Como o Sr. vê, tais questões são todas extremamente difíceis e elas são, no fundo, inacessíveis à compreensão comum. Elas exigem um longo “quebra-cabeça”, uma longa experiência e uma verdadeira confrontação com a grande tradição. Um dos grandes perigos de nosso pensamento hoje é precisamente que o pensamento — eu o entendo no sentido do pensamento filosófico — não tem uma relação verdadeiramente originária com a tradição.