GA11:37-40 – co-pertencimento homem e ser

Stein

A mesmidade de pensar e ser, que fala na proposição de Parmênides 1, vem de mais longe que a da identidade metafísica que emerge do ser e é determinada como um traço dele.

A palavra-guia, na proposição de Parmênides, tò autó, o mesmo, permanece obscura. Deixamo-la assim. Aceitamos, porém, o aceno da proposição em que a palavra-guia forma o início.

Entretanto, já fixamos a mesmidade de pensar e ser como o comum-pertencer de ambos. Isto foi apressado, talvez mesmo forçado. Devemos fazer reverter isto que foi resultado da pressa. Disso também somos capazes, na medida em que não tomamos como definitivo o mencionado comum-pertencer e não o arvoramos em explicação definitiva e decisiva da mesmidade de pensar e ser.

Se pensamos o comum-pertencer como de costume, então, como já mostra a ênfase dada à primeira parte da expressão, o sentido do pertencer é determinado a partir da comunidade, quer dizer, a partir de sua unidade. Neste caso, “pertencer” significa: integrado, inserido na ordem de uma comunidade, instalado na unidade de algo múltiplo, reunido para a unidade do sistema, mediado pelo centro unificador de uma adequada síntese. A filosofia representa este comum-pertencer como nexus e connexio, como a necessária junção de um com o outro.

Entretanto, o comum-pertencer pode também ser pensado como comum-pertencer. Isto quer dizer: a comunidade é agora determinada a partir do pertencer. Neste caso, então, sem dúvida, permanece aberta a questão do significado de “pertencer” e como somente a partir dele se determina a comunidade que lhe é própria. A resposta a esta questão está mais próxima do que pensamos, sem que, no entanto seja óbvia. É suficiente agora que esta indicação nos faça notar a possibilidade de não mais representar o pertencer a partir da unidade da comunidade, mas de experimentar esta comunidade a partir do pertencer. Mas esta indicação não se esgota num vazio jogo de palavras que algo inventa, a que falta qualquer apoio num estado de coisas verificável.

Assim realmente parece, até que concentramos o olhar e deixamos falar as coisas. O pensamento em um comum-pertencer no sentido de comum-pertencer surge da consideração de um estado de coisas, que já foi mencionado. É, evidentemente, difícil concentrar-se nele, por causa de sua simplicidade. Podemos, entretanto, ver este estado de coisas mais de perto, se atentarmos para o seguinte: na elucidação do comum-pertencer como comum-pertencer, já tínhamos, seguido o aceno de Parmênides, em mente tanto pensar como ser, portanto, aquilo que reciprocamente se pertence no seio do mesmo.

Se compreendermos o pensar como a característica do homem, então refletimos sobre um comum-pertencer que se refere a homem e ser. No mesmo instante nos surge a questão: que significa ser? Quem ou o que é o homem? Qualquer um vê facilmente que, sem a suficiente resposta a estas perguntas falta-nos o chão em que possamos decidir algo seguro sobre o comum-pertencer de homem e ser. Contudo, enquanto questionarmos desta maneira ficamos presos à tentativa de representar a comunidade de homem e ser como uma integração e de dispor esta ou a partir do homem ou a partir do ser e assim explicitá-la. Nisto os conceitos tradicionais de homem e ser formam os pontos de apoio para a integração de ambos.

E que seria se nós, em vez de continuamente representarmos uma coordenação de ambos, para refazer sua unidade, prestássemos uma vez atenção se e como nesta comunidade está, antes de tudo, em jogo um recíproco-pertencer? Existe até a possibilidade de entrever, ainda que a distância, o comum-pertencer de homem e ser já na determinação tradicional de sua essência. Até que ponto?

O homem é manifestamente um ente. Como tal, faz parte da totalidade do ser, como a pedra, a árvore e a águia. Pertencer significa aqui ainda: inserido no ser. Mas o elemento distintivo do homem consiste no fato de que ele, enquanto ser pensante, aberto para o ser, está posto em face dele, permanece relacionado com o ser e assim lhe corresponde. O homem é propriamente esta relação de correspondência, e é somente isto. “Somente” não significa limitação, mas uma plenitude. No homem impera um pertencer ao ser; este pertencer escuta ao ser, porque a ele está entregue como propriedade. E o ser? Pensemos o ser em seu sentido primordial como presentar. O ser se presenta ao homem, nem acidentalmente nem por exceção. Ser somente é e permanece enquanto aborda o homem pelo apelo. Pois somente o homem, aberto para o ser, propicia-lhe o advento enquanto presentar. Tal presentar necessita o aberto de uma clareira e permanece assim, por esta necessidade, entregue ao ser humano, como propriedade. Isto não significa absolutamente que o ser é primeira e unicamente posto pelo homem. Pelo contrário, torna-se claro.

Homem e ser estão entregues reciprocamente um ao outro como propriedade. Pertencem um ao outro. Deste pertencer-se reciprocamente homem e ser receberam, antes de tudo, aquelas determinações de sua essência, nas quais foram compreendidas metafisicamente pela filosofia.

Este preponderante comum-pertencer de homem e ser é por nós teimosamente ignorado enquanto tudo representarmos em sequências e mediações, seja com ou sem dialética. Então encontramos apenas encadeamentos que ou são urdidos por iniciativa do ser ou do homem e apresentam o comum-pertencer de homem e ser como entrelaçamento. [HEIDEGGER, Martin. Martin Heidegger – Conferências e Escritos Filosóficos. Tradução e notas Ernildo Stein. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999, p. 175-177]

Préau

  1. VIDE: Fragmento 3 e Fragmento 8.[↩]
  2. Zusammengehörigkeit, accentué sur zusammen (« co- »).[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

Designed with WordPress