Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Flusser (1998) – Brasil, país do futuro

segunda-feira 14 de outubro de 2024

Como se sabe, na análise heideggeriana   (e não apenas nela) aparece a questão da angústia e da preocupação intimamente ligada à questão do tempo. Simplificando muito, o complexo todo pode ser assim resumido: há uma maneira de ser da existência, na qual esta se rende ao mundo e se aliena progressivamente de si mesma, e esta maneira Heidegger chama de “decadente”. Mas é perfeitamente lícito chamá-la de “existência miserável”. Pois se a existência se der conta da sua miséria, será tomada de angústia, a saber, da sensação de estar empurrada para um canto, coisificada, apertada, e isolada. Pois tal angústia abre para a existência a possibilidade da liberdade, ou seja, a possibilidade de existir no indeterminado, portanto no futuro. E esta possibilidade aberta pela angústia se realiza na preocupação, que é uma forma de ser da existência tipicamenete humana. Porque preocupação é um preocupar o futuro, um apresentar o futuro, um existir para o futuro. É claro que este conceito do futuro nada tem em comum com o futuro do historicismo. O historicismo toma futuro como tendência de um processo objetivo e universal, e o existencialismo o toma como possibilidade aberta para a existência humana, tipicamente humana. Pois, como se sabe, o Brasil é chamado em toda parte “país do futuro”. Tal lugar comum é interpretado, aqui e fora, apenas no seu significado histórico — por exemplo, como país que tende a transformar-se em grande potência. Sob tal leitura a sentença é provavelmente falsa. Mas pode ser também lida existencialmente, por exemplo assim: país miserável, tomado de angústia, e que dá sinais de preocupar-se. Sob tal interpretação a sentença passa a ser altamente significativa, porque aí o Brasil passa a ser, não apenas país do seu próprio futuro, mas do futuro da humanidade.

[FLUSSER  , Vilém. Fenomenologia do Brasileiro. Org. Gustavo Bernardo, Rio de Janeiro: UERJ, 1998]


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