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EXISTÊNCIA E PSICANÁLISE

Carneiro Leão (1975:20-22) – pensamento calculador e pensamento do sentido

Crise, Experiência, Pensamento

segunda-feira 11 de outubro de 2021

CARNEIRO LEÃO, Emmanuel & PENNA LACOMBE, Fabio. Existência e psicanálise. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975, p. 20-22

Vivemos uma época rica de produção e indigente de pensamento. Somos tão pobres que, nem como ausência, conseguimos pensar a indigência. E no entanto, mesmo na indigência, não nos abandona o vigor de pensar. Acontece apenas que se nos apresenta de uma maneira estranha. A maneira de um terreno baldio. A indigência de pensamento não é uma pista de rolamento. Numa pista de rolamento podemos morrer. Não podemos viver. Podemos passar. Não podemos morar. A indigência de pensamento é um terreno baldio, por não lhe faltar [20] solidez de vida e morte para vir a ser um solo de crescimento. Só podemos viver por sermos mortais. Só podemos entristecer por sermos joviais. Assim também só podemos ser indigentes de pensamento porque a solidez de nosso ser nos destina o solo de pensar. Somente as possibilidades que, de alguma maneira, temos, é que nos podem vir a faltar.

A falta de pensamento vive numa fuga. Na fuga da angústia de pensar. É tão angustiante pensar que não queremos nem ver nem reconhecer a indigência de pensamento. Chegamos até a negar-lhe a possibilidade de presença. Como é possível fugir de pensar numa época como a nossa, na era da ciência e da técnica? Como se pode falar hoje em indigência de pensamento, quando por toda parte se multiplicam os sucessos do saber e cresce o interesse pelo conhecimento? O que não nos falta hoje, é pensamento. Em nenhum outro tempo se planejou com tantas perspectivas, se investigou tão fartamente, se investiu tanta energia e recursos em pesquisas, como hoje em dia. Onde está a falta de pensamento?

Resposta: por toda parte, nos próprios investimentos de pesquisa, no próprio empenho de investigar. É que, quando planejamos, investigamos ou processamos alguma coisa, sempre contamos com dados e fatos. Pedimos as contas de propósitos calculados. Contamos com determinados resultados, ainda que não operemos com números nem recorramos a máquinas de calcular ou aos serviços do computador. No cálculo mora todo planejamento e pesquisa, todo processamento e investigação. Por toda a parte somos hoje um pensamento que calcula. E calcula com sempre maiores possibilidades, com possibilidades cada vez mais abrangentes. Progressivamente o pensamento, que calcula, pula com sucesso de um [21] campo para outro. Passa de chance em chance. O pensamento que calcula, não pode parar. Nunca chega à serenidade do sentido. O pensamento, que calcula, não é um pensamento do sentido, um pensamento, que pensa o sentido de si mesmo ou de qualquer coisa.

Há pois duas possibilidades, que brotam, se complementam e se integram na estrutura do pensar: o pensamento irrequieto, que calcula, e o pensamento sereno, que pensa o sentido. É da angústia deste pensamento do sentido que estamos fugindo hoje e na fuga lhe sentimos a falta. Por isso procuramos preencher o vazio com discussões sobre filosofia e psicanálise.

Contra o pensamento do sentido se tem acionado sempre as virtudes do cálculo. Pensar o sentido paira fora da realidade. Não dá pé. Vive num ócio de outro mundo. Não serve para bater um prego. É intempestivo.


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