Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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Agamben (2022) – círculo hermenêutico

quinta-feira 26 de setembro de 2024

13. O círculo hermenêutico, que define o procedimento cognoscitivo das ciências humanas, só adquire seu sentido próprio na perspectiva do método paradigmático. Antes de Schleiermacher  , Friedrich Ast já observara que, nas ciências filológicas, o conhecimento do fenômeno individual pressupõe o conhecimento do conjunto e, vice-versa, o conhecimento do conjunto pressupõe o dos fenômenos individuais. Ao fundamentar esse círculo hermenêutico na pré-compreensão como estrutura antecipadora existencial do Dasein, em Sein und Zeit   [Ser e tempo  ], Heidegger tirou as ciências humanas dessa dificuldade, garantindo aliás o caráter “mais original” do conhecimento delas. Desde então, o mote segundo o qual “o importante não está em sair do círculo, mas em entrar nele de forma correta” tornou-se a fórmula mágica que permitia ao pesquisador transformar em virtuoso o círculo vicioso.

A garantia era, contudo, menos tranquilizadora do que parecia à primeira vista. Se a atividade do intérprete sempre é precedida por uma pré-compreensão que lhe escapa, o que significa “entrar no círculo de forma correta”? Heidegger sugeriu que se trata de nunca deixarmos nos impor (vorgeben) a pré-compreensão “pela circunstância e pela opinião comum”, mas de “elaborá-la a partir das próprias coisas”. Mas isso só pode significar — e o círculo parece assim se tornar ainda mais “vicioso” — que o pesquisador deve ser capaz de reconhecer nos fenômenos a assinatura de uma pré-compreensão que depende da própria estrutura existencial deles.

A aporia é resolvida se se considerar que o círculo hermenêutico é, na realidade, um círculo paradigmático. Não há aqui, como em Ast e Schleiermacher  , uma dualidade entre “fenômeno individual” e “conjunto”: o conjunto só é fruto da exposição paradigmática dos casos individuais. E não há aqui, como em Heidegger, circularidade entre um “antes” e um “depois”, pré-compreensão e interpretação: no paradigma, a inteligibilidade não precede o fenômeno, mas está, por assim dizer, “ao seu lado” (para). Segundo a definição aristotélica, o gesto paradigmático não vai do particular ao todo e do todo ao particular, mas do individual ao individual. O fenômeno, exposto no meio de sua cognoscibilidade, mostra o conjunto do qual é paradigma. E isso, em relação aos fenômenos, não é um pressuposto (uma “hipótese”): como “princípio não pressuposto”, não está nem no passado nem no presente, mas na constelação exemplar deles.

[AGAMBEN  , G. Signatura rerum: sobre o método. São Paulo: Boitempo, 2022]


Ver online : Giorgio Agamben