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Götter

domingo 28 de outubro de 2018

Götter  , θεοι, theoi  , deuses, dieux, gods, dioses, semideuses, semideus, ἡμίθεοι, emitheoi

O deus não é nem “essente”, nem “não essente”. Ele também não pode ser equiparado com o seer, mas o seer se essencia tempo-espacialmente como aquele “entre”, que nunca pode ser fundado no deus, mas tampouco no homem como presente à vista e vivente, mas no ser-aí. [GA65  :§143; GA65MAC:259]


Não faz diferença se idolatramos “poética e literariamente” as figuras dos deuses gregos ou se as esclarecemos através de uma erudição mitológica e historiográfica. Em ambos os casos, não passam de objetos da nossa “vivência” as figuras que, no primeiro caso, parecem mais efusivas e afetivas, enquanto no segundo se mostram mais rígidas e monótonas. Uma pergunta inteiramente diversa é se, a partir de uma necessidade essencial, a essência velada da destinação histórica [Geschichte  ] a que pertencemos deve, necessariamente, estabelecer um diálogo com aquilo que foram para os gregos os seus deuses, os seus θεοί. A resposta autêntica para as perguntas: “Quem é Artemis  ? Quem é Zeus?” resguarda-se no porvir de nossa destinação histórica, uma vez que só ela pode acolher o passado vigente. [GA55MS  :29-30]
Os gregos não fantasiaram os deuses de forma humana nem divinizaram o homem. A essência dos deuses gregos não pode ser explicada por um “antropomorfismo”, como tampouco a essência do homem grego pode ser pensada como um “teomorfismo”. Os gregos não humanizaram os deuses nem divinizaram o homem; pelo contrário, experimentaram os deuses e o homem na sua essência distinta e na sua relação recíproca, com base na essência do ser no [159] sentido de uma emergência autodesvelante, isto é, no sentido de ver e indicar. Essa é a razão por que somente os gregos têm um claro conhecimento da essência dos “semideuses”, ἡμίθεοι, que habitam no meio, entre os deuses e os homens.

A informação “antropomófica” dos deuses gregos e a informação “teomórfica” dos homens gregos, os quais nem humanizaram nem revestiram com formas humanas os deuses, nem divinizaram os homens, são ambas respostas igualmente sem fundamento a questões insuficientemente clarificadas. Perguntar se os gregos revestiram as “pessoas divinas” com formas humanas, ou se as personalidades humanas teriam sido divinizadas como pessoas divinas, com isso pergunta-se acerca de “pessoas” e “personalidades”, sem antes ter determinado a essência do homem e das divindades como são experimentadas pelos gregos e sem ter determinado, ao menos o mais próximo, isto é, o fato de que para os gregos não há nem “sujeitos”, nem “pessoas”, nem “personalidades”. – E como se poderia querer determinar o mínimo sobre uma “antropo-morfia” ou sobre uma “teo-morfia” sem antes fundar a essência de μορφή   como é experimentada pelos gregos e a essência dos conceitos gregos como “formar”, “devir” e “ser”? Como ter êxito nisso sem que, antes de tudo e de cada coisa, a essência da ἀλήθεια   seja mais bem conhecida?

A essência fundamental das divindades gregas, diferentemente de todas as outras, inclusive do Deus cristão, está no fato de que os deuses gregos se originam da “essência” (“vigência”) e o ser se “essencializa” (“vige”). E esta é, portanto, a razão por que a luta entre os deuses “novos”, isto é, olímpicos, e os deuses “antigos” é a luta que, acontecendo na essência do ser, determina a irrupção do próprio ser na emergência de sua essência. Esse mesmo nexo essencial é a razão por que os deuses gregos, como também os homens, nada podem diante do destino ou contra ele. A μοίρα vige sobre deuses e homens, enquanto, por exemplo, no pensamento cristão, todo o destino é a obra da “providência” divina do Deus criador e salvador, que, como criador, domina e calcula todos os entes como criados, razão pela qual Leibniz   ainda pode dizer: cum Deus calculat, fit mundus – “porque e enquanto Deus calcula, o mundo surge”. Os deuses dos gregos não são “personalidades” e “pessoas” que dominam o ser, mas são o próprio ser, [160] que vê de dentro para fora em direção aos entes. Mas porque o ser sempre e em toda parte sobrepuja infinitamente todos os entes e os transcende a todos, por isso, onde a essência do ser veio originariamente para o descoberto, lá os deuses, como é o caso entre os gregos, “transcendem” a tudo e, dito de modo cristão e moderno, são mais “etéreos” e mais “espirituais”, apesar de suas “qualidades humanas”. Precisamente porque os “deuses” são δαίμονες – θεάοντες e co-aparecem no familiar e ordinário, seu extraordinário é tão puro na medida e na suavidade que, quando eles aparecem αἰδώς e χάρις – no temor e na graça do ser –, brilham em toda parte de antemão; brilhando, acenam, e acenando, harmonizam. Quando, então, denominamos os deuses gregos “aqueles que harmonizam”, pensamos sua essência de modo mais originário; podemos, porém, assim denominá-los, porque o temor, a graça e o brilho da suavidade pertencem ao ser e são experimentados na fala poética como αἰδώς e χάρις e, no pensamento, como θαυμαστόν e δαιμόνιον. Dessa luz que harmoniza e acena, surge o brilho do θεῖον o brilhar. Somente por causa deste brilho foi, ao mesmo tempo, concedida aos gregos também a experiência do escuro, do vazio e do escancarado. Enquanto a palavra usual germânica significa, de acordo com sua raiz indo-europeia, um ente [Wesen  ] que o homem invoca e é, pois, o invocado, os nomes gregos, relacionados ao que chamamos deus [Gott], expressam algo essencialmente diferente: θεός – θεάων e δαίμων   – δαίων significam o ver auto-emergente e o ser que se doa para os entes; aqui o deus e os deuses, já pelo próprio nome, não são vistos a partir do ponto de vista do homem, como invocados pelos homens. E quando os deuses são de fato invocados, por exemplo, em antigas fórmulas de juramento, lá são chamados συνίστορες, aqueles que “veem”, e têm visto e, como tal, têm os entes no desencobrimento e podem, então, acenar para eles. Mas como συνίστορες, eles não são “testemunhas”, uma vez que a “ação de testemunhar”, enquanto não a compreendemos originariamente como criar (a vista) a partir de dentro, já é fundada no ter visto de alguém que vê. Os deuses são como θεάοντες, necessariamente, ἵστορες. ἱστορία significa “trazer para a visão” (da raiz fid; videre, visio), colocar na luz, trazer para a clareza. Por isso é próprio ao ἱστορεῖν genuinamente e antes de tudo, o raio de luz. (Cf. Ésquilo  , Agamenon 676, onde é dito de [161] Menelau: εἰ γοῦν τις ἀκτὶς ἠλίου νιν ἱστορεῖ – se ainda algum raio do sol o tem na visão, isto é, o faz ser visível, o deixa estar na luz.) [GA54MSW:159-162]


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