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GA89:89-95 – tornar presente [Vergegenwärtigung]

domingo 17 de dezembro de 2023, por Cardoso de Castro

[…] Trata-se do esclarecimento da diferença que já foi discutida várias vezes aqui, a diferença entre recordar [Erinnerung  ] e tornar presente [Vergegenwärtigung  ]; para começar, a interpretação suficiente do fenômeno do tornar presente. […] Tornamos presente agora, cada um para si, a Estação Central de Zurique. Colocamos duas questões que cada um deve responder por si. Primeiro: para onde me dirijo ao tornar presente a Estação Central de Zurique? O que é tornado presente, em que penso no tornar presente? Segundo: que caráter tem o próprio tornar presente à medida que eu o executo? Devemos nos dedicar a essas duas questões sem preconceitos, sem considerar os conhecimentos adquiridos da psicologia, fisiologia e da teoria do conhecimento. Devemos, antes, ficar na experiência cotidiana em que passamos a nossa vida. Devemos nomear simplesmente aquilo que se mostra, ao olhar o tornar presente.

A primeira pergunta: para onde me dirijo ao tornar presente a Estação Central de Zurique? Respondo: à própria estação existente em Zurique. É nessa que eu penso no tornar presente; não em um retrato dela nem em uma representação, mas na própria Estação Central que está lá. Naturalmente, cada um de vocês verá a estação citada no tornar presente de maneira diferente, de diversos lados, em diversos lugares. Por isso, pergunto à dra. B.: o que se lhe mostra quando ao tornar presente a senhora está dirigida para a Estação de Zurique? Resposta: eu vi o portal. E o senhor, dr. W.? Resposta: o grande relógio sobre a entrada. E o senhor, dr. R.? Resposta: o interior do saguão com o sinal luminoso. E o senhor, dr. Sch.? Resposta: o muro do lado de fora à frente da primeira plataforma. E o senhor, dr. E? Resposta: uma porção de coisas, uma confusão, uma porção de gente, trilhos.

[…]

Mas voltemos à Estação Central de Zurique! Ela mesma, essa estação que está lá em Zurique, é pensada no tornar presente. Ela mesma está à nossa frente, ela mesma se apresenta, e os diversos lados vistos em cada caso lhe pertencem, são seus. No tornar presente da Estação Central de Zurique, não estamos orientados para um retrato dela, não para uma representação que nós nos fazemos dela. Estamos orientados para a estação que está lá. Se verificarmos, sem preconceito para onde estamos orientados no tornar presente, só encontramos isto: para a própria estação que está lá. O que encontramos é o primeiro resultado na tentativa de esclarecer o tornar presente com referência àquilo que é dado neste tornar presente. Este resultado, de que no tornar presente a própria Estação Central de Zurique é o que é tornado presente, não pode ser provado. O resultado não é provado, não porque faltem as provas necessárias, mas porque um querer provar e a exigência de provas aqui não estão de acordo com os fatos. O que está presente para o tornar presente, sobre isso só o próprio tornar presente pode fornecer informações. Temos de nos deixar instruir por ele para onde devemos olhar, se quisermos encontrar aquilo que o tornar presente torna presente. […]

[91] Quanto à segunda pergunta: que caráter tem o tornar presente como tal, à medida que o executo? Isto significa: como eu me coloco perante o que o tornar presente me traz ao encontro, ou seja, perante a própria Estação Central de Zurique que está lá? Respondemos aquilo que já dissemos outras vezes: no tornar presente estamos junto à Estação Central de Zurique mesma. O tornar presente tem o caráter do estar junto [Seins bei  ]…, mais exatamente: do nosso estar-junto à estação. Esta resposta tornava e torna-os perplexos e rebeldes. Vocês contestam que o tornar presente possa tratar-se de um estar junto à Estação de Zurique e mesmo que possa tratar-se disso. E como vocês provam sua proposição negativa? Vocês não podem prová-la. Vocês só podem indicar algo que está evidentemente claro para todos, isto é, que se mostra a cada um, a saber, isto: durante a execução do tornar presente estamos aqui na casa de Boss. Não estamos na Estação Central de Zurique. Nenhuma pessoa razoável vai querer afirmar que, pelo tornar presente nos transpusemos igualmente para a estação, para estarmos presentes junto à estação assim como esta pessoa está ao lado dela. Pois o próprio tornar presente mostra, inequivocamente, que ao realizá-lo continuamos confortavelmente sentados aqui. Tornando presente a Estação Central de Zurique estamos aqui juntos em nossas cadeiras junto às mesas e não na estação. E mesmo assim a nossa interpretação do tornar presente diz: é um estar junto à estação. Estamos efetivamente junto à estação mesma. Contrapõe-se: não, efetivamente estamos aqui e somente aqui. Ambas as afirmações são corretas; pois em ambas o “efetivamente” é usado em sentido diferente. Primeiramente seguimos a afirmação: estamos junto à estação, no máximo, em pensamento. Com isso admitimos que estamos sim, de alguma forma, junto à estação. Isso admitimos e não podemos negar, pois, conforme afirmou a resposta dada à primeira pergunta, no tornar presente estamos orientados para a Estação de Zurique mesma. Mas, este fato que temos de admitir, que de alguma forma estamos junto à estação de Zurique, quando a tornamos presente, nós o interpretamos quando dizemos: “só em pensamento”. Essa interpretação poderia, talvez, ser explicada da seguinte forma: o que significa este “em pensamento”? Só há pensamentos no pensar. De acordo com aquela interpretação nosso estar junto à estação só é um estar pensado. Ao tornar presente a Estação de Zurique, só pensamos estar junto à estação. Quando os senhores tornam presente a Estação Central de Zurique os senhores pensam que estão à sua frente? Ao simples tornar presente a estação, os senhores encontram a mesma coisa como aquela quando pensam estar lá na estação? Não, os senhores só pensam que pensam isso. No fenômeno do simples tornar presente não se encontra nada de um tal pensar [Sich-denken  ] neste sentido. Quem afirma isso não pode se referir a nenhuma descoberta. Ele apenas fala de uma pura invenção. Mesmo [92] assim esta interpretação nos dá a possibilidade de apontar para uma diferença importante. Suponhamos que o tornar presente da Estação Central de Zurique tenha o caráter de que devêssemos pensar que estamos lá, junto à estação. Então, neste tornar presente não estaríamos orientados para a estação, mas para o fato de estarmos lá. De acordo com isso, tornaríamos presente nosso simples estar presente junto à estação, não a estação mesma. Esse tornar presente não seria aquele que colocamos como exemplo. Mais ainda, esse tornar presente não seria um tornar presente de algo realmente existente. O que agora ainda chamamos de tornar presente é, na verdade, um se imaginar [Sich-einbilden], Pensar [Sich-denken] que estamos junto à estação é um fenômeno inteiramente diferente do que o tornar presente a estação. Mas se o interpretarmos dizendo que faz parte dele pensarmos estar na estação, que isso faz parte dele: estar junto à estação em pensamento – então mal interpretamos o fenômeno do tornar presente tão fundamentalmente, que colocamos em seu lugar um fenômeno totalmente diverso. Em vez de seguir simplesmente a indicação contida pelo próprio tornar presente colocamos em seu lugar o fenômeno da imaginação. Em vez de mantermos o olhar aberto, fizemos, inadvertidamente, uma suposição: pensamos estar de fato na estação. Entretanto com a interpretação do tornar presente pela expressão “só em pensamento”, os senhores querem dizer outra coisa, e mesmo algo correto. O “só em pensamento” quer dizer: só pensar na estação de forma que esta mesma seja dada no tornar presente, mas não está presente concretamente. O “só em pensamento” significa ainda que nós mesmos não estamos presentes concretamente na estação, mas na realidade aqui nesta casa. Com a afirmação “só em pensamento” compreendida corretamente chegamos, na verdade, mais perto do fenômeno. Entretanto, se acompanharmos a indicação que está no tornar presente mesmo, não encontramos nada deste “só em pensamento”. A particularidade do tornar presente é justamente que ele mesmo nos deixa estar junto à estação a seu modo. Ele é uma maneira de estar junto de entes, estar junto… este que nem precisa da adição “só em pensamento”.

Examinemos agora se, e em que sentido, esse estar junto à estação caracteriza realmente o tornar presente como tal! Suponhamos, o que não é estranho nem despropositado, que após o seminário os senhores ainda tenham de ir buscar alguém na Estação Central de Zurique. Os senhores vão à Estação de carro. Os senhores nunca chegariam à estação se não a tornassem presente durante o percurso e mesmo antes; se o tornar presente, absolutamente necessário para a viagem, embora não executado constantemente, não significasse a própria estação que está lá em Zurique. Ou os senhores iriam, talvez, para algo que só temos em pensamento, um simples retrato, uma representação da estação em nossa cabeça? A resposta é inútil porque a própria questão pergunta o [93] impossível. Pois nunca posso ir de carro a um simples retrato ou representação da estação. Argumentarão – e isso se torna claro justamente pelo exemplo da ida à estação – que ao tornar presente não estamos junto à estação. Mas essa indicação é prematura e precipitada. Ainda não chegamos à estação, mas este “ainda não” não é por causa do tornar presente. Pois nele e graças a ele já estamos justamente junto à estação a seu modo, senão nunca poderíamos chegar a ela por meio da viagem de carro. O que diz então este “estar junto” que encontramos no tornar presente como seu caráter? Este “estar junto” não significa, absolutamente, que durante o tornar presente estejamos factualmente ou mesmo só em pensamento na frente da estação, não significa que estejamos presentes lá e ao lado dela. Durante o tornar presente da estação estamos inequivocamente e de fato aqui nesta casa. Entretanto, o nosso estar-aqui nos oferece diversas possibilidades. Podemos participar da conversa, podemos olhar o relógio, podemos observar como um dos colegas responde à pergunta que lhe foi feita. Também podemos tornar presente a Estação Central de Zurique. Neste caso este tornar presente é um modo possível do nosso estar-aqui. Neste caso, de acordo com a interpretação citada do tornar presente como de um estar junto à estação estaríamos, pois, ao mesmo tempo aqui na casa de Boss e junto à Estação Central de Zurique. Alguém tente representar esta bruxaria: estar ao mesmo tempo aqui e junto à Estação de Zurique. Mas não é isso que queremos dizer com a nossa interpretação do tornar presente. No tornar presente não estou ao mesmo tempo aqui e, além disso, factualmente ainda no mesmo sentido do estar-aqui, junto à Estação Central de Zurique. Ao estar-aqui executo o tornar presente. Ao estar-aqui, tornando presente a estação, embora no modo do tornar presente, estou junto à estação. Meu estar-aqui como execução do tornar presente é um estar na estação. Nosso estar-aqui ocorre constante e necessariamente desse modo estranho e até maravilhoso. Nosso estar-aqui é de acordo com sua essência, um estar junto a entes, que não somos nós mesmos. Este estar junto de tem geralmente o caráter do perceber corporalmente coisas corporalmente presentes. Mas o nosso estar-aqui também pode ocupar-se do estar junto de coisas não-corporalmente presentes. Se essa possibilidade não existisse e não fosse executada, os senhores, por exemplo, nunca chegariam em casa hoje à noite. Mas enquanto nós, tornando presente a Estação Central de Zurique, estamos junto à Estação no modo do tornar presente, continuamos aqui junto às mesas e aos objetos. Esse nosso estar junto de coisas agora corporalmente presentes pode ser um estar junto à estação se, estando aqui na casa junto das coisas, fizermos uso da nossa possibilidade do tornar presente. Neste caso não abrimos mão do estar junto às coisas aqui. O nosso estar-aqui junto às coisas de qualquer maneira é, como tal, sempre já um estar-lá, junto de coisas distantes, não corporalmente presentes, embora estas não [94] sejam observadas especialmente. O sentido de estar na formulação “estar junto” é singular e fundamentalmente diverso do estar que nomeamos com a expressão “estar simplesmente presente” e “aparecer”[Vorkommen  ]. O “estar junto”, que entre outros indica o tornar presente, é fundamentalmente diverso do estar simplesmente presente, por exemplo, dos sapatos que colocamos na frente da porta dos quartos. Podemos dizer que os sapatos estão junto à porta. Este “estar junto de” significa aqui a proximidade espacial de duas coisas. Ao contrário, o “estar junto de” do nosso estar aqui junto das coisas tem o traço fundamental do estar-aberto para a coisa presente, com que se está. Ao contrário, os sapatos que estão junto à porta não estão abertos para a porta. Para os sapatos a porta não está presente como porta, na verdade, não está presente de modo algum. Não podemos, nem é permitido dizer, que a porta e os sapatos são mutuamente fechados. O ser fechado, como privação, só existe onde reina a abertura. A porta e os sapatos só estão presentes em diversos lugares no espaço. Sua distância é um perto-junto um do outro. A abertura para o presente é o traço fundamental do ser humano. Mas a abertura para o ente traz em si diversas possibilidades. O que rege toda abertura é o estar junto às coisas que nos dizem respeito corporalmente sem intermediações. A falta de contato que se verifica na esquizofrenia é uma privação do estar aberto. Mas esta privação não significa que a abertura desaparece, apenas ela é modificada para “a pobreza de contato”. Um outro modo do estado de aberto junto de é o tornar presente. Esse estar junto não significa, pois, um estar simplesmente presente, um aparecer do homem que representamos, erroneamente, no caso de mal interpretar o tornar presente a estação, como se ele estivesse presente ao lado de um táxi estacionado ali. Na verdade, o nosso estar-aqui aberto nesta casa junto às coisas pode ser aberto para um ente distante como, por exemplo, a estação central, somente enquanto este estar-aqui no modo do tornar presente. Atenção: estar-junto aberto no modo de tornar presente o ente que está presente ali. Esse nosso estar-aqui aberto junto às coisas é então, como tal, um estar-junto-à-estação aberto. Não atingimos mais corretamente os fatos fenomenológicos dados aqui se dissermos: podemos estar abertos ao mesmo tempo aqui junto às coisas e junto à estação. Não são dois modos de estar-junto que ocorrem simultaneamente, mas sim é o nosso aberto estar-aqui junto às coisas que, tornando presente, é um estar aberto junto à Estação Central de Zurique. Isso não elimina o estar-aqui junto às coisas. Ele não desaparece, só se modifica: tornando presente a Estação Central não prestamos atenção especialmente às coisas presentes aqui. O estado-de-abertura do homem para o ente é tão importante e determinante para o ser-homem que passa constantemente despercebido graças à sua simplicidade e à imperceptibilidade, em benefício de teorias psicológicas construídas. [95] Mas mesmo quando vemos esse fenômeno, isso ainda não significa que estamos preparados a aceitar meramente este simples em toda sua estranheza como aquilo que se mostra. A interpretação fenomenológica do tornar presente como um modo do estar aberto junto à Estação Central de Zurique não nos impõe que nos transportemos em pensamento daqui da sala para a estação como se tratasse de um “estar-junto” do tipo do aparecer dos sapatos ao lado da porta. Antes, a interpretação correta do fenômeno do tornar presente, como um estar aberto junto à estação, exige que fiquemos sentados aqui e nos vejamos como aqueles que seguem a indicação contida no próprio fenômeno do tornar presente; a indicação do que está presente no tornar presente, a indicação que se identifica a si mesma como um modo do estar-aberto junto ao que está presente. Apenas uma coisa importa, aceitar simplesmente aquilo que se mostra no fenômeno do tornar presente e nada mais.


Ver online : Zollikoner Seminare [GA89]


[HEIDEGGER, Martin. Seminários de Zollikon: protocolos, diálogos, cartas. Tr. Gabriella Arnhold, Maria de Fátima de Almeida Prado. São Paulo: Escuta, 2017]