SZ:170-171 — Visão – Sicht

Castilho

Na análise do entender e da abertura do “aí” em geral, remeteu-se ao lumen naturale e se deu o nome de clareira do Dasein à abertura do ser-em, na qual é pela primeira vez somente possível algo assim como a visão. A visão foi concebida em referência ao modo-fundamental de todo abrir do Dasein, isto é, o entender, tomado no sentido da genuína apropriação do ente em relação ao qual o Dasein pode se comportar conforme suas essenciais possibilidades-de-ser.

A constituição-fundamental da visão mostra-se numa peculiar tendência-de-ser da cotidianidade para o “ver”. Designamo-la com o termo curiosidade, que de modo característico não se limita ao olhar e expressa a tendência para uma peculiar forma de o mundo vir-de-encontro na percepção. Esse fenômeno, nós o interpretamos numa intenção ontológico-existenciária de princípio, (479) e não o restringimos ao mero conhecimento que na filosofia grega foi concebido muito cedo e não por acaso como “prazer de ver”. O tratado que ocupa o primeiro lugar na coleção dos tratados de Aristóteles sobre ontologia começa com a proposição: πάντες άνθρωποι τού είδέναι ορέγονται φύσει 1. Νο ser do homem reside essencialmente a preocupação do ver. Introduz-se, assim, uma investigação buscando descobrir a origem da pesquisa científica do ente e de seu ser, a partir do referido modo-de-ser do Dasein. Essa interpretação científica grega da gênese existenciária da ciência não é casual. Nela se chega ao explícito entendimento do que se prefigura na sentença de Parmênides: το γάρ αυτό νοείν έστίν τε και είναι. Ser é ο que se mostra no puro perceber vidente e só esse ver descobre o ser. A verdade originária e autêntica reside na pura visão. Essa tese permanece desde então o fundamento da filosofia ocidental. Nela a dialética hegeliana tem seu motivo e só é possível sobre esse fundamento.

Essa notável precedência do “ver” foi notada sobretudo por Agostinho, em conexão com a interpretação científica da concupiscentia 2. Ad oculos enim videre proprie pertinet, o ver pertence propriamente aos olhos. Utimur autem hoc verbo etiam in ceteris sensibus cum eos ad cognoscendum intendimus. Mas empregamos essa palavra “ver” também para os outros sentidos, quando a eles recorremos para conhecer. Neque enim dicimus: audi quid rutilet; aut, olefac quam niteat; aut, gusta quam splendeat; aut, palpa quam fulgeat: videri enim dicuntur haec omnia. Com efeito, não dizemos: ouve como brilha, ou cheira como brilha, ou saboreia como resplandece, ou palpa como irradia, mas nisso tudo dizemos vê, dizemos que tudo isso é visto. Dicimus autem non solum, vide quid luceat, (481) quod soli oculi sentire possunt, mas também dizemos somente: olha como resplandece, coisa que só os olhos podem perceber, sed etiam, vide quid sonet; vide quid oleat, vide quid sapiat, vide quam durum sit. Também dizemos: olha como soa, olha como cheira, olha como é o duro. Ideoque generalis experientia sensuum concupiscentia sicut dictum est oculorum vocatur, quia videndi officium in quo primatum oculi tenent, etiam ceteri sensus sibi de similitudine usurpant, cum aliquid cognitionis explorant. Por isso se chama “concupiscenda dos olhos” à experiência de todos os sentidos em geral, porque quando se fala de conhecer, os outros sentidos fazem sua, por uma certa semelhança, a operação de ver, em que os olhos têm a precedência. (p. 479, 481, 483)

Schuback

Rivera

Vezin

Macquarrie

Original

  1. Metaphysik A 1, 980 a 21.[↩]
  2. Confessiones Iib. X, cap. 35.[↩]
  3. Metafísica A, 1, 980 a 21.[↩]
  4. Confessiones lib. X, cap. 35.[↩][↩]
  5. Métaphysique A 1, 980 a 21.[↩]
  6. Confessiones L. X. ch. 35.[↩]
  7. See H. 133 above.[↩]
  8. ‘. . . nicht in der verengten Orientierung am Erkennen, das schon früh und in der griechischen Philosophie nicht zufällig aus der “Lust zu sehen” begriffen wird.’ The earlier editions have ‘. . . am Erkennen, als welches schon früh . . .’[↩]
  9. While the sentence from Aristotle is usually translated, ‘All men by nature desire to know’, Heidegger takes et’SeVoi in its root meaning, ‘to see’, and connects ορέγονται (literally: ‘reach out for’) with ‘Sorge’ (‘care’).[↩]
  10. This sentence has been variously interpreted. The most usual version is: ‘For thinking and being are the same.’ Heidegger, however, goes back to the original meaning of voelv as ‘to perceive with the eyes’.[↩]
  11. Metaphysik A I, 980 a 21.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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