- Roberto Leal Ferreira
- Original
Roberto Leal Ferreira
Digamos uma palavra sobre o problema em seu aspecto mais geral e mais formal. Em princípio, o termo “existenciário” (existenziell) caracteriza a escolha concreta de uma maneira de ser-no-mundo, o compromisso ético garantido por personalidades excepcionais, por comunidades, eclesiais ou não, por culturas inteiras. O termo “existencial” (existenzial), em compensação, caracteriza toda análise que visa explicitar as estruturas que distinguem o ser-aí de todos os outros entes, e assim vincula a questão do sentido do ser do ente que somos à questão do sentido do ser enquanto tal, na medida em que, para o ser-aí, está em jogo o sentido de seu ser. Mas a distinção entre existenciário e existencial é obscurecida por sua interferência com a do autêntico e do inautêntico, ela própria imbricada na busca do originário (ursprunglich). Essa última sobreposição é inelutável, uma vez que o estado degradado ou decaído dos conceitos disponíveis para uma fenomenologia hermenêutica reflete o estado de esquecimento em que se encontra a questão do ser e requer o trabalho de linguagem mencionado mais acima. A conquista de conceitos primitivos, originários, é, assim, inseparável de uma luta contra a inautenticidade, ela própria praticamente identificada à cotidianidade. Ora, a pesquisa do autêntico não pode ser levada adiante sem um constante apelo ao testemunho do existenciário. Os comentadores não sublinharam suficientemente, a meu ver, esse nó de toda a fenomenologia hermenêutica de Ser e tempo. Ela está sempre na necessidade de atestar existenciariamente seus conceitos existenciais.8 Por quê? Não é para responder a nenhuma objeção epistemológica vinda das ciências humanas — a despeito das palavras “critério”, “segurança”, “certeza”, “garantia”; a necessidade de atestação decorre da própria natureza dessa potencialidade de ser em que consiste a existência: esta, com efeito, é livre, quer para o autêntico, quer para o inautêntico, quer para algum modo indiferenciado. Ora, as análises da primeira seção constantemente se apoiaram na cotidianidade média e, portanto, estão (112) elas próprias confinadas nesse registro indistinto, ou até claramente inautêntico. É por isso que se impõe uma nova exigência: “A existência quer dizer uma potencialidade de ser — mas uma potencialidade que seja autêntica” 1233). Mas, como um ser inautêntico pode muito bem ser menos que integral (als unganzes), como o verifica a atitude de fuga diante da possibilidade da morte, é preciso admitir que “nossa análise existencial anterior do ser-aí não pode pretender a originariedade” (ibid.). Ou seja, sem a garantia da autenticidade, a análise carece também da segurança de originariedade.