Machenschaft, maquinação, maquinación, machination, empire du se-faire, règne de l’efficience, fabrication
O termo alemão Machenschaft é um termo de difícil tradução. Em seu uso corrente, ele significa o mesmo que maquinação, intriga, manobra. Heidegger vale-se do termo, porém, em um sentido quase etimológico: ele o pensa em sua relação com o verbo machen que significa simplesmente fazer. Machenschaft descreve aqui o processo de transformação da totalidade em algo factível e a autonomização da estrutura mesma que acompanha incessantemente o modo de instauração desse processo. Este campo semântico perde-se no português. De qualquer modo, porém, há no termo maquinação em português o paralelo com a palavra “máquina” e com o vocábulo grego Mechané, que serve de base para o termo Machenschaft em alemão. Com isto, optamos por seguir uma tradução já consagrada em outras línguas, acentuando aqui um elemento decisivo no original que se perde na tradução (CASANOVA, N.T. GA66MAC)
Machenschaft, all that has the quality of doing or making, prevails in the realm of purely accessible (ausmachbaren) beings, beings characterized by sheer disposability (Machbarkeit) and malleability (Machsamkeit), where everything is “do-able” (machbar) by way of securement and calculation. (David Farrell Krell, GA6T2DFK:175)
Machination here means the makability (Machbarkeit) of beings which produces as well as makes up everything, such that only in this makability the being-ness of beings (Seiendheit des vom Seyn) that are abandoned by be-ing (verlassenen Seienden) (and by the grounding of its truth) determines itself. (Here makable is thought as “watchable” (wachbar) = watchful (wachsam). And hence makability is thought in the sense of producibility (Machsamkeit)). Machination means the accordance of everything with producibility, indeed in such a way that the unceasing, unconditioned reckoning of everything is pre-directed. Such things allow “progress” (Fortschritt) only marginally, because progress seems, or intends to be able to surmount destruction as the indicator of “retrogression” (Rückschritts). But then machination adjoins beings as such to the space of a play that continually plays into machination as an ongoing annihilation (Vernichtung). (GA66EK:§9)
Die Machenschaft. Ce mot s’entend couramment en allemand au sens de notre « machination ». Mais Heidegger, loin de pencher vers cette acception péjorative, l’entend dans son sens littéral, comme «Machen-schaft», c’est-à-dire comme: l’ensemble de tout ce qui a trait à cette faculté qu’a l’être humain de « machen », de « faire », mais au sens de « façonner », « maçonner », « pétrir », « donner forme ». Traduire Machenschaft par « la fabrication », c’est rester tout près de l’acception somme toute restreinte qu’indique Machen, et laisser à notre verbe « faire » son ampleur propre, qu’il nous est loisible d’entrevoir si nous pensons à ses cousins, les verbes allemand: tun, anglais: to do, grec: τίθημι, lesquels disent la modalité fondamentale de « placer », soit de « faire se tenir debout ». (Fédier; GA65FF:44)
VIDE: (Machenschaft->http://hyperlexikon.hyperlogos.info/modules/lexikon/search.php?option=1&term=Machenschaft)
Heidegger usa a palavra germânica Machenschaft como um sinônimo próximo de Technik. Ela vem de Machen, “fazer, construir etc.”, e já significou “tipo, qualidade”. Seu significado atual, especialmente no plural, é de “maquinações, intrigas, artifícios e procedimentos” . Heidegger recupera sua ligação com o fazer e o interpreta como “fabricação, maquinação, produtividade”, a tendência a valorizar apenas aquilo que já convertemos ou podemos converter em algo. Esta palavra é convenientemente similar, embora etimologicamente não esteja relacionada a Macht, “poder”, e a Maschine, “máquina” (GA6I, 21/N3, 174s; GA65, 392 etc.). (DH)
N.T.: Assim como o seu correlato português, o termo alemão Machenschaft (maquinação) também possui o sentido corriqueiro de “intriga” e “tramoia”. No entanto, não é de modo algum com esse sentido que Heidegger se vale do termo. Ao contrário, o que está em questão no uso heideggeriano é muito mais a autonomização de uma instância presente no étimo mesmo da palavra. Machenschaft é uma palavra que nasce da substantivação do verbo machen (fazer). Com essa substantivação, Heidegger procura dar conta da liberação da postura produtiva do sujeito moderno em relação ao ente na totalidade e da paulatina autonomização das estruturas de produção da realidade em relação à subjetividade racional humana. De acordo com Heidegger, essa autonomização se dá justamente na passagem da doutrina nietzschiana da vontade de poder e do eterno retorno do mesmo para o domínio incondicionado da vontade de vontade. (Casanova; GA6MAC:467)
N.T.: Há aqui um jogo de palavras que se perde na tradução em virtude de peculiaridades do português e do alemão. Em alemão, tanto Macht (poder) quanto Machenschaft (maquinação) provêm de machen (fazer). Esse fato é importante, porque acentua a tese heídeggeriana de que a metafísica do poder em Nietzsche se acha em ressonância direta com a dinâmica da maquinação no mundo contemporâneo. (Casanova; GA6MAC:478)
N.T.: Machenschaft é um termo que possui um conteúdo significativo bastante específico. Traduzido a partir da experiência própria ao pensamento heideggeriano, ele não descreve algum ardil de pensamento, mas antes a absolutização da essência produtiva da própria metafísica. Machenschaft é um termo que se constitui a partir de uma substantivação do verbo machen, que significa literalmente fazer. Partindo do paradigma da poiesis (fabricação, criação, produção) e da techne (técnica no sentido da maestria em um ofício) na filosofia antiga e passando pela exposição do domínio decisivo da ideia cristã de criação, Heidegger lê a história da metafísica como a história da paulatina radicalização do papel produtivo do pensamento. Esse papel consuma-se no interior da noção de Machenschaft (maquinação), na medida em que aqui não há mais nenhum espaço para a suposição de uma existência autônoma em relação às condições a cada vez estabelecidas pela subjetividade incondicionada da vontade de poder. Realidade é, aqui, algo que se decide incessantemente de maneira estratégica, a partir dos interesses momentâneos de uma subjetividade transpessoal ou suprapessoal que transforma o ente na totalidade em matéria amorfa para as suas experiências. (Casanova; GA6MAC:639)
O correlato alemão do termo “maquinação” apresenta um caso paradigmático dos problemas de tradução da obra de Heidegger. A palavra alemã para “maquinação” é Machenschaft, que possui uma relação etimológica direta com o verbo machen (fazer). Heidegger vale-se dessa relação em seu emprego filosófico do termo. O que procura salientar com a palavra Machenschaft é o fato de, no mundo contemporâneo, tudo ter sido reduzido ao âmbito de um fazer autonomizado que, em sua repetição incessante, acaba por tornar irrelevante até mesmo aquilo que é feito. Machenschaft designa literalmente algo como uma “fazeção”, como uma “facção” ou uma “factibilidade”. Uma das coisas mais importantes para uma tradução da obra de Heidegger, porém, é lutar o máximo possível contra a criação de uma linguagem artificial, que se enuncie envolta em um tom aurático e produza uma relação artificial com a coisa em questão. É preciso finalmente quebrar com o gesto, a fim de encontrar a consistência propriamente dita da filosofia heideggeriana. Nesse sentido, é preciso lembrar que a palavra Machenschaft é uma palavra corrente da língua alemã e que ela possui o mesmo significado de nossa “maquinação”. Ao mesmo tempo, como a palavra “maquinação” possui um acento na ideia de máquina e na automatização daí decorrente, ela contém elementos importantes presentes no original. Para além desses elementos, contudo, é preciso ler o termo não em seu sentido vulgar, mas em seu sentido ontológico, sem perder de vista a sua proximidade com o verbo fazer. Como Heidegger acentua acima o étimo da palavra, optamos por inserir uma tradução mais literal entre parênteses (N.T.). (Casanova; GA66MAC:287)
Machenschaft (maquinação): O conceito heideggeriano de Machenschaft cunha-se originariamente a partir da noção grega de μηχανή. A μηχανή pode ser traduzida por “aparato”, “instrumento”, “máquina” no sentido mais amplo do termo. A ligação com o verbo μηχανάω (μηχανάομαι) propicia porém uma melhor contextualização deste sentido primário. Μηχανάω indica o próprio ato de concepção, preparação, maquinação, e, por extensão de significado, a aplicação dos meios capazes de levar a termo o conteúdo de um tal ato. Junto com a μηχανή surge assim uma articulação com a própria dinâmica de construção do espaço para a sua expansão. Esta articulação traz à tona o cerne do conceito de maquinação: a absolutização da vontade no interior do espaço de realização da metafísica da técnica e a assunção da instrumentalização como virtude fundamental desta vontade. O ser não é assim determinado aqui senão através das modulações mesmas desta vontade em seu poder conformador e da calculabilidade maquinai promovida por este poder conformador. (Casanova; GA67MAC:184-185)