Griechen

Porque é que é essencial ocultar tal estatuto (entre Anfang e Ursprung)? Por duas razões, pelo menos. Dizer que a meditação heideggeriana do começo (Beginn) tem como finalidade uma aproximação da origem (Ursprung) nele reservada, significa, em primeiro lugar, que ela visa uma «coisa» (Sache) até aqui impensada, nunca tendo pertencido ao passado, sempre à espera de um futuro. Por aqui se mostra que o gesto heideggeriano não tem nada de um retorno aos Gregos, no sentido de uma qualquer ressurreição do pensamento grego ou do gênio pré-socrático. Mas significa, em segundo lugar, que esta meditação visa uma «coisa» temporal, ligada a uma língua (Sprache), e que inaugurou uma história (Geschichte). Por aqui se mostra que o gesto heideggeriano também não é o puro desvelamento de uma estrutura atemporal, sem início nem fim, livre de qualquer espessura histórica.

Noutros termos: é bem certo que o desígnio de Heidegger nada tem de comum com este «retorno aos Gregos» (bei den Griechen) que lhe foi tão frequentemente imputado. Mas não é menos certo que há de facto em Heidegger um «retorno ao grego» — marcando aqui o singular toda a distância que separa o pensamento (com o qual começa a nossa história) da língua (que abriga a origem impensada dessa mesma história). Porque a nossa história é grega. Somos descendentes. Herdeiros ingratos talvez, cegos à sua mais secreta proveniência, mas herdeiros, contudo. Não tanto herdeiros de um pensamento como de uma língua, até de algumas «palavras», palavras nunca meditadas propriamente na sua carga de impensado, e que permanecem, contudo, o único território susceptível de encerrar o mistério do nosso destino. Numa palavra: «para lá dos próprios Gregos» (Das Ende der Philosophie…, ZSD (GA14), p. 79 (Qu. IV (Q34), 137):… uber das Griechische hinaus…, muito para aquém do começo, esconde-se talvez o enigma da origem; para lá do grego já não se esconde nenhum enigma, se esta palavra designa realmente um segredo que seria nosso ao mesmo tempo que se nos furta. Não resta mais do que uma alteridade radical, e radicalmente alheia à nossa história: o vudu, talvez, ou o zen…

Se mantemos o termo origem — não deixando de estar consciente dos numerosos problemas que levanta —, é, pois, para que a «coisa» (Sache) perseguida por Heidegger seja, num mesmo movimento, claramente dissociada do começo do pensamento, e apesar disso mantida como inauguração da história.

Mas, uma vez globalmente circunscrito o sentido de Anfang (início), levanta-se uma outra questão, ainda mais decisiva: porquê esta demanda da origem? O que é que a origem ilumina, quando é finalmente atingida? Noutros termos, com vista a quê é que Heidegger procurou tão pacientemente encontrar, nas palavras fundamentais do começo, o traço do impensado original? {MZHPO:32-33)