Traduzir Dasein por ser-aí, é em certo sentido não ver o obstáculo, ou esquivá-lo, e é não se dar conta, como diz Heidegger, do corte que esta palavra é por ela só: “Em francês, Dasein é traduzido por être-là, por exemplo em Sartre. Mas pronto, tudo que tinha sido conquistado em Ser e Tempo como nova posição está perdido. O ser o humano é aí como a cadeira?” (GA15, 204).
A cadeira e aí, no sentido disto que Heidegger denomina em Ser e Tempo “ser-aí-diante” (Vorhandenheit). Ser aí, é ter uma permanência temporal e espacial na presença. Ora nada é mais estranho ao Dasein, que não tem nenhuma permanência porque tem a cada vez a ser seu ser, que não é a princípio presente porque é a partir de sua abertura primordial ao devir que ele é propriamente temporal, e que não é não no espaço, porque ele não ocupa qualquer lugar. Se demandar assim, como o faz Emmanuel Levinas em Entre nous (p. 158), “se o Da de Dasein já não é a usurpação do lugar de algum”, não tem, do ponto de vista de Heidegger, rigorosamente qualquer sentido, a menos precisamente de não se dar conta de tudo o que foi conquistado em Ser e Tempo e de traduzir, como isso acontece por vezes ainda hoje, Dasein por ser-aí.
Para prevenir este gênero de grande mal-entendido, Heidegger escreveu em sua primeira carta a Jean Beaufret (23 de novembro de 1945):
<poesie>“Da-sein” é uma palavra chave de meu pensamento, também dá lugar a graves erros de interpretação. Da-sein não significa tanto para mim “eis me!”, mas ao contrário, se me é permitido dizer em um francês talvez impossível: “ser o-aí”. E “o-aí” equivale a aletheia: abertura sem retiro (Unverborgenheit) — flagrância (Offenheit).O mérito de ser o-aí é a princípio de não ser um substantivo e de obrigar assim a entender o ser como Heidegger entendia sein em Da-sein, quer dizer de maneira verbal. Fazendo de ser um transitivo, ser o-aí reforça igualmente esta dimensão verbal e fática que perde inteiramente o verbo de estado que é ser em ser-aí. Resta o que há a ser, a saber: o aí.