Henry (1963:§5) – consciência, região de ser?

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A inserção do ego cogito e da sua problemática no horizonte liberado pela ontologia fenomenológica universal depara-se, no entanto, com uma objeção, se a existência deste ego retirar a sua originalidade de outro lugar que não a estrutura ontológica prescrita a priori por uma dada região do ser. Pois esta questão permanece em aberto: pode a consciência ser assimilada por nós, de uma forma correta, a uma região do ser? Não será ela todavia o ser ele mesmo, o ser absoluto, a protocategoria do ser em geral, a Urregião na qual todas as outras regiões encontram o seu fundamento? Em estreita ligação com esta questão, abre-se então perante nós a seguinte possibilidade: a análise do cogito constitui em si mesma uma análise ontológica, e isto num sentido decisivo e universal. Não é de todo uma análise ontológica particular, a análise de uma dada estrutura ontológica que, como região, domina e governa uma dada categoria de objetos. Claro que, como mostramos, qualquer ontologia regional está necessariamente subordinada à ontologia universal. A elucidação do sentido do ser dentro de um domínio particular de objetos implica a elucidação prévia do sentido do ser em geral. Mas o sentido de ser do ego cogito não é de todo um sentido regional, se é verdade que é neste e através deste ego que se constituem todos os tipos possíveis de ser em geral e, correlativamente, todos os tipos de sentido que lhes são de cada vez imanentes. As experiências de consciência em que o cogito, entendido no seu sentido mais amplo, se realiza concretamente não são, de fato, tantos seres determinados, encerrados numa região determinada como coisas mortas ou como conteúdos susceptíveis de serem distribuídos em grupos ou classes mais ou menos complexos. Tais experiências são, de fato, intencionais, são em todos os casos “consciência de”, visam um objeto, precisamente aquele para o qual transcendem, e isto de tal modo que é precisamente um tal ato de transcendência que confere ao ser visado um sentido próprio de cada vez. A consciência é constitutiva do sentido do ser em geral; é a consciência que prescreve a cada objeto e a cada tipo de objeto o sentido do ser que lhe é próprio. O sentido de ser do ego cogito é precisamente o de conferir um sentido ao ser; é, mais profundamente, o de ser a fonte desse sentido, a origem absoluta da qual ele brota de cada vez como uma criação livre.

original

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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