GA9:398-401 – o trabalhador [Arbeiter]

Giachini & Stein

“Domínio” é ((JÜNGER, Ernst) O trabalhador, p. 192) “hoje apenas possível como representação da figura do trabalhador, a qual pretende possuir validez planetária”. “Trabalho” no sentido supremo que perpassa toda a mobilização é “representação da figura do trabalhador” (O trabalhador, p. 202). “Mas o modo como a figura do trabalhador começa a perpassar o mundo é o caráter total do trabalhador” (O trabalhador, p. 99). Com um significado quase idêntico segue a frase numa página mais adiante (p. 150): “A técnica é o modo pelo qual a figura do trabalhador mobiliza o mundo”.

Uma página antes faz-se esta observação decisiva: “Para possuir uma relação real com a técnica é preciso ser mais do que técnico” (p. 149). Só posso entender esta proposição assim: por relação “real” o senhor entende a relação verdadeira. Verdadeiro é aquilo que corresponde à essência da técnica. Pelo produzir técnico imediato, isto é, pelo respectivo caráter especial de trabalho, jamais se atinge esta relação essencial. Esta repousa na relação com o caráter total do trabalho. O “trabalho” assim entendido é, todavia, idêntico ao ser no sentido de vontade de poder (p. 86).

Que determinação essencial da técnica resulta daí? Ela é o “símbolo da figura do trabalhador” (p. 72). “Enquanto mobilização do mundo pela figura do trabalhador” (p. 154), a técnica se funda evidentemente naquela inversão da transcendência na rescendência da figura do trabalhador, uma inversão por meio da qual a sua presença se desdobra na representação de seu poder. Por isto, o senhor pode escrever (p. 154): “A técnica também é…, como destruidora de toda e (410) qualquer fé em geral, o poder anticristão mais decisivo que até agora se manifestou”.

Sua obra, O trabalhador, já esboça, por meio de seu subtítulo, “Domínio e figura”, os traços fundamentais daquela nova metafísica da vontade de poder que se manifesta na totalidade, na medida em que esta se apresenta agora, em toda parte e plenamente, como trabalho. Já na primeira leitura desta obra moveram-se perguntas que ainda hoje preciso formular: A partir de onde se determina a essência do trabalho? Resulta essa essência da figura do trabalhador? O que faz da figura a figura do trabalhador, se a essência do trabalho não a perpassa de maneira dominante? Essa figura recebe com isto a sua presença humana da essência do trabalho? De onde se obtém o sentido de trabalhar e trabalhadores no alto nível que o senhor atribui à figura e ao seu domínio? Surge este sentido do fato de o trabalhador ser pensado, neste caso, como marca da vontade de poder? Ou será que esta peculiaridade talvez provenha da essência da técnica “como mobilização do mundo por meio da figura do trabalhador”? E não conduz, finalmente, a essência da técnica assim determinada a âmbitos ainda mais originários?

Com demasiada facilidade se poderia apontar para o fato de que, em sua explanação sobre a relação entre o caráter total de trabalho e a figura do trabalhador, existe um círculo que encerra o determinante (o trabalho) e o determinado (o trabalhador) em uma relação recíproca. Em lugar de usar esta indicação como atestado de um pensamento ilógico, tomo eu o círculo como sinal para o fato de que aqui se deve pensar a circularidade de um todo, evidentemente, em um pensamento para o qual não pode servir de medida uma “lógica” que se conduz pelos padrões da não-contradiçâo.

As questões há pouco suscitadas tornam-se ainda mais problemáticas se as concebo como quisera tê-las apresentado, há pouco tempo, em adiantamento à minha conferência de Munique (A pergunta sobre a técnica). Se a técnica é a mobilização do mundo por meio da figura do trabalhador, então a mobilização acontece pela presença marcante desta (411) vontade de poder peculiarmente humana. Na presença e na representação manifesta-se o traço fundamental daquilo que se desvelou ao pensamento ocidental como ser. “Ser” significa, desde os primórdios da grecidade até os últimos tempos do século XX: presentar. Qualquer espécie de presença (Praesenz) e presentação brota do acontecimento da presentidade (Anwesenheit). Enquanto a realidade do real, porém, a “vontade de poder” é um modo de aparecer do “ser” do ente. O “trabalho”, a partir do qual a figura do trabalhador recebe, por sua vez, seu sentido, se identifica com “ser”. Aqui resta considerar se e em que medida a essência do “ser” é em si a relação com o ser humano (cf. Que significa pensar?, p. 73s). Nessa relação deveria fundar-se, então, a relação entre o “trabalho”, entendido metafisicamente, e o “trabalhador”. Parece-me que as seguintes perguntas se impõem necessariamente:

É-nos permitido pensar, ainda mais originariamente, em sua emergência essencial, a figura do trabalhador como figura, a ἰδέα de Platão com εἶδος? Em caso negativo, quais as razões que impedem um tal pensamento e, em vez disto, exigem que simplesmente se tomem figura ἰδέα como algo último para nós e como primeiro em si? Em caso afirmativo, em que caminhos se pode mover a pergunta acerca da origem essencial da ἰδέα e da figura? Para dizê-lo em uma fórmula, a essência da figura brota da esfera originária daquilo que eu designo com-posição? De acordo com isto, a origem essencial da ἰδέα também não pertence à mesma esfera da qual provém a essência da figura com ela aparentada? Ou será que a com-posição é apenas uma função da figura de uma humanidade? Se este fosse o caso, então a essência do ser e, em última instância, o ser do ente permaneceríam um produto da representação humana. A época em que o pensamento europeu pensava algo assim ainda estende sobre nós as suas últimas sombras. [GA9GS:409-411]

Cortés & Leyte

Original

  1. N. de los 77: «Ereignis».[↩]
  2. N. de bs 77; traducimos «Ge-stell», término de debatida traducción en Heidegger. Su sentido habitual es ‘armazón’, pero con el guión se remarca la raíz del verbo «stellen», ‘poner, colocar’. Como, por otro lado, el prefijo «ge» se usa para los colectivos («Gebirge», «Gebrüder»), nuestra propuesta es ‘composición.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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