GA9:325-326 – homem é ek-sistência

Giachini & Stein

O que é o homem, isto é, aquilo que na linguagem tradicional da metafísica é denominado a “essência” do homem, reside em sua ek-sistência. Mas o que assim se pensa como ek-sistência não se identifica com o conceito tradicional de existentia, isto é, realidade efetiva, em distinção ante a essentia como a possibilidade. Em Ser e tempo sublinha-se a seguinte frase: “A ‘essência’ do ser-aí reside em sua (338) existência”. Aqui, porém, não está em questão a contraposição entre existentia e essentia, porque estas duas definições metafísicas do ser ainda não foram colocadas em questão, e muito menos a relação entre elas. E muito menos contém a frase uma afirmação geral sobre o ser-aí, na medida em que este termo, surgido no século XVIII para representar a palavra “objeto”, deve expressar o conceito metafísico da realidade efetiva daquilo que é efetivamente real. Ao contrário, a frase diz o seguinte: o homem se essencia de tal modo que ele é seu “aí”, isto é, ele é a clareira do ser. Esse “ser” do aí, e só ele, tem os traços fundamentais da ek-sistência, ou seja, do estar postado ek-stático no cerne da verdade do ser. A essência ek-stática do homem reside na ek-sistência, que permanece distinta da existentia pensada pela metafísica. A filosofia medieval concebe essa existentia como actualitas. Kant representa a existentia como a realidade efetiva, no sentido da objetividade da experiência. Hegel determina a existentia como a ideia da subjetividade absoluta, ciente de si mesma. Nietzsche concebe a existentia como o eterno retomo do mesmo. É preciso, porém, que fique aqui em aberto enquanto questão saber se as interpretações que concebem a existentia como realidade efetiva, distintas apenas segundo a aparência mais imediata, já pensaram suficientemente, por meio desse conceito de existentia, o ser da pedra ou até mesmo a vida enquanto o ser dos vegetais e dos animais. Em todo caso, os seres vivos são como são, sem precisar se postar a partir de seu ser como tal na verdade do ser e sem precisar conservar o elemento essenciante de seu ser nesse postar-se. Dentre todos os entes que são, o ser-vivo é provavelmente o mais difícil de ser pensado por nós, porque ele é por um lado o que mais se parece conosco, e, por outro lado, está abissalmente separado de nossa essência ek-sistente. Em contrapartida, poderia parecer que a essência do divino nos seria mais próxima do que esse aspecto estranho de seres-vivos, mais próxima no sentido de uma distância essencial que, enquanto distância, é de certo modo mais familiar à nossa essência ek-sistente do que esse parentesco físico, abissal com o animal, quase impensável. Essas reflexões projetam uma estranha luz (339) sobre a caracterização do homem como animal racional; em geral, essa caracterização é habitual e, por isto, sempre muito apressada. E visto que os vegetais e os animais sempre se encontram ligados ao seu meio ambiente e jamais se encontram postados livremente na clareira do ser, a única que constitui “mundo”, eles não têm linguagem. Mas não é porque a linguagem lhes permanece negada que eles dependem de seu meio ambiente, desprovidos de mundo. Nessa palavra “meio ambiente”, porém, congrega-se tudo o que há de enigmático no ser-vivo. Em sua essência, a linguagem não é a manifestação de um organismo, tampouco a expressão de um ser vivo. Por isto, jamais pode ser pensada de modo essencialmente correto a partir do caráter de sinal, e quem sabe nem sequer a partir de seu caráter de significação. A linguagem é o advento do ser, que ilumina e oculta. (p. 338-339)

McNeill

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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