GA9:196-198 – Irre – errância

Giachini & Stein

Insistente, o homem está voltado para o que é sempre o mais corrente em meio ao ente. Ele, porém, só pode insistir na medida em que já é ek-sistente, isto é, uma vez que ele, contudo, toma como medida diretora o ente enquanto tal. Enquanto toma medida, porém, a humanidade está desviada do mistério. Este insistente dirigir-se ao que é corrente e o ek-sistente afastar-se do mistério se compertencem. São uma e mesma coisa. Esta maneira de se voltar e se afastar resulta, no fundo, da agitação inquieta que é característica do ser-aí. Este vaivém do homem, no qual ele se afasta do mistério e se dirige para a realidade corrente, sai de um objeto da vida cotidiana para outro, desviando-se do mistério: ele é o errar.

O homem erra. O homem não cai na errância em um momento dado. Ele nunca se move senão dentro da errância, porque in-siste de maneira ek-sistente e já se encontra sempre, desta maneira, na errância. A errância, através da qual o homem se movimenta, não é algo semelhante a um fosso ao longo do qual o homem caminha e no qual cai de vez em quando. Pelo contrário, a errância pertence à constituição íntima do ser-aí, à qual o homem histórico está abandonado. A errância é o espaço de jogo deste vaivém, no qual a ek-sistência in-sistente se movimenta constantemente, se esquece e se engana sempre novamente. O encobrimento do ente na (209) totalidade, ele mesmo velado, impera no desvelamento do respectivo ente que, como esquecimento do encobrimento, se transforma em errância.

A errância é a antiessência fundamental que se opõe à essência inicial da verdade. A errância se revela como o espaço aberto para tudo o que se opõe à verdade essencial. A errância é o cenário e o fundamento do erro. O erro não é uma falta ocasional, mas o império (o domínio) da história, na qual se entrelaçam, confundidas, todas as modalidades do errar.

Todo comportamento possui sua maneira de errar, correspondente à abertura que mantém e à sua relação com o ente na totalidade. O erro se estende desde o mais comum engano, inadvertência, erro de cálculo até o desgarramento e o perder-se de nossas atitudes e nossas decisões essenciais. Aquilo que o hábito e as doutrinas filosóficas chamam erro, isto é, a não-conformidade do juízo e a falsidade do conhecimento, é apenas um modo e ainda o mais superficial de errar. A errância, na qual a humanidade histórica deve se movimentar para que se possa dizer que sua marcha é errante, é um componente essencial da abertura do ser-aí. A errância domina o homem enquanto o leva a se desgarrar. Feio desgarramento, porém, a errância também contribui para fazer nascer esta possibilidade que o homem pode tirar da ek-sistência e que consiste em não se deixar levar pelo desgarramento. O homem não sucumbe no desgarramento, se ele mesmo é capaz de provar a errância enquanto tal e de não desconhecer o mistério do ser-aí.

Pelo fato de a ek-sistência in-sistente do homem marchar na errância e pelo fato de essa errância enquanto desgarramento sempre ameaçar o homem de alguma maneira, a ek-sistência está plena de mistério e de um mistério esquecido. Eis por que o homem está submisso, na ek-sistência de seu ser-aí, ao mesmo tempo ao reino do mistério e à ameaça que irrompe da errância. Tanto o mistério como a ameaça de desgarramento mantêm o homem na indigência do constrangimento. A plena essência da verdade, incluindo sua própria não-essência, mantém o ser-aí na indigência pela constante (210) oscilação do vaivém entre o mistério e a ameaça de desgarramento. O ser-aí é o voltar-se para a indigência. Somente do ser-aí do homem brota o desvelamento da necessidade e, por ela, a existência humana pode ser levada para a esfera do inelutável.

O desvelamento do ente enquanto tal é, ao mesmo tempo e em si mesmo, o encobrimento do ente em sua totalidade. É nesta simultaneidade do desvelamento e do encobrimento, que impera a errância. O encobrimento do que está velado e a errância pertencem à essência inicial da verdade. A liberdade, compreendida a partir da ek-sistência in-sistente do ser-aí, só é a essência da verdade (no sentido da conformidade da re-presentação) pelo fato de a própria liberdade irromper da essência inicial da verdade, do reino do mistério na errância. O deixar-ser do ente se realiza no comportamento aberto. Todavia, o deixar-ser do ente como tal na totalidade nunca acontece autenticamente senão quando é assumido de tempos em tempos em sua essência inicial. Neste caso, a de-cisão enérgica pelo mistério se põe a caminho da errância enquanto tal. Neste momento, a questão acerca da essência da verdade é posta mais originariamente. Então se revela afinal o fundamento da imbricação da essência da verdade com a verdade da essência. A perspectiva sobre o mistério, que se descerra a partir da errância, põe o problema da questão que unicamente importa: o que é o ente enquanto tal na totalidade? Uma tal interrogação pensa o problema essencialmente desconcertante e, por isto, não dominado ainda em sua ambivalência: a questão acerca do ser do ente. O pensamento do ser, um pensamento do qual emana originariamente tal interrogação, se concebe, desde Platão, como “filosofia” e recebeu mais tarde o nome de “metafísica”. (p. 208-210)

Cortés & Leyte

Waelhens & Biemel

McNeill

Original

  1. N. de los T.: traducimos «Wende», que entra en juego con «Zu-wenden» (entregarse a) y «Weg-wenden» (apartarse de). Más abajo, también «wendig».[↩]
  2. N. de los T.: «Der Mensch irrt». El verbo «irren», ‘errar’, encierra como el castellano los dos sentidos de ‘vagar’ y de ‘equivocarse’, ‘extraviarse’.[↩]
  3. Nous traduisons beirren par égarer, nous avons donc : die Irre — l’errance; das Irren — l’errer; der Irrtum — l’erreur; die Beirrung — l’égarement.[↩]
  4. Le texte allemand porte : die Not der Nötigung.[↩]
  5. Le terme allemand Notwendigkeit, ici employé, est compris par Heidegger dans son acception étymologique, c’est-à-dire comme union des idées de Not (détresse) et de Wende (que nous avons traduit par oscillation). Il définit donc la nécessité comme une manière de se débattre dans la contrainte. Nous n’avons pu rendre ces diverses nuances que très approximativement dans le texte français.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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