GA9:189-191 – a liberdade possui o homem

Ernildo Stein

No ser-aí se conserva para o homem o fundamento essencial, longamente não fundado, que lhe permite ek-sistir. “Existência” não significa aqui existentia no sentido do acontecer da pura “subsistência” de um ente não humano. “Existência”, porém, também não significa o esforço existencial, por exemplo, moral, do homem preocupado com sua identidade, baseada na constituição psicofísica. A ek-sistência enraizada na verdade como liberdade é a ex-posição ao caráter desvelado do ente como tal. Ainda incompreendida e nem mesmo carecendo de fundamentação essencial, a ek-sistência do homem historial começa naquele momento em que o primeiro pensador é tocado pelo desvelamento do ente e se pergunta o que é o ente. Nesta pergunta o ente é pela primeira vez experimentado em seu desvelamento. O ente em sua totalidade se revela como physis, “natureza”, que aqui não aponta um domínio específico do ente, mas o ente enquanto tal em sua totalidade, percebido sob a forma de uma presença que eclode. Somente onde o próprio ente é expressamente elevado e mantido em seu desvelamento, somente lá onde tal sustentação é compreendida à luz de uma pergunta pelo ente enquanto tal, começa a história. O desvelamento inicial do ente em sua totalidade, a interrogação pelo ente enquanto tal e o começo da história ocidental são uma e mesma coisa; eles se efetuam ao mesmo “tempo”, mas este tempo, em si mesmo não mensurável, abre a possibilidade de toda medida.

Se, entretanto, o ser-aí ek-sistente, como deixar-ser do ente, libera o homem para a sua “liberdade”, quer oferecendo à sua escolha alguma coisa possível (ente), quer impondo-lhe alguma coisa necessária (ente), não é então o arbítrio humano que dispõe da liberdade. O homem não possui a liberdade como uma propriedade, mas antes, pelo contrário: a liberdade, o ser-aí, ek-sistente e desvelados, possui o homem, e isto tão originariamente que somente ela permite a uma humanidade inaugurar a relação com o ente em sua totalidade e enquanto tal, sobre o qual se funda e esboça toda a história. Somente o homem ek-sistente é historial. A “natureza” não tem história.

A liberdade assim compreendida, como deixar-ser do ente, realiza e efetua a essência da verdade sob a forma do desvelamento do ente. A “verdade” não é uma característica de uma proposição conforme, enunciada por um “sujeito” relativamente a um “objeto” e que então “vale” não se sabe em que âmbito; a verdade é o desvelamento do ente graças ao qual se realiza uma abertura. Em seu âmbito se desenvolve, ex-pondo-se, todo o comportamento, toda tomada de posição do homem. É por isso que o homem é ao modo da ek-sistência.

Pelo fato de todo comportamento humano sempre estar aberto a seu modo e se pôr em harmonia com aquilo a que se refere, o comportamento fundamental do deixar-ser, quer dizer, a liberdade, lhe comunicou como dom a diretiva intrínseca de conformar sua apresentação ao ente. O homem ek-siste significa agora: a história das possibilidades essenciais da humanidade historial se encontra protegida e conservada para ela no desvelamento do ente em sua totalidade. Conforme a maneira do desdobramento originário da essência da verdade, irrompem as raras, simples e capitais decisões da história.

Porque a verdade é liberdade em sua essência, o homem historial pode também, deixando que o ente seja, não deixa-lo-ser naquilo que ele é e assim como é. O ente, então é encoberto e dissimulado. A aparência passa assim a dominar. Sob seu domínio surge a não-essência da verdade. Pelo fato de a liberdade ek-sistente como essência da verdade não ser uma propriedade do homem, e ainda pelo fato de o homem não ek-sistir a não ser enquanto possuído por esta liberdade e somente assim tornar-se capaz de história, a não-essência não poderia nascer subsidiariamente da simples incapacidade e da negligência do homem. A não-verdade deve, antes pelo contrário, derivar da essência da verdade. É pelo fato de a verdade e não-verdade não serem indiferentes um para o outro em sua essência, mas co-pertencerem, que, no fundo, uma proposição verdadeira pode se encontrar em extrema oposição com a correlativa proposição não-verdadeira. Por isso, a questão da essência da verdade atinge, somente então, o domínio original do que realmente é perguntado, quando a vista prévia da plena essência da verdade permite englobar também a reflexão sobre a não-verdade no desvelamento da essência da verdade. O exame da não-essência da verdade não vem preencher tardiamente uma lacuna, mas ele constitui o passo decisivo na posição adequada da questão da essência da verdade. Mas como devemos nós conceber a não-essência na essência da verdade? Se a essência da verdade não se esgota na conformidade da enunciação, então a não-verdade também não pode ser igualada com a não-conformidade do juízo. (1999, p. 162-163)

Rivera

Waelhens & Biemel

Original

  1. Le terme Vorhandensein qui se trouve dans le texte allemand, désigne ici la modalité d’être d’une chose en opposition avec celle du Dasein.[↩]
  2. Auflage 1945: unzureichend; Wesen der Geschichte aus Geschichte als Ereignis.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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