GA9:110-111 – afinação (Gestimmtsein)

Stein & Giachini

Assim como é inconteste que nós nunca podemos apreender a totalidade do ente em si e absolutamente, é certo, porém, que nos encontramos postados em meio ao ente de algum modo desvelado em sua totalidade. Por fim, há uma diferença essencial entre a apreensão da totalidade do ente em si e o encontrar-se em meio ao ente em sua totalidade. A primeira é fundamentalmente impossível. O segundo, no entanto, acontece constantemente em nosso ser-aí. Parece, sem dúvida, que em nossa rotina cotidiana estamos presos sempre apenas a este ou àquele ente, como se estivéssemos perdidos neste ou naquele domínio do ente. Mas por mais fragmentado que possa parecer o cotidiano, ele sempre retém, mesmo que vagamente, o ente em uma unidade de “totalidade”. Mesmo então e justamente então, quando não estamos propriamente ocupados com as coisas e conosco mesmos, sobrevém-nos este “na totalidade”, por exemplo, no tédio propriamente dito. Este tédio ainda está muito longe de nossa experiência, quando nos entedia exclusivamente este livro ou aquele espetáculo, aquela ocupação ou este ócio. Ele desabrocha se “a gente está entediado”. O tédio profundo, que como névoa silenciosa desliza para cá e para lá, nos abismos do ser-aí, nivela todas as coisas, os homens e a gente mesmo com elas, em uma estranha indiferença. Esse tédio manifesta o ente na totalidade.

Uma outra possibilidade de tal manifestação se revela na alegria pela presença do ser-aí – não da pura pessoa – amado.

Semelhante afinação faz com que a gente se encontre disposto de tal ou tal maneira – perpassados por esta afinação – em meio ao ente na totalidade. A disposição própria à tonalidade afetiva não revela apenas, sempre à sua maneira, o ente em sua totalidade. Ao contrário, este revelar é simultaneamente – longe de ser um simples episódio – o acontecimento fundamental de nosso ser-aí.

O que assim chamamos “sentimentos” não é nem um fenômeno secundário fugidio de nosso comportamento pensante e volitivo, nem um simples impulso causador de tal fenômeno, nem um estado atual com o qual temos de nos haver de uma maneira ou de outra. (121) Contudo, precisamente quando as tonalidades afetivas nos levam, deste modo, para diante do ente na totalidade, elas nos ocultam o nada que buscamos. Muito menos seremos agora da opinião de que a negação do ente na totalidade, manifesta na tonalidade afetiva, nos ponha diante do nada. Tal somente poderia acontecer, com a adequada originariedade, em uma tonalidade afetiva que revele o nada de acordo com o seu próprio sentido revelador.

Cortés & Leyte

Original

  1. N. de los T: traducimos «Gestimmtsein».[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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