Ora, mas se o ente não é aquilo em direção ao que acontece a ultrapassagem, como deve ser então determinado este “em-direção-ao-que” (Woraufhin); mais, como ele deve, em última análise, ser procurado? Nós designamos aquilo em direção do que o ser-aí (Dasein) como tal transcende o mundo (Welt), e determinamos agora a transcendência (Transzendenz) como ser-no-mundo (In-der-Welt-sein). Mundo constitui a estrutura unitária (einheitliche Struktur) da transcendência; enquanto dela faz parte, o conceito de mundo (Weltbegriff) é um conceito transcendental. Com este termo é denominado tudo aquilo que faz parte essencialmente da transcendência e dela recebe de empréstimo sua possibilidade interna. E é somente por causa disto que a clarificação e interpretação da transcendência também pode ser chamada de uma exposição “transcendental”. Com certeza, aquilo que o termo “transcendental” (transzendental) significa não deve ser retirado agora de uma filosofia a que se atribui o (elemento) “transcendental” como “ponto de vista” (Standpunkt) quiçá mesmo “epistemológico”. Isto não exclui a constatação de que precisamente Kant reconheceu o (elemento) “transcendental” como o problema da possibilidade interna (inneren Möglichkeit) de uma ontologia (Ontologie) em geral, apesar de o “transcendental” ainda manter para ele uma significação essencialmente “crítica” (wesentlich »kritische« Bedeutung). O transcendental se refere, para Kant, à “possibilidade” (Möglichkeit) (o possibilitante (Ermöglichende)) daquele conhecimento (Erkenntnis) que não sem razão “sobrevoa” a experiência (Erfahrung), isto é, que não é “transcendente”, mas é a experiência mesma. O transcendental dá, desta maneira, a delimitação essencial (Wesensbegrenzung) (definição (Definition)) que, ainda que restritiva, é, contudo, por meio daí, ao mesmo positiva, do não transcendente, isto é, do conhecimento ôntico possível ao homem enquanto tal. Uma concepção mais radical e universal da essência da transcendência é, então, necessariamente acompanhada por uma elaboração mais originária da ideia da ontologia e, por conseguinte, da metafísica (Metaphysik).
A expressão “ser-no-mundo”, que caracteriza a transcendência, nomeia um “estado de coisas” (Sachverhalt), e, na verdade, um que aparentemente se compreende com facilidade. Contudo, o que com isto é visado depende da condição de o conceito de mundo ser tomado em um sentido pré-filosófico vulgar ou em um sentido transcendental. A análise de uma dupla significação do discurso (Rede) sobre o ser-no-mundo pode esclarecer isto. (GA9:139-140; tr. Ernildo Stein:GA9GS:151-152)