Mas a Aletheia, a desocultação (Entbergung), não acontece apenas nas palavras fundamentais do pensamento grego, acontece na totalidade da língua grega, que fala diferente tão logo deixamos fora de jogo as maneiras de representar, romanas, medievais e modernas, ao interpretá-la, e tão logo deixamos de procurar por personalidades (Persönlichkeiten) e pela consciência (Bewußtsein) no mundo grego.
[411] Mas qual é, então, a situação desta enigmática Aletheia mesma que se tornou um escândalo para os intérpretes do mundo grego, pelo fato de se aterem apenas a esta palavra isolada e sua etimologia, em vez de pensarem a partir da questão para a qual apontam palavras como desvelamento e velamento (Unverborgenheit und Entbergung)? É a Aletheia enquanto desvelamento o mesmo que ser, isto é, pre-sentar (Anwesende)?Isto vem confirmado pelo fato de ainda Aristóteles entender com tà onta, o ente, aquilo que se presenta, o mesmo que com tà alethea, aquilo que está desvelado. No entanto, de que maneira desvelamento e presença, aletheia e ousia, estão ligados entre si? São ambos da mesma classe de ser? Ou só depende a presença do desvelamento e não vice-versa, este daquela? Então o ser tinha, na verdade, algo a ver com a desocultação, mas nada a desocultação com o ser? Ainda mais: se a essência da verdade como retitude e certeza (Richtigkeit und Gewißheit) que muito cedo se afirmou só puder subsistir no âmbito do desvelamento, então, sem dúvida, a verdade tem algo a ver com a Aletheia, mas nada esta com a verdade.
Qual o lugar da Aletheia mesma se libertada da perspectiva sobre a verdade e o ser tiver que ser entregue à liberdade que lhe é própria? Possui já o pensamento o horizonte para ao menos conjeturar sobre o que acontece na desocultação e mesmo na ocultação de que necessita qualquer desocultação?
O enigmático da Aletheia se torna mais compreensível, mas ao mesmo tempo o risco de nós a hipostasiarmos num ser fantástico se torna maior.
Observou-se ainda, já várias vezes, que não poderia dar-se um desvelamento em si. que desvelamento sempre é desvelamento “para alguém”. E com isto estaria provada sua “subjetivação” (subjektiviert).
Deve, todavia, ser o homem em que aqui se pensa necessariamente determinado como sujeito? Significa “para o homem” já obrigatoriamente: posto pelo homem? Ambas as coisas podemos negar e nos vemos levados a lembrar que a Aletheia, pensada em sentido grego, sem dúvida alguma, impera para o homem, mas que o homem permanece determinado pelo logos. O homem é aquele que diz (Der Mensch ist der Sagende). Dizer, no alemão arcaico sagan, significa: mostrar, fazer aparecer e ver (zeigen, erscheinen und sehen-lassen). O homem é o ser que pelo dizer faz surgir o presente em sua presença e assim percebe o aí-jaz-presente. O homem apenas sabe falar na medida em que é aquele que diz (Der Mensch ist das Wesen, das sagend das Anwesende in seiner Anwesenheit vorliegen läßt und das Vorliegende vernimmt).
As mais antigas referências a aletheie e alethes, desvelamento e desvelado (Unverborgenheit und unverborgen), encontramos em Homero e, na verdade, no contexto com verbos que significam dizer. Disto se concluiu apressadamente demais: portanto, o desvelamento é “dependente” (abhängig) dos verba dicendi.1 Que significa aqui “dependente” quando dizer é o deixar aparecer (Erscheinerlassen) e, em consequência, tal também é o disfarçar e o encobrir (Verstellen und Verdecken)? Não o desvelamento é “dependente” do dizer (Sagen), mas qualquer dizer já precisa do âmbito do desvelamento (Bereich der Unverborgenheit). Apenas lá onde esta já impera pode algo tornar-se dizível, visível, mostrável, perceptível (sagbar, sichtbar, zeigbar, vernehmbar). Se mantivermos na mira o enigmático imperar (rätselhafte Walten) da Aletheia, do desvelamento, então podemos até suspeitar que mesmo toda a essência da linguagem repousa na des-ocultação, no imperar da Aletheia. Entretanto, mesmo a conversa sobre o imperar permanece ainda um expediente, já que a maneira como acontece o imperar recebe sua determinação da desocultação mesma, isto é, da clareira do autovelar-se (Lichtung des Sichverbergens).