GA89:97-98 – tornar presente e cérebro

Arnhold & Prado

No último seminário, tentamos esclarecer o fenômeno do tornar presente. Tratava-se de perceber este fenômeno como uma simples relação com o mundo – sem considerar as teorias filosóficas, por exemplo, a colocação do homem como sujeito e do mundo como objeto; sem considerar a Fisiologia e a Psicologia, sem considerar a pergunta como um tornar presente seria possível e sem considerar que o fenômeno possa ser condicionado somática e psiquicamente. Mas, na hipótese de que na execução do tornar presente participem processos mentais, processos somáticos no sentido mais amplo, a pergunta qual é a relação destes processos com o fenômeno só pode ser colocada se estiver suficientemente esclarecido para quê estes processos se relacionam; se antes estiver claro, pois, o que é enquanto tal o tornar presente no qual nos encontramos. Na maneira de ver fisio-psicológica predominante, tal fenômeno é presumido como natural e conhecido e ele não apenas continua indeterminado como fenômeno, mas principalmente um fato decisivo deixa de ser considerado, isto é, que a familiaridade com o fenômeno deve ser pressuposta se as explicações físico-psíquicas não tiverem que permanecer no ar. Aqui, de repente, termina a exatidão normalmente exigida pela ciência. A ciência se torna cega para aquilo que ela deve pressupor, cega para aquilo que ela gostaria de explicar à sua maneira, em sua gênese. Mas esta cegueira para o fenômeno não é predominante somente nas ciências, ela predomina também no comportamento não-científico. Por exemplo: estamos caminhando no bosque e no caminho vemos algo que se move; ouvimos até mesmo seu ruído e o percebemos como algo vivo. Olhamos melhor, verificamos que nos enganamos, pois um golpe de vento imperceptível moveu as folhas que estavam no chão. Não era, pois, algo vivo. Entretanto, para que possamos nos enganar na suposição de que seja algo vivo devemos ter visto, antecipadamente, algo como a essência de vivo no conteúdo daquilo a respeito de que nos enganamos. Tudo isto só para deixar claro que não é indiferente se consideramos os fenômenos ou não. Mesmo que a compreensão dos fenômenos do tornar presente e da recordação nada contribua para a explicação e a verificação daquilo que a pesquisa fisiológica pretende, a visão fenomenológica constitui uma, ou até mesmo a contribuição fundamental. Aliás, ela traz aquilo que a pesquisa pretende explicar. Mas o estranho é que esta contribuição não é considerada devidamente, nem em seu conteúdo, nem em sua necessidade. Por uma tolerância incomum da pesquisa exata, geralmente tão exigente, as pessoas contentam-se em todos esses casos com conceitos populares recolhidos aleatoriamente. Entretanto, esta estranha sobriedade da pesquisa científica com respeito à contribuição mais indispensável que lhe deve ser feita não é nenhuma coincidência. Ela é fundamental na história do homem europeu durante os últimos três séculos. Esta sobriedade é consequência da exigência de uma nova ideia de ciência. [GA89AAP:102-103]

Mayr & Askay

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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