GA89:107-109 – mão – olho – ver

Arnhold & Almeida Prado

Citemos mais um fenômeno corporal (Leibphänomen) pelo seguinte exemplo: se eu vejo o batente da janela e pego na “mão” o copo que está na minha frente sobre a mesa, então o batente da janela está no meu olho, assim como o copo está na minha mão? Certamente não. Mas onde está a diferença que verificamos facilmente, porém sem poder determiná-la de imediato? Pois a mão é um órgão do nosso corpo (Leib) tanto quanto o olho. Perguntamos, pois: qual é a diferença entre estes dois órgãos, uma vez que ambos pertencem ao corpo? Pode-se dizer que também a imagem do batente da janela na retina está no meu olho. Mas não posso ver a imagem da retina. A imagem da retina não é o batente da janela, e a pergunta é se este batente da janela que eu vejo – e não se a imagem da retina – está em meu olho, assim como o copo em minha mão. Há, pois, evidentemente uma diferença entre o modo como eu vejo “com” o meu olho e como pego “com” a minha mão. O que o corpo tem a ver com isso? Quando eu pego o copo, eu não apenas pego o copo, também posso ver simultaneamente minha mão e o copo. Mas não posso ver o meu olho e o meu ver e muito menos, pegá-los. No ver e ouvir dirigidos diretamente para o “mundo”, o olho e o ouvido desaparecem de forma estranha. Se uma outra pessoa quiser verificar como, de que forma o olho atua no processo da visão, como ele é formado anatomicamente, então ele tem que ver meu olho, assim como eu vejo o batente da janela.

O olho é chamado de órgão do sentido. E a mão? Dificilmente podemos defini-la como órgão do sentido. Mas faz parte dela o sentido do tato. Entretanto, a mão é diferente de um conjunto móvel de campos móveis do tato – talvez um órgão preênsil? Então, o que é o ver em comparação ao pegar? Por um lado, no ver, o próprio olho não é visto, mas a mão não só é vista ao pegar, como eu até posso pegá-la com a outra mão. Quando pego o copo eu sinto o copo e a minha mão. Esta é a chamada sensação dupla, isto é, o sentir do que é tocado e o sentir de minha mão. Ao ver não sinto o meu olho desta maneira. O olho não toca. Por outro lado, há sensações de pressão no olho se alguém me bate no olho. Mas isto é um fenômeno completamente diferente. Mas não sentimos também o movimento do olho, por exemplo, quando olhamos para o lado? Entretanto, o que é sentido desta forma não pode ser classificado como “sensação dupla”, pois não sinto a janela que eu vejo quando lhe dirijo o olhar. A diferença entre o ver o batente da janela e ver minha mão está, entre outras coisas, em que a mão é minha e o batente da janela é da janela que está ali. Percebe-se a mão, porque é minha mão em sua posição também a partir “de dentro”. Seria, por isto, o corpo algo interno? A que está ligado o fato de que ao pegar eu vejo a mão, e ao ver não vejo o olho?

Ao segurar, a mão está em contato direto com o segurado. Meu olho não está neste contato direto com o que é visto. O que é visto está em meu campo de visão, isto é, está em frente dos meus olhos. Sempre só posso olhar para frente. Mas o copo que peguei também está diante de mim. Entretanto só posso pegar o copo – estando sentado à mesa – se ele estiver restrito ao meu alcance. Pegar só é possível se algo está ao alcance da mão. Por isso chama-se o tato de sentido-perto. Ver, o sentido-longe.

Pode o físico dizer algo sobre o fenômeno do ver? Ele pode estabelecer que ver implica fontes de luz, mas quando se vê o batente da janela nada disto está aí.

O olho, diz-se, é “superior” ao pegar. Pode-se controlar o ato de pegar com o ato de ver, porque o olhar é essencialmente dirigido ao longe assim como o ouvir. Mas num quarto escuro também posso “controlar” o ver pelo pegar. Se o ver alcança mais longe do que o pegar, evidentemente o pegar e o ver estão ligados à relação de espaço. [GA89:110-111]

Xolocotzi Yáñez

Mayr & Askay

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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