GA89 (278-281): Apropriado ao Da-sein

Arnhold & Almeida Prado

Se entendermos “fenomenologia” e “fenomenológico” como títulos para um método da filosofia e reconhecermos como tarefa fundamental da filosofia o projeto do ente como próprio do ser, isto é, como ontologia, então a justaposição dos dois títulos “o caráter fundamental do método de pesquisa científico-natural” (pp. 8-20) e o “caráter fundamental do método fenomenológico” (pp. 249-261) está de antemão distorcida e induz a erro.1 Trata-se, em ambos casos, de um procedimento da medicina como ciência de um ente, ou seja, do homem. O método de pesquisa “inteiramente diferente” da pesquisa científico-natural não é filosófico, on-tológico; ele se refere ao ente humano em seus estados que são assim e assim de maneira idêntica à científico-natural (ver p. 250: “a extraordinária multiplicidade dos modos de relacionamento…”). O título “fenomenológico” é então usado em sentido ôntico, assim como o título “fenômeno”, isto é, “o ente que se mostra, respectivamente, assim e assim”, isto é que na medicina é examinado e tratado. Mas a pergunta decisiva é: à luz de qual ser este ente (o homem) é experienciado? O título da p. 249 fala de uma “Antropologia conforme o Dasein”.

A medicina seria então uma Antropologia ou baseia-se necessariamente numa Antropologia? Se for este o caso, o que significa então “conforme o Dasein”? Depois disto, a expressão só pode significar: a medicina como ciência ôntica do homem, que é assim ou assim, experiencia este ente assim e assim à luz de um ser-homem, cujo caráter fundamental é determinado ontologicamente como Da-sein.

Mas com isto o termo “conforme o Dasein” ainda não está suficientemente esclarecido. “Conforme o Dasein” pode significar: todas as afirmações sobre o ser-homem como tal devem dizer respeito ao caráter do Dasein no sentido “dos traços fundamentais do Dasein não perturbado” (pp. 269 e ss.). Estes traços fundamentais caracterizam o ser-homem como Dasein, como ser; são, pois, afirmações ontológicas. Mas “conforme o Dasein” também pode significar: o que é neste sentido de ser (Da-sein), ente assim e assim, o homem sadio e doente é experienciado, observado e tratado, em cada caso isolado, à luz do projeto do ser-homem como Da-sein. Deixar ficar este ente – assim-e-assim-como-Dasein em seu ser-assim só é possível desistindo-se do projeto do ente (no caso do homem) como ser-vivo dotado de razão, como sujeito na relação sujeito-objeto, como ser vivo auto-producente (Marx) e se, antes de tudo, o projeto do ser-homem como Da-sein for realizado e mantido constantemente – apenas à luz deste projeto o ente (homem) pode ser examinado conforme o Dasein.

Exige-se do pesquisador justamente isto, o mais difícil, a passagem do projeto do homem como ente vivo dotado de razão para ser-homem como Dasein. Assim, é absolutamente equivocado que o caminho para o tema do médico pesquisador possa ser “extremamente simples” (p. 250). O deixar-ser do ente (homem) à luz do Da-sein é extremamente difícil e insólito, não somente para o cientista de hoje, mas também para aquele que está familiarizado com o projeto do Da-sein, devendo ser constantemente examinado de novo. O “deixar” (Lassen), isto é, aceitar (Zulassen) o ente, assim como ele se mostra, só se tornará um deixar-ser apropriado se este ser, o Da-sein, ficar antes e constantemente à vista; isto é, quando o próprio pesquisador tiver experienciado e experienciar-se a si mesmo como Da-sein, como ek-sistente e determinar-se toda a realidade humana a partir daí. O eliminar e afastar representações inadequadas sobre este ente, o homem, só é possível se o treino da experiência de ser homem como Da-sein tiver tido êxito e iluminar toda a pesquisa do ser humano sadio e doente.

O deixar-ser imediato do ente só é possível se, e na medida em que, antes e sempre for mediado, isto é, possibilitado e permitido pela com-e-para-execução simultânea do projeto do ser-homem no sentido do Da-sein. Mas o quanto isto é difícil está sendo provado há décadas pela interpretação equivocada do ser-no-mundo como uma ocorrência do ente humano no meio do ente restante em sua totalidade, do “mundo”.

As manifestações que aparecem no deixar-ser citado são aquelas do ente humano que é assim e assim, mas não são “fenômenos” no sentido da fenomenologia como ontologia. Estes “fenômenos” (comparar com traços fundamentais) dão a luz que permite ter a visão apropriada do ente humano como Da-sein e então, a partir desta visão, descrever as manifestações correspondentes. O próprio método de pesquisa “conforme o Dasein” não é fenomenológico, mas, sim, depende e é regido pela fenomenologia no sentido da hermenêutica do Da-sein.

O aplicar-se ao deixar-ser do ente humano no sentido do Dasein já pressupõe a aceitação do ser desprotegido no projeto ontológico-fenome-nológico como Dasein.

Os (próprios) fenômenos ontológicos não devem ser “vistos” imediatamente da mesma maneira como as manifestações ônticas. Também estas – cor, peso, etc. – são predeterminadas ontologicamente como “propriedades”. A cor é uma propriedade. Entretanto, ela não é colorida nem pesada, nem espessa nem comprida; não é uma determinação ôntica, mas sim ontológica.

Deixar-ser o ente em seu respectivo ser-assim-e-assim é fundamentalmente diferente de deixar-ser, isto é, permitir o ser como tal, deixá-lo mostrar-se em uma mirada, para deixar mostrar o respectivo ente não temático como o seu ser aguardado pelo que é visto própria e ontologica-mente.

O ser-o-que da mesa é uma determinação ontológica no mesmo sentido como seu estar simplesmente presente. É claro que a relação entre ambos e sua origem não foram esclarecidas há dois milênios e meio, pois nem foram pesquisadas suficientemente. (2001, p. 234-237)

Mayr & Askay

Original

  1. Os títulos e os números das páginas referem-se ao livro-fundamento de Medard Boss em produção (ver nota 11, p. 231).[↩]
  2. The headings and page numbers refer to Medard Boss’s Foundation book,
    which was just in the process of being written (see n. 1, ZS 273).[↩]
  3. See Heidegger, Being and Time, p. 62. — translators[↩]
  4. Concerning the traditional metaphysical distinction between essence (being-what) and existence (being present-at-hand), see Heidegger, Being and Time, pp. 67-68. See also Heidegger, Basic Problems of Phenomenology, pp. 77 ff., 99 ff., and Contributions to Philosophy, pp. 191-92.-TRANSLATORS[↩]
  5. Die Überschriften und die Seitenzahlen beziehen sich auf das im Entstehen begriffene Grundriß-Buch von Medard Boss (vgl. Anm. 1, S. 275).[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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