GA89 (150-152): Sentido do ser

Arnhold & Almeida Prado

Em Ser e tempo é dito que o Dasein ocupa-se essencialmente desse seu próprio Dasein. Ao mesmo tempo este próprio Dasein é determinado como um ser-uns-com-os-outros original. Por isso o Dasein ocupa-se sempre também dos outros. A Analítica do Dasein não tem, pois. absolutamente nada a ver com um solipsismo ou subjetivismo. (…) Já o projeto abrangente do ser-homem como Dasein no sentido ek-stático é ontológico, pelo qual a representação do ser-homem como “subjetividade da consciência” é superada. Este projeto torna visível a compreensão do ser como constituição fundamental do Dasein. A visão disto é necessária para poder discutir a questão da relação do homem como existente com o ser do ente (dos entes que não têm o caráter do Dasein e do próprio ente Dasein). Mas a pergunta citada surge do questionamento pelo sentido do ser em geral.

(…)

Mas a Filosofia pergunta, e o faz há muito tempo, pela questão do ser. Já em Parmênides encontramos a sentença: “Pois existe o ser”. Também Aristóteles em sua Metafísica coloca a questão do ser. Entretanto, este título hoje tão usado “a questão do ser” oculta uma ambiguidade.

Em que sentido Aristóteles pergunta sobre o ser? Pergunta-se sempre somente pelo ente com referência ao seu ser. Quando eu questiono o ente assim como ente, eu o vejo não em relação ao fato de ele estar simplesmente presente, por exemplo, como uma cadeira, uma mesa ou uma árvore, mas sim como ente: vejo-o, pois em relação a seu ser. Esta é a questão fundamental de toda a Metafísica. Mas há, então, na Filosofia a questão do ser? Para que, então, a questão em Ser e tempo?

Quando pergunto pelo ser das coisas como objetos, pergunto pela objetidade. Para os gregos não há objetos. Eles só aparecem a partir de Descartes. Os gregos designam o ente como o que está presente (das Anwesende), como aquilo que eu já encontro sempre. Os gregos têm a palavra ousia para esta espécie de ser do ente. É o substantivo que pertence ao particípio on. Traduz-se geralmente ousia por substância. Mas ousia em grego não é nenhum conceito filosófico, significa simplesmente: uma quinta, uma fazenda (das Anwesen) ou propriedade (das Anwesen), exatamente no sentido em que ainda hoje chamamos em alemão uma propriedade rural (Bauernhof) de Anwesen. Toda a mudança de sentido escolástica de ousia para substância não tem nada mais a ver com o pensamento grego, o que entretanto, não significa que a Escolástica não possua seu próprio direito.

Para os gregos o que está presente é o que está aí (das Vorliegende). Estar deitado (liegen) significa em grego keimai, O que está aí (das Vorliegende) significa por isso hipokeimenon. Depois os romanos traduziram este hipokeimenon literalmente por subiectum, mas este subiectum nada tem a ver com o sujeito no sentido de “eu”. Ainda na Idade Média o termo subiectum é usado para tudo o que esta aí. Um obiectum entretanto, na Idade Média, é um jogado para (Entgegengeworfenes) mas, para quem? Para minha representação, minha repraesentatio. No sentido medieval objeto é o simplesmente representado, por exemplo, uma imaginada montanha dourada, que nem precisa existir de fato; e este livro, que está efetivamente aí na minha frente deveria, em sentido medieval, ser chamado de subiectum. Naturalmente, no fim da Idade Média, fica tudo de cabeça para baixo. Hoje entende-se, normalmente, o eu como sujeito, enquanto o termo objeto é reservado para a designação das coisas ou dos objetos que não tem a ver com o eu. O objetivo no sentido medieval, isto é, o que é jogado para mim somente na minha representação e apenas por ela, é, ao contrário, o ”subjetivo”, só o representado e não-real de acordo com o uso moderno da língua.

Trata-se aqui só de uma mudança do uso da linguagem? Não. Trata-se de algo inteiramente diferente. Nada menos do que uma mudança radical da posição do homem diante do ente.

O fato de essa mudança da compreensão do ser ter acontecido é premissa para que hoje existamos num mundo cientificamente técnico. Nietzsche disse: “Pensamentos que chegam em pés de pombo conduzem o mundo”.1 Para aquilo que Nietzsche fala aqui, o homem moderno perdeu o ouvido. Só se ouve ainda o que faz barulho, assim como só se julga como ente o que faz efeito e tem utilidade. (p. 142-144)

Mayr & Askay

Original

  1. F. Nietzsche, Also sprach Zaratustra (Assim falava Zaratustra), In: Nietzsche’s Werke, Bd. VI. Leipzig 1923, p. 217.[↩]
  2. See Aristotle, Metaphysics VII.l.l028b4.-translators[↩]
  3. See Heidegger, Basic Problems of Phenomenology, pp. 77-121, concerning the importance Heidegger attributed to the understanding of medieval ontology (Thomas Aquinas, Duns Scotus, and Suarez) within Western metaphysics; also see Heidegger, The Fundamental Concepts of Metaphysics, pp. 37-57. — translators[↩]
  4. F. Nietzsche, Also sprach Zarathustra, vol. 6 of Nietzsche Werke (Leipzig: C. G. Naumann, 1923), no. 2, p. 217 [Complete Works: The First Complete and Authorized Translation, ed. O. Levy (New York: Russell and Russell, 1964)].[↩]
  5. F. Nietzsche, Also sprach Zarathustra. In: Nietzsche’s Werte, Bd. VI. Leipzig 1923, S. 217.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

Designed with WordPress