GA7:42-45 – O real

Carneiro Leão

Para esclarecer o que significa o termo “o real” (das Wirkliche), na frase “a ciência é a teoria do real”, vamos nos ater à palavra. O real preenche e cumpre o setor da operação (Bereich des Wirkenden), daquilo que opera. O que significa “operar” (wirken)? (…)

“Operar”, wirken, significa “fazer”, tun. O que significa tun? A palavra provém da raiz indo-europeia dhe, de onde vem igualmente o grego thesis, posição, posicionamento, localização. Mas não se entende este fazer apenas, como atividade humana, e, tampouco, no sentido de ação e agir. Também o crescimento, vigência da natureza (physis), é um fazer, no sentido acima mencionado de thesis. Somente depois, é que physis e thesis vieram a opor-se uma à outra. Uma oposição que só tornou-se possível porque alguma coisa de idêntico as unia e determinava. physis é thesis, a saber, a pro-posição de algo por si mesmo, no sentido de pôr em frente, de trazer à luz, de a-duzir e pro-duzir, de levá-lo à vigência. É, neste sentido, fazer que equivale a operar, que diz viger numa vigência. Assim o real é o vigente. Entendido assim como trazer e levar à vigência, o verbo “operar”, “wirken”, invoca um modo de o real se realizar, de o vigente viger e estar em vigor. Operar é, pois, trazer e levar à vigência, seja que, por si mesmo, algo traga e leve a si mesmo para a sua própria vigência, seja que o homem exerça este trazer e levar. Na linguagem medieval, o verbo “wirken”, “operar” significava ainda a produção de casas, de utensílios, de imagens e quadros; posteriormente, este significado se restringiu à pro-dução, no sentido de costurar, tricotar, fiar.

O real é tanto o operante como o operado, no sentido daquilo que leva ou é levado à vigência. Pensando-se de maneira bem ampla, “realidade” (Wirklichkeit) significa, então, estar todo em sua vigência, significa a vigência em si mesma acabada do que se pro-duz e se leva ao vigor de si mesmo. “Operar”, “wirken”, pertence à raiz indo-europeia uerg de onde provém a palavra “obra”, “Werk”, e o grego ergon. Mas nunca será demais repetir: o traço fundamental de “operar”, “wirken”, e de “obra”, “Werk”, não reside no efficere e no effectus mas em algo vir a des-encobrir-se e manter-se desencoberto. (…)

Nossa palavra “realidade” (Wirklichkeit) só traduz adequadamente a palavra fundamental de Aristóteles para a vigência (Anwesen) do vigente (energeia) se pensarmos “real” e “realizar” de modo grego, no sentido de trazer para (her) o desencoberto (Unverborgene), de levar para (vor) a vigência (Anwesen bringen). (…)

No sentido de fato e fatual, o “real” (Wirkliche) se opõe ao que não consegue consolidar-se numa posição de certeza e não passa de mera aparência ou se reduz a algo apenas mental. Mas, mesmo nestas mudanças de significado, o real sempre conserva o traço mais originário de vigente (Grundzug des Anwesenden), daquilo que se apresenta por si mesmo, embora se ofereça agora com menos ou com outra intensidade.

É que, agora, o real se propõe em efeitos e resultados. O efeito faz com que o vigente (Anwesende) tenha alcançado uma estabilidade e assim venha ao encontro e de encontro. O real se mostra, então, como ob-jeto (Gegen-stand). [GA7CFS:42-44]

André Préau

Original

  1. NT: Erfüllt, aux deux sens d’emplir et de réaliser.[↩]
  2. NT: das Anwesende, avec mise en évidence de an-, qui évoque la proximité et l’incitation.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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