GA6T2:450-451 – a representação

Casanova

Tudo aquilo que perdura por si mesmo e que, portanto, se encontra presente é hypokeimenon. Subiectum são as estrelas e as plantas, um animal, os homens e os deuses. Quando se requisita no começo da metafísica moderna um fundamentum absolutum et inconcussum que seja suficiente enquanto verdadeiramente ente para a essência da verdade no sentido da certitudo cognitionis humanae, então se pergunta por um subiectum que já se encontre a cada vez presente em toda re-presentação e para toda re-presentação e que seja o contínuo e permanente na esfera da re-presentação indubitável. A representação (percipere, co-agitare, cogitare, repraesentare in uno) é um traço fundamental de todos os comportamentos do homem, mesmo daqueles comportamentos que não possuem o modo de ser do conhecimento. Todos os comportamentos são, vistos a partir daí, cogitationes. Aquilo, porém, que já se encontra presente durante a representação que sempre apresenta algo para si é o próprio representador (ego cogitans). É para diante dele que todo representado é trazido, e é em direção a ele e em retorno a ele (re-praesentare) que todo representado se torna presente. Enquanto dura a representação, mesmo o ego cogito re-presentador é a cada vez aquilo que já se encontra presente na representação e para ela. Com isso, na esfera da construção essencial da representação (perceptio), é próprio ao ego cogito cogitatum a distinção daquilo que constantemente já se encontra presente, do subiectum. Essa continuidade é a constância daquilo sobre o que não há jamais nenhuma dúvida em representação alguma, mesmo que essa representação seja do tipo da dúvida.

O ego, a res cogitans, é o subiectum insigne, cujo esse, isto é, a presença, satisfaz à essência da verdade no sentido da certeza. Esse esse delimita uma nova essência da existentia, que Descartes define como uma veritas aeterna (axioma) no § 49 de seus Principia philosophiae da seguinte forma: is qui cogitat, non potest non existere, dum cogitat. “Aquele que se comporta representativamente em relação a algo não pode deixar de produzir continuamente um efeito enquanto representa.”

A realidade efetiva enquanto continuidade é delimitada pela constância (a duração da re-presentação). No entanto, ela também é ao mesmo tempo a conquista árdua de um ens actu por parte do representador. A atuação da nova essência da realidade efetiva desse ente efetivamente real insigne possui o caráter fundamental da re-presentação. De maneira correspondente, a realidade efetiva daquilo que é representado e justaposto em toda representação é caracterizada pela representidade.

Com isso, começa o desdobramento de um traço na essência da realidade efetiva que é mais tarde concebido pela primeira vez por Kant em toda a sua clareza como o caráter contraposto das coisas contrapostas (a objetividade do objeto)1. A representação produz a apresentação do encontrar-se contraposto do objeto.2 Realidade efetiva enquanto representidade nunca tem em vista – enquanto é pensada metafisicamente e não, de maneira disconforme com o ser, psicologicamente – que o efetivamente real seria um produto anímico-espiritual, um produto que só está presente como constructo psíquico. Em contrapartida, logo que o traço fundamental da representação e da representidade se torna predominante na essência da realidade efetiva, a continuidade e a constância daquilo que é efetivamente real são limitadas à esfera da presentificação na presença da re-praesentatio. O caráter de presentidade vigente na essência metafísica do ser, um caráter que não foi totalmente alijado, mas apenas modificado na conversão da energeia em actualitas (vide a omnipraesentia do actus purus), vem à tona agora como a presença no interior da re-presentação (da repraesentatio). [GA6PT:769-770]

Stambaugh

Klossowski

Original

  1. Na passagem acima, Heidegger utiliza a princípio o termo de origem germânica para objeto (Gegenstand), e, em seguida, o termo de origem latina (Objekt). A fim de não reproduzir duas vezes a mesma expressão “objetividade do objeto”, optamos por traduzir o termo de origem germânica em seu conteúdo etimológico. (N.T.)[↩]
  2. Heidegger joga nessa passagem com a etimologia da palavra objeto em alemão. Gegenstand (objeto) significa literalmente o “estado” (Stand) “contraposto” (Gegen). (N.T.)[↩]
  3. “He who thinks must exist while he thinks.”[↩]
  4. Sic Heidegger. Il ressort clairement du contexte pourquoi Heidegger traduit existere par exercer un effet. (N.d.T.)[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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