GA6T2:428-432 – de hypokeimenon a subiectum

Casanova

Até o começo da modernidade e ainda por seu espaço adentro, o efetivamente real é o ens actu, o atuante a cada vez efetivado em sua constância relativa. No começo da metafísica, em contrapartida, o ser não se essencializou como a actualitas (realidade efetiva), mas como o caráter de obra (energeia), para o qual basta a curta duração do ente respectivo. O respectivo encontra-se por si diante de nós, ele é o hypokeimenon propriamente dito. Tudo aquilo que apareceu junto com o já presente é denominado por Aristóteles symbebekota; um nome no qual ainda podemos ouvir o caráter do presentar-se e, com isso, a essência grega do ser (ousia). No entanto, como os symbebekota nunca estão senão co-presentes, como eles apenas se acrescentam àquilo que já perdura por si e só possuem uma permanência com e junto a ele, eles já são em certa medida um me on, algo que se presenta, mas que não alcança o puro modo de ser daquilo que dura a cada vez, do hypokeimenon.

De maneira correspondente à mudança da energeia para a actualitas e apesar da tradução literalmente fiel, a mudança do hypokeimenon para o subiectum também obscurece a essência do ser tal como ela é pensada nos gregos. O subiectum é aquilo que é suposto e sub-metido ao actus, aquilo com o que algo diverso ainda pode contingentemente se juntar. Nisso que vem ao encontro acidentalmente, no accidens, o advir concomitantemente à presença, isto é, um modo do presentar, se torna inaudível. Aquilo que reside sob e aquilo que é suposto (o subiectum) assumem o papel do fundamento, sobre o qual algo diverso é colocado, de modo que o suposto também pode ser concebido como aquilo que se encontra sob e, com isso, antes de tudo como algo que é continuamente. Subiectum e substans designam o mesmo, o propriamente contínuo e efetivamente real, que é suficiente para a realidade efetiva e para a continuidade, e que, por isso, se chama substantia. Logo se interpreta a partir da substantia a essência do hypokeimenon (daquilo que reside por si diante de nós) tal como ela é determinada no começo. A ousia, a presença, é pensada como substantia. O conceito de substância não é grego, mas domina juntamente com a actualitas a cunhagem da essência do ser na metafísica posterior.

A questão é que, assim como a cunhagem aristotélica do “existens” como exo tes dianoias on é determinada pela mudança da verdade da aletheia para a homoiosis e pela transposição que se alça com ela da verdade para o enunciado (logos), a mesma mudança da essência da verdade e o predomínio que emerge pela primeira vez para ela da kataphasis (logos) assumem sobre si a tarefa da preparação de uma ambiguidade e de uma reinterpretação de largo espectro do hypokeimenon. O ente propriamente dito, por ser algo presente que se encontra por si mesmo aí defronte, transforma-se no kathou legethai ti, ao qual, enquanto algo que subjaz, o discurso desce e em direção ao qual ele diz algo indicado e dito. O hypokeimenon, por sua vez, é agora o legomenon (logos) kathauto, aquilo que é interpelado discursivamente de imediato e apenas com vistas a ele mesmo, que se encontra em uma dimensão subjacente e que é acessível aí como ente. O logos, o enunciado, caracteriza agora o subjacente enquanto tal e visa sobretudo àquilo que se presenta por si e que permanece como um tal à base de toda concordância e recusa. Desde então, todas as determinações essenciais daquilo que se presenta enquanto tal, isto é, os caracteres do ente, se mantêm na esfera da kataphasis, isto é, da kategoria, elas são categorias. Como o logos cunha a essência do subjacente, ele se torna a determinação daquilo que a arche e a aitia são, o que mais tarde passou a se chamar o subsolo e o fundamento.

O “subiectum” torna-se a partir daí o nome que designa tanto o sujeito na relação sujeito-objeto quanto o sujeito na relação sujeito-predicado.

A mudança da metafísica em seu começo dispensa a energeia para adentrar a actualitas, a ousia para adentrar a substantia, a aletheia para adentrar a adaequatio. Do mesmo modo, o logos e, com ele, o hypokeimenon alcançam a esfera de interpretação da palavra traduzida ratio (reo, resis = discurso, ratio; reor = enunciar, tomar por, justificar). De acordo com isso, a ratio se mostra como o outro nome subiectum, para aquilo que subjaz. Assim, uma designação para o comportamento humano assume o papel da noção conceitual para aquilo que constitui um ente em seu ser verdadeiro, na medida em que ele, enquanto o que perdura em si constantemente e que se mostra, então, como aquilo que está por debaixo de tudo o que de algum modo é, é a substantia. O fundamento, compreendido como a essência da entidade do ente, obtém na metafísica posterior o nome ratio, um nome que não é de maneira alguma auto-evidente.

(…)

As “considerações cartesianas” que tratam da distinção do subiectum homem como res cogitans pensam o ser como o esse do ens verum qua certum. A essência pensada de maneira nova da realidade efetiva desse ente efetivamente real ainda não é designada com um nome próprio. Isso não significa de maneira alguma que as “considerações” seriam desviadas do ser do ente para a pergunta sobre o conhecimento do ente; pois as “considerações” designam a si mesmas como Meditationes de prima philosophie, como considerações, portanto, que se mantêm na esfera da pergunta sobre o ens qua ens. Essas “considerações” ressaltam, e, em verdade, de uma maneira decisiva, o começo propriamente dito da metafísica que sustenta a modernidade.

Nós podemos perceber, contudo, o quão pouco já é realizada aqui toda a virada para a metafísica da modernidade a partir do fato de a res cogitans, que como fundamentum absolutum é um subiectum insigne, ser ao mesmo tempo uma substantia finita, isto é, creata, no sentido da metafísica tradicional. A realidade efetiva da substantia finita detemina-se a partir da causalidade da causa prima. A distinção da mens humana dentre os outros subiecta enuncia-se no fato de ela notior est quam corpus.1 Esse primado quanto a ser mais conhecida não diz respeito a uma recognoscibilidade mais fácil, mas visa à presença mais própria da res cogitans na esfera da representação humana como apresentar-a-si. Pensados a partir da nova essência da realidade efetiva, a própria representação humana e o homem representador são aqui mais constantes, mais efetivamente reais e mais essentes do que todos os outros entes. De acordo com essa distinção de seu encontrar-se diante de nós, portanto, a mens humana enquanto subiectum passa a requisitar futuramente para si de maneira exclusiva o nome “sujeito”, de modo que subiectum e ego, subjetividade e egocidade significam agora o mesmo. O “sujeito” como o nome para aquilo sobre o que se enuncia algo só perde aí aparentemente a sua dignidade metafísica, uma dignidade que se anuncia em Leibniz e se desdobra completamente na Ciência da lógica de Hegel.

A princípio, contudo, todo ente não humano continua sendo ambíguo no que diz respeito à essência de sua realidade efetiva. A sua essência pode ser determinada por meio da representidade e da objetividade para o subiectum representador, mas também por meio da actualitas do ens creatum e de sua substancialidade. Em contrapartida, é quebrado o domínio único do ser enquanto actualitas no sentido do actus purus. A história do ser começa a unificar as múltiplas possibilidades de sua essência no interior de sua verdade metafísica enquanto entidade do ente e, com isso, a levar a termo a consumação de sua essência. No que se alça o começo dessa história, fica claro que ela requisita a essência do homem de uma maneira peculiarmente decidida.

O começo pleno da história do ser sob a figura da metafísica moderna acontece lá onde a consumação essencial do ser determinado como realidade efetiva ainda não tinha sido, em verdade, levada a termo, mas onde a decisibilidade dessa consumação já tinha sido completamente preparada e, assim, onde o fundamento da história da consumação já tinha sido estabelecido. A assunção dessa preparação da consumação da metafísica moderna e, com isso, o domínio integral dessa história da consumação é a determinação histórico-ontológica daquele pensamento que Leibniz realizou.

De acordo com a tradição do começo da metafísica desde Aristóteles, tudo aquilo que é propriamente ente é um hypokeimenon, que se determina no tempo subsequente como subiectum. O pensamento cartesiano distingue o subiectum que o homem é pelo fato de a actualitas desse subiectum possuir a sua essência no actus do cogitare (percipere).

Stambaugh

Original

  1. Em latim no original: de ela ser mais conhecida do que o corpo. (N.T.)[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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