GA6T2:128-131 – subjetividade

Casanova

Portanto, colocamos agora de lado temporariamente o pensamento valorativo e refletimos sobre a relação do homem com o ente enquanto tal na totalidade, sobre o modo como essa relação foi determinada na história da metafísica. Assim, caímos em um círculo de questões que nos é, em verdade, sugerido pela própria metafísica de Nietzsche e pela interpretação nietzschiana da metafísica, mas que aponta ao mesmo tempo para uma região mais originária. Essas questões também são conhecidas da metafísica até aqui. Assim, soa quase como um lugar-comum quando mencionamos, por exemplo, que a metafísica da modernidade se distingue por meio do papel particular que é aí desempenhado pelo “sujeito” humano e pelo apelo à subjetividade do homem.

No começo da filosofia moderna encontra-se a sentença de Descartes: ego cogito, ergo sum, “eu penso, logo eu sou”. Toda consciência das coisas e do ente na totalidade é reportada à autoconsciência do sujeito humano como o fundamento inabalável de toda certeza. A realidade do real determina-se no tempo subsequente como objetividade, como algo que é concebido por meio do sujeito e para este como aquilo que é lançado e mantido em oposição a ele. A realidade do real é o ter-sido-representado pelo sujeito representador e para este. A doutrina nietzschiana que transforma tudo aquilo que é e como é em “propriedade e em produto do homem” não leva a termo senão o desdobramento extremo dessa doutrina cartesiana, segundo a qual toda verdade é refundada na certeza de si do sujeito humano. Se nos lembrarmos mesmo ainda de que, já na filosofia grega anterior a Platão, um pensador, a saber, Protágoras, ensinou que o homem seria a medida de todas as coisas, então toda metafísica, e não apenas a metafísica moderna, parece de fato ser construída em função do papel normativo do homem no interior do ente na totalidade.

Assim, um pensamento hoje é corrente para qualquer um, a saber, o pensamento “antropológico”, que exige que o mundo seja interpretado segundo a imagem do homem e que a metafísica seja substituída pela “antropologia”. Em tudo isso, já se tomou uma decisão particular sobre a relação do homem com o ente enquanto tal.

Como as coisas se encontram com respeito à metafísica e à sua história com vistas a essa relação? Se a metafísica é a verdade sobre o ente na totalidade, então o homem também pertence certamente ao ente na totalidade. Será preciso até mesmo admitir que o homem assume um papel particular na metafísica, na medida em que ele busca, desenvolve, fundamenta e conserva, lega – e também desfigura – o conhecimento metafísico. No entanto, isso não nos dá de maneira alguma o direito de também tomar o homem agora pela medida de todas as coisas, de distingui-lo como o ponto central de todo ente e de colocá-lo como o senhor de todas as coisas. Poder-se-ia pensar que aquela sentença do pensador grego Protágoras sobre o homem enquanto medida de todas as coisas, que aquela doutrina de Descartes sobre o homem enquanto o “sujeito” de toda objetividade e que o pensamento nietzschiano do homem enquanto “o produtor e o proprietário” de todo ente talvez não passem de exageros e de casos extremos de pontos de vista metafísicos particulares, mas não constituem o elemento comedido e balanceado de um saber autêntico. Por conseguinte, esses casos excepcionais não podem se tornar a regra segundo a qual a essência da metafísica e de sua história deve ser determinada.

Tal opinião também poderia admitir que as três doutrinas provenientes do tempo da cultura grega, da modernidade emergente e de nosso presente indicariam de uma maneira capciosa o fato de sempre emergir uma vez mais de modo acentuado em épocas totalmente diversas a doutrina segundo a qual todo ente só é aquilo que é com base em uma antropomorfização por meio do homem. Por fim, tal opinião poderia perguntar: por que a metafísica não deve afinal afirmar sem reservas o papel de domínio incondicionado do homem, transformando-o em princípio definitivo de toda interpretação do mundo e colocando um fim a todos os retrocessos em visões ingênuas do mundo? Se isso acontece com razão e no sentido de toda metafísica, então o “antropomorfismo” de Nietzsche só expressa abertamente como verdade aquilo que já tinha sido pensado sempre uma vez mais em tempos primevos na história da metafísica e exigido como princípio de todo pensamento. (p. 95-96)

Farrell Krell

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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