Casanova
Nietzsche equipara, frequentemente, poder e força, sem que essa noção de força seja determinada de maneira mais próxima. Força, a capacidade reunida em si e pronta para atuação, o estar em condições de…, é o que os gregos, antes [51] de tudo Aristóteles, designam como δυναμις. Contudo, o poder é igualmente o ser-poderoso no sentido da realização do domínio, o estar-em-obra da força, ou, em termos gregos: ἐνέργεια. Poder é vontade como querer-para-além-de-si. Precisamente dessa forma, porém, ela se mostra como o chegar-a-si-mesmo, encontrar-se e afirmar-se na simplicidade fechada da essência, em termos gregos: ἐντελέχεια. Para Nietzsche, poder significa tudo isso ao mesmo tempo: δυναμις, ἐνέργεια, ἐντελέχεια.
Na coletânea de ensaios que conhecemos sob o nome de a Metafísica, de Aristóteles encontramos um ensaio, refiro-me ao livro Θ (IX) da Metafísica, que trata de δυναμις, ἐνέργεια, ἐντελέχεια como determinações supremas do ser.
O que Aristóteles, ainda na via de uma filosofia originária, mas também já no fim dessa via, pensa nesse livro, isto é, o que ele pergunta aí sobre o ser, foi transmitido posteriormente à filosofia escolástica como a doutrina da potentia e do actus. Desde o começo da modernidade, a filosofia se manteve presa à aspiração de conceber o ser a partir do pensar. Assim, as determinações do ser – potentia e actus – se aproximam das formas fundamentais do pensar, do juízo. Possibilidade, realidade efetiva e, além disso, necessidade tornam-se modalidades do ser e do pensar. Desde então, a doutrina das modalidades se tornou um componente integrante de toda e qualquer doutrina de categorias.
O que a filosofia acadêmica atual compreende por tudo isso é objeto da erudição e do exercício da agudeza intelectual. O que se apresenta em Aristóteles como saber acerca da δυναμις, da ἐνέργεια, da ἐντελέχεια é ainda filosofia; ou seja, aquele livro citado da Metafísica, de Aristóteles é o que há de maxi-mamente digno de questão em toda a filosofia aristotélica. Apesar de Nietzsche não se dar conta da conexão velada e vital de seu conceito de poder como um conceito de ser com a doutrina aristotélica; apesar de essa conexão permanecer aparentemente muito frouxa e indeterminada, pode ser dito que aquela doutrina aristotélica tem mais ligação com a doutrina nietzschiana da vontade de poder do que com qualquer doutrina de categorias e modalidades da filosofia acadêmica. No entanto, a própria doutrina aristotélica é apenas um prolongamento, um chegar-ao-primeiro-fim do primeiro começo da filosofia ocidental que teve lugar com Anaximandro, Heráclito e Parmênides.
Todavia, não devemos compreender a referência à ligação interna entre a vontade de poder em Nietzsche e as noções de δυναμις, ἐνέργεια e ἐντελέχεια em Aristóteles como se a doutrina nietzschiana do ser pudesse ser imediatamente interpretada com o auxílio da doutrina aristotélica. As duas doutrinas precisam ser reconduzidas a um contexto mais originário de colocação do problema. Isso vale, antes de tudo, para a doutrina aristotélica. Não é nenhum exagero dizer que [52] não compreendemos mais, nem temos hoje a menor ideia do que está em questão com essa doutrina aristotélica. A razão para esse estado de coisas é simples: as pessoas interpretam essa doutrina primeiramente com o auxílio das doutrinas correspondentes da Idade Média e da modernidade que não são, por sua vez, senão uma modulação e um declínio da doutrina aristotélica e que não se mostram, portanto, como apropriadas para fornecer o solo à nossa concepção. (GA6PT:50-52)
Klossowski
La puissance, Nietzsche l’assimile souvent à la force sans pour autant définir celle-ci avec plus de précision.
La force : la faculté rassemblée en elle-même et prête à agir [à s’exercer], l’être-en-état-de… voilà ce que les Grecs, avant tout Aristote, désignent par δύναμις. Or la puissance est de même le fait d’être-puissant au sens de l’exercice de la souveraineté, le fait de la force d’être-à-l’œuvre, en grec : ἐνέργεια. [65] La puissance est volonté en tant que vouloir par-delà-soi-même, mais de la sorte justement le fait de venir-à-soi-même, de se trouver et de s’affirmer dans la simplicité fermée de l’essence, en grec : ἐντελέχεια. Pour Nietzsche, puissance signifie tout ceci à la fois : δύναμις, ἐνέργεια, ἐντελέχεια.
Parmi la collection de traités que nous connaissons sous le nom de Métaphysique d’Aristote, il s’en trouve un, le livre Θ, ix de la Métaphysique, qui traite de la δύναμις, de l’ἐνέργεια, de l’ἐντελέχεια en tant que suprêmes déterminations de l’Être.
Ce qu’Aristote, encore dans la voie d’une originelle philosophie, mais déjà au terme de cette voie, pense ici, c’est-à-dire la manière dont il questionne quant à l’Être, c’est ce qui plus tard est passé dans la philosophie scolastique en tant que doctrine de la potentia et de Y actus. Depuis le début des Temps modernes, la philosophie s’enferme dans son effort pour comprendre l’Être à partir du penser. C’est alors que les déterminations de l’Être – potentia et actus – se rapprochent des formes fondamentales du penser, du jugement. La possibilité, la réalité et la nécessité en plus, deviennent les modalités de l’Être et du penser. Depuis lors la doctrine des modalités fait partie intégrante de toute doctrine des catégories.
Ce que de nos jours la philosophie de l’École entend par ces notions est affaire d’érudition et d’exercices de subtilités. Ce qui se trouve chez Aristote en tant que savoir de la δύναμις, de l’ἐνέργεια, de l’ἐντελέχεια est encore de la philosophie; c’est dire que le livre de la métaphysique d’Aristote constitue bien l’ouvrage le plus « digne de question » [Fragwürdigste], soit le plus problématique de toute la philosophie aristotélicienne.
Bien que Nietzsche ne connaisse pas le lien caché et vivant de son concept de puissance, en tant que concept de l’Être, avec la doctrine d’Aristote et que ce lien demeure apparemment fort lâche et indéterminé, on peut dire que cette doctrine aristotélicienne a plus de rapport avec la doctrine nietzschéenne de la Volonté de puissance qu’avec aucune doctrine des catégories et des modalités de la philosophie de l’École. Or la doctrine aristotélicienne elle-même n’est qu’un prolongement dans une direction déterminée, un arriver-au-premier-terme à partir du premier commencement de la philosophie occidentale, représenté par Anaximandre, Héraclite et Parménide.
La relation intérieure de la Volonté de puissance de Nietzsche à la δύναμις, l’ἐνέργεια, l’ἐντελέχεια d’Aristote, nous ne devons cependant pas la comprendre de telle sorte qu’il pût sembler loisible d’interpréter la doctrine nietzschéenne de l’Être à l’aide de celle d’Aristote. Il s’agit de reprendre les deux doctrines dans un rapport de questions plus originel. Cela importe surtout [66] en ce qui concerne la doctrine d’Aristote. Il n’est pas exagéré de dire que, de cette doctrine d’Aristote, nous ne comprenons plus rien aujourd’hui, ni n’en avons plus la moindre idée. La raison en est simple : on s’en fait une interprétation à l’aide des doctrines médiévales et modernes correspondantes, lesquelles, pour leur part, ne sont que des dérivations et des déviations de l’aristotélicienne, et de ce fait impropres à fournir la base d’une compréhension quelconque. [GA6T1FR:64-66]
Krell
Nietzsche often identifies power with force, without defining the latter more closely. Force, the capacity to be gathered in itself and prepared to work effects, to be in a position to do something, is what the Greeks (above all, Aristotle) denoted as dynamis. But power is every bit as much a being empowered, in the sense of the process of dominance, the being-at-work of force, in Greek, energeia. Power is will as willing out beyond itself, precisely in that way to come to itself, to find and assert itself in the circumscribed simplicity of its essence, in Greek, entelecheia. For Nietzsche power means all this at once: dynamis, energeia, entelecheia.
In the collection of treatises by Aristotle which we know under the title Metaphysics there is one, Book Theta (IX), that deals with dynamis, energeia, and entelecheia, as the highest determinations of Being.1
What Aristotle, still on the pathway of an original philosophy, but also already at its end, here thinks, i.e., asks, about Being, later is transformed into the doctrine of potentia and actus in Scholastic philosophy. Since the beginning of modern times philosophy entrenches itself in the effort to grasp Being by means of thinking. In that way the determinations of Being, potentia and actus, slip into the vicinity of the basic forms of thought or judgment. Possibility, actuality, and necessity along with them become modalities of Being and of thinking. Since then the doctrine of modalities becomes a component part of every doctrine of categories.
What contemporary academic philosophy makes of all this is a matter of scholarship and an exercise in intellectual acuity. What we find [65] in Aristotle, as knowledge of dynamis, energeia, entelecheia, is still philosophy; that is to say, the book of Aristotle’s Metaphysics which we have referred to is the most worthy of question of all the books in the entire Aristotelian corpus. Although Nietzsche does not appreciate the concealed and vital connection between his concept of power, as a concept of Being, and Aristotle’s doctrine, and although that connection remains apparently quite loose and undetermined, we may say that the Aristotelian doctrine has more to do with Nietzsche’s doctrine of will to power than with any doctrine of categories and modalities in academic philosophy. But the Aristotelian doctrine itself devolves from a tradition that determines its direction; it is a first denouement of the first beginnings of Western philosophy in Anaximander, Heraclitus, and Parmenides.
However, we should not understand the reference to the inner relation of Nietzsche’s will to power to dynamis, energeia, and entelecheia in Aristotle as asserting that Nietzsche’s doctrine of Being can be interpreted immediately with the help of the Aristotelian teaching. Both must be conjoined in a more original context of questions. That is especially true of Aristotle’s doctrine. It is no exaggeration to say that we today simply no longer understand or appreciate anything about Aristotle’s teaching. The reason is simple: we interpret his doctrine right from the start with the help of corresponding doctrines from the Middle Ages and modern times, which on their part are only a transformation of and a decline from Aristotelian doctrine, and which therefore are hardly suited to provide a basis for our understanding. [GA6T1EN:64-65]
Macht wird von Nietzsche oft mit Kraft gleichgesetzt, ohne daß diese näher bestimmt wäre. Kraft, das in sich gesammelte und wirkungsbereite Vermögen, das Imstandesein zu . . ., ist das, was die Griechen, vor allem Aristoteles, als δύναμις bezeichnen. Macht ist aber ebenso das Mächtigsein [76] im Sinne des Herrschaftsvollzugs, das Am-Werk-sein der Kraft, griechisch: ἐνέργεια. Macht ist Wille als Über-sich-hinaus-wollen, aher so gerade das Zu-sich-selbst-kommen, sich in der geschlossenen Einfachheit des Wesens Finden und Behaupten, griechisch: ἐντελέχεια. Macht heißt für Nietzsche dieses alles zugleich: δύναμις, ἐνέργεια, ἐντελέχεια.
In der Sammlung von Abhandlungen, die wir unter dem Namen der »Metaphysik« des Aristoteles kennen, findet sich eine, es ist das Buch Θ (IX) der Metaphysik, die von δύναμις, ἐνέργεια, ἐντελέχεια als obersten Bestimmungen des Seins handelt.
Was Aristoteles hier, noch in der Bahn einer ursprünglichen Philosophie, aber auch schon am Ende dieser Bahn, über das Sein denkt, d.h. fragt, das ist später als Lehre von potentia und actus in die Schulphilosophie übergegangen. Seit dem Beginn der Neuzeit verfestigt die Philosophie sich im Bestreben, das Sein aus dem Denken zu begreifen. So rücken dann die Bestimmungen des Seins — potentia und actus — in die Nähe der Grundformen des Denkens, des Urteils. Möglichkeit, Wirklichkeit und dazu Notwendigkeit werden Modalitäten des Seins und des Denkens. Seitdem gehört die Lehre von den Modalitäten zum Bestand jeder Kategorienlehre. Was die heutige Schulphilosophie darunter versteht, ist eine Sache der Gelehrsamkeit und der Übung des Scharfsinns. Was bei Aristoteles als Wissen von δύναμις, ἐνέργεια, ἐντελέχεια vorliegt, ist noch Philosophie, d.h. jenes genannte Buch der »Metaphysik« des Aristoteles ist das frag-würdigste der ganzen Aristotelischen Philosophie. Obgleich Nietzsche den verborgenen und lebendigen Zusammenhang seines Machtbegriffes als eines Seinshegriffes mit Aristoteles’ Lehre nicht kennt und dieser Zusammenhang scheinbar sehr lose und unbestimmt bleibt, darf gesagt werden, daß jene Aristotelische Lehre zu Nietzsches Lehre vom Willen zur Macht mehr [77] Beziehung hat als zu irgendeiner Kategorien- und Modalitätenlehre der Schulphilosophie. Die Aristotelische Lehre selbst aber ist nur ein bestimmt gerichteter Auslauf, ein Zum-ersten-Ende-kommen des ersten Anfangs der abendländischen Philosophie hei Anaximander, Heraklit und Parmenides.
Der Hinweis auf die innere Beziehung von Nietzsches Willen zur Macht zu δύναμις, ἐνέργεια und ἐντελέχεια des Aristoteles dürfen wir indes nicht so verstehen, als ließe sich Nietzsches Lehre vom Sein unmittelbar mit Hilfe der Aristotelischen Lehre auslegen. Beide müssen in einen ursprünglicheren Fragezusammenhang zurückgenommen werden. Das gilt vor allem von der Lehre des Aristoteles. Es ist keine Übertreibung, zu sagen, daß wir von dieser Lehre des Aristoteles heute schlechterdings nichts mehr verstehen und ahnen. Der Grund ist einfach: man legt sich diese Lehre zuerst mit Hilfe der entsprechenden Lehren des Mittelalters und der Neuzeit aus, die ihrerseits nur eine Abwandlung und ein Abfall von der Aristotelischen sind und daher nicht geeignet, den Boden für ein Begreifen abzugeben. (p. 76-78)
- Heidegger had lectured in the summer of 1931 on Aristotle, Metaphysics IX. (The text of that course appeared in 1981 as vol. 33 of the Gesamtausgabe.) On the question of ἀλήθεια and Being in chapter 10 of Metaphysics IX, see Martin Heidegger, Logik: Die Frage nach der Wahrheit (Frankfurt/Main: V. Klostermann, 1976), pp. 170-82, the text of his 1925-26 lecture course. Cf. the review of this volume in Research in Phenomenology, VI (1976), 151-66.[↩]