GA6T1:511-512 – verdade é correção da representação

Casanova

O fragmento começa: “A avaliação: ‘eu acredito que isso e aquilo sejam assim’ enquanto a essência da verdade.” Cada palavra, cada acento, cada aspecto da escrita e toda a conjunção de palavras são aqui importantes. A observação introdutória torna supérfluos volumes inteiros de teoria do conhecimento, supondo apenas que conquistemos a quietude, a duração e a solidez da meditação que tal sentença requer para ser compreendida.

Trata-se da determinação essencial da verdade. Nietzsche coloca nessa passagem a palavra verdade entre aspas. Dito de maneira sucinta, isso quer dizer o seguinte: a verdade, tal como é geralmente compreendida, tal como é compreendida há muito tempo, ou seja, na história do pensamento ocidental, e tal como o próprio Nietzsche também precisa compreendê-la de antemão, sem ter consciência dessa necessidade, de sua amplitude e até mesmo de seu fundamento. Desde Platão e Aristóteles, a determinação essencial da verdade que não atravessa de forma dominante apenas o conjunto do pensamento ocidental, mas também a história do homem ocidental até o cerne de seu fazer cotidiano, de sua opinião e representação habituais, é: a verdade é a correção (Richtigkeit) da representação (Vorstellen). Nesse caso, além disso, representação significa: o ter-diante-de-si e o trazer-para-diante-de-si o ente que percebe e opina, lembra e planeja, espera e rejeita. A representação ajusta a si mesma ao ente, assimila-se a ele e o reproduz. Verdade diz: a adequação (Angleichung) da representação ao que o ente é e ao modo como ele é.

Por mais que possamos encontrar à primeira vista junto aos pensadores do Ocidente definições muito diversas e até mesmo opostas da essência da verdade, elas se fundam todas em uma única determinação: verdade como correção da representação. Não obstante, na medida em que na época moderna frequentemente se estabelece uma diferença entre correção e verdade, é preciso apontar aqui expressamente e mesmo reforçar o fato de que, de acordo com a terminologia dessa preleção, o termo “correção” precisa ser entendido no sentido de estar-dirigido-para o ente, de conformidade com o ente. Por vezes, no interior da lógica se dá ao termo “correção” a significação de ausência de contradição ou mesmo de consistência. No sentido primeiramente citado, a proposição “essa lousa é vermelha” é correta, mas não é verdadeira. Correta no sentido de que não contradiz a superfície dessa lousa. No entanto, apesar de sua correção, essa proposição não é verdadeira porque não é apropriada ao objeto. Correção como consistência significa que a proposição é deduzida de uma outra segundo as regras da conclusão lógica. Também se costuma denominar “verdade” formal a correção no sentido da ausência de contradições e da consistência, uma “verdade” que não está ligada ao conteúdo do ente; e isso em contraposição à verdade material, relativa ao conteúdo. A conclusão é “formalmente” verdadeira, mas materialmente não verdadeira. Mesmo nesse conceito de correção (ausência de contradição, consistência) ressoa a ideia de conformidade a; e, com efeito, não de conformidade ao objeto visado, mas sim às regras seguidas junto à formação da proposição e ao estabelecimento da conclusão. Todavia, se nós dissermos que a essência da verdade é correção, então não temos em vista essa palavra no sentido mais rico da conformidade estabelecida em termos de conteúdo da representação com o ente que vem ao encontro. Correção é, nesse caso, compreendida como tradução de adaequatio e homoiosis. Também para Nietzsche permanece de antemão decidido, e, de acordo com a tradição, que: verdade é correção. [GA6PT:359-360]

Klossowski

Original

  1. Pour cette raison nous traduisons Richtigkeit (justesse, exactitude) à dessein par rectitude étymologiquement fidèle au sens heideggérien de Gerichtetheit. Cf. Note p. 415.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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