GA6T1:495-497 – a monstruosidade da teoria do conhecimento

Casanova

O que é isso – o conhecimento? Pelo que perguntamos propriamente quando colocamos a pergunta sobre a essência do conhecimento? À posição do homem ocidental em meio ao ente, à determinação, fundamentação e desdobramento dessa posição em relação ao ente, isto é, à determinação essencial do ente na totalidade, em suma, à metafísica ocidental, pertence um elemento peculiar: o fato de o homem ocidental ter precisado colocar desde cedo a pergunta: τί ἐστιν ἐπιστήμη (ti estin episteme); “o que é isso – o conhecimento?”. Somente bem mais tarde, no decurso do século XIX, essa questão metafísica se transformou em um objeto de ocupação científica, quer dizer: um objeto das pesquisas psicológicas e biológicas. A pergunta sobre a essência do conhecimento se tornou um tema da “formação de teorias”, um parque de diversões para a teoria do conhecimento. Por meio de comparações retrospectivas e de um estímulo oriundo da investigação filológico-historiográfica do passado, chegou-se mesmo ao ponto de achar que Aristóteles e Platão, já mesmo Heráclito e Parmênides, e, mais tarde então, Descartes, Kant e Schelling “também” haviam empreendido tal “teoria do conhecimento”, não tendo que a “teoria do conhecimento” do velho Parmênides como ser senão uma teoria do conhecimento muito “imperfeita”, uma vez que ele ainda não tinha à sua disposição os métodos e aparelhos dos séculos XIX e XX. A afirmação do fato de que os maiores pensadores antigos – Heráclito e Parmênides – meditaram sobre a essência do conhecimento é correta. Sem dúvida alguma, porém, é também um “fato” que até hoje quase não conseguimos pressentir e avaliar o que significa essa meditação sobre a essência do conhecimento: o pensamento como fio condutor do projeto do ente na totalidade em vista do ser, a inquietude velada para si mesma sobre a essência cerrada desse “fio condutor” e da “essência do fio condutor” como tal.

O fato de esses pensadores e, de maneira correspondente, os pensadores modernos terem “levado a termo” uma “teoria do conhecimento” é uma opinião infantil; e isso mesmo quando se admite que Kant dirigiu muito melhor os negócios da “teoria do conhecimento” do que, depois dele, os “neokantianos”, que pretenderam “aprimorá-lo”. Poderíamos ter omitido completamente essa menção à monstruosidade que é a erudita “teoria do conhecimento” se o próprio Nietzsche não tivesse se movimentado, em parte contra a sua vontade, em parte por curiosidade, nessa atmosfera sufocante, e não dependesse dela. Na medida em que mesmo os maiores pensadores, o que significa, ao mesmo tempo, mesmo os pensadores mais solitários, não moram em um espaço supraterreno situado em algum lugar supramundano, eles são sempre cercados e tocados, influenciados, como se costuma dizer, pelos seus contemporâneos e pela tradição. A questão decisiva é apenas se podemos explicar, sim, mesmo apenas iluminar preponderantemente, o seu pensar propriamente dito a partir das influências do meio e pelos fluxos de suas disposições “vitais” situativas, ou se precisamos conceber seus pensamentos únicos a partir de origens essencialmente diversas, a saber, a partir do que o pensar justamente abre e funda pela primeira vez. Ao seguirmos o pensamento nietzschiano sobre a essência do conhecimento, não devemos atentar para o que há nele de “fatal” em muitos aspectos, o que há de característico de seu tempo, isto é, de “teoria do conhecimento”. Ao contrário, precisamos considerar apenas o âmbito em que a posição fundamental da metafísica moderna se desdobra e alcança o seu acabamento. Esse “elemento metafísico”, porém, se volta a partir de si mesmo, a partir de seu peso essencial próprio, para o interior de uma conexão histórica velada com o início do pensamento ocidental junto aos gregos. Não pensamos em termos historiográficos essa conexão própria do acabamento da metafísica ocidental com o seu início: como uma corrente relativa às dependências e às relações entre os pontos de vista, as opiniões e os “problemas” filosóficos. Sabemos que essa conexão é aquilo que agora e futuramente continua acontecendo e é.

No interior da história do Ocidente, o conhecimento é considerado como aquele comportamento e como aquela postura do re-presentar por meio dos quais o verdadeiro é apreendido e preservado como uma posse. Um conhecimento que não é verdadeiro não é apenas um “conhecimento não verdadeiro”. Ao contrário, não é conhecimento algum. Com a expressão “conhecimento verdadeiro” já dizemos por duas vezes a mesma coisa. O verdadeiro e sua posse – ou, dito de maneira mais sucinta, a verdade no sentido de ser reconhecida como verdadeira – perfazem a essência do conhecimento. Na pergunta “o que é o conhecimento?” coloca-se, no fundo, a pergunta sobre a verdade e sua essência. E quanto à verdade? Quando isso ou aquilo é tomado e assumido como o que é, então denominamos esse tomar-por um tomar-por-verdadeiro. O verdadeiro designa aqui aquilo que é. Apreender o verdadeiro significa tomar o ente em meio à re-presentação e ao enunciado, re-produzindo-o e transmitindo-o tal como ele é. O verdadeiro e a verdade acham-se em uma relação maximamente íntima com o ente. A pergunta sobre a essência do conhecimento como questão sobre o verdadeiro e a verdade é uma questão sobre o ente. A questão sobre o ente, sobre o que ele mesmo é como tal, se coloca para além do ente. No entanto, ela retorna ao mesmo tempo ao ente. A questão sobre o conhecimento é uma questão metafísica. (GA6PT:348-350)

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Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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