GA6T1:49-52 – vontade [Wille] e querer [Wollen]

Casanova

Se tentarmos tomar o querer (Wollen) em meio à peculiaridade que inicialmente como que se impõe, podemos dizer: querer é uma inclinação para…, um dirigir-se para algo… (Wollen ist ein Hin zu …, Auf etwas los …); querer é um comportamento (Verhalten) dirigido para algo. Mas se visualizarmos imediatamente uma coisa simplesmente dada ou acompanharmos de modo observador o decurso de uma ocorrência, encontrar-nos-emos em um comportamento em relação ao qual vigora o mesmo: estamos dirigidos de forma representativa para a coisa e aí não entra em jogo nenhum querer. Na mera consideração das coisas, não queremos nada “com” as coisas e “das” coisas, deixamos as coisas serem justamente as coisas que elas são. Estar dirigido para algo ainda não é um querer e, no entanto, reside no querer um tal estar-direcionado-para…

Todavia, também podemos “querer” alguma coisa, por exemplo, um livro ou uma motocicleta. Um jovem “quer” ter uma coisa, isto é, gostaria de tê-la. Esse “gostaria-de-ter” (Habenmögen) não é nenhuma mera representação (Vorstellen), mas um tipo de aspiração (Streben) em direção a algo que possui o caráter particular do desejar (Charakter des Wünschens). Ainda assim, porém, o desejar continua sendo diferente do querer. (Wünschen aber ist immer noch nicht Wollen.) Quem quer que da maneira mais pura possível apenas deseje, esse justamente não quer. Ao contrário, ele espera que o desejado aconteça sem que tenha de fazer nada para tanto. Será, então, que o querer é um desejar com o acréscimo da própria iniciativa? Não – querer não é absolutamente desejar, mas querer é: colocar-se sob o próprio comando. Querer é a decisão do comandar-se que em si mesma já é uma execução desse comando. Ora, mas com essa caracterização do querer introduzimos repentinamente uma série de determinações que inicialmente não tinham sido dadas com o que tínhamos visado, a saber, com aquele direcionar-se para algo.

Parece, então, que a essência da vontade seria tomada da maneira mais pura possível se esse direcionar-se para… fosse destacado de modo pertinente como puro querer em contraposição ao direcionar-se para algo no sentido do mero cobiçar, do desejar, do aspirar ou do simples representar. A vontade é estabelecida aí como a pura relação do simples em direção a…, do dirigir-se para algo. Mas essa apreensão é um erro. Segundo a convicção nietzschiana, o equívoco fundamental de Schopenhauer é achar que há algo assim como um puro querer que é tanto mais puramente um querer quanto mais completamente aquilo que é querido é deixado indeterminado e quanto mais decididamente ele é excluído. Reside muito mais na essência da vontade o fato de que aqui aquilo que é querido e aquele que quer são co-inseridos no querer, ainda que não no sentido extrínseco, de acordo com o qual também podemos dizer do aspirar que pertence ao aspirar algo que aspira e algo a que se aspira.

A pergunta decisiva é justamente: como e em razão do que aquilo que é querido (Gewollte) e aquele que quer pertencem no querer ao querer? Resposta: em razão do querer e por meio do querer. O querer quer o que quer como tal, e o querer estabelece o que é querido como tal. Querer é decisão (Entschlossenheit) para si, mas para si como para o que o estabelecido no querer como querido quer. A vontade traz a cada vez a partir de si mesma uma determinação corrente para o interior do seu querer. Alguém que não sabe o que quer não quer absolutamente, e não pode querer de maneira alguma; não há um querer em geral: “pois a vontade é, como afeto do comando, o sinal decisivo do auto-assenhoramento e da força” (Gaia ciência, 5. Livro, 1886; V, 282). Em contrapartida, o aspirar pode ser indeterminado, tanto em consideração ao que é propriamente aspirado quanto em relação àquele que aspira. Em meio ao aspirar e ao impelir somos co-inseridos em um movimento em “direção a…”, sem que nós mesmos saibamos o que está em jogo. Em meio ao mero aspirar a algo não somos propriamente trazidos para diante de nós mesmos, e, por isso, tampouco há aqui uma possibilidade de aspirarmos a para além de nós mesmos. Aspiramos aqui meramente e imergimos em uma tal aspiração. Por outro lado, a vontade é decisão para si – é sempre: querer para além de si. Se Nietzsche acentua em muitos aspectos o caráter de comando da vontade, então ele não designa uma prescrição e uma indicação para a realização de uma ação; ele também não visa ao ato de vontade no sentido de uma resolução (Entschluss), mas antes o pensa no sentido de uma decisão – aquilo por meio do que o querer pode se ligar ao que quer e ao que é querido, assim como essa ligação como decisividade (Entschiedenheit) fundada e permanente. Só é capaz de comandar verdadeiramente – o que não pode ser de modo algum equiparado com o mero dar ordens quem não apenas está em condições de, mas quem está mesmo constantemente pronto a colocar a si mesmo sob o comando. Por meio dessa prontidão, ele coloca a si mesmo no âmbito do comando como o primeiro que normativamente obedece. Nesse caráter de decisão pelo qual o querer é lançado para além de si reside o ser-senhor sobre… (Herrsein über …), o exercer poder sobre o que é aberto no querer e é fixado nele, na decisão como algo apreendido.

O querer mesmo é um assenhoramento sobre… (Herrsein über …) que se estende para além de si; querer é em si mesmo poder. E poder é o querer que é constante em si. Vontade é poder e poder é vontade. Nesse caso, a expressão “vontade de poder” não tem nenhum sentido? Ela não tem, de fato, nenhum sentido logo que se pensa vontade em sintonia com o conceito nietzschiano de vontade. Apesar disso, contudo, Nietzsche se utiliza dessa expressão, rejeitando expressamente o conceito corrente de vontade e buscando especialmente enfatizar sua resistência ante o conceito schopenhaueriano de vontade. [GA6TPT:30-32]

Klossowski

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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