GA6T1:45-48 – vontade

Casanova

2. Para apreender o conceito nietzschiano de vontade é particularmente importante o seguinte: se, segundo Nietzsche, a vontade como vontade de poder é (29) o caráter fundamental de todo ente, então não podemos nos referir em meio à determinação da essência da vontade a um ente determinado, também não a um modo de ser particular, a fim de explicar a partir daí a essência da vontade.

Assim, pois, a vontade como o caráter corrente de todo ente não fornece nenhuma referência a um ponto desde onde se poderia derivar o seu conceito como um tal conceito do ser. Com efeito, Nietzsche nunca desdobrou de maneira principial e sistemática esse estado de coisas, mas ele sabia claramente que estava perseguindo aqui uma questão inabitual.

Dois exemplos podem explicitar o que está aqui em questão. De acordo com a representação usual, a vontade é tomada como uma faculdade da alma. O que a vontade é determina-se a partir da essência da alma; da alma trata a psicologia. A alma designa um ente particular em contraposição ao corpo e ao espírito. Se para Nietzsche a vontade determina o ser de todo e qualquer ente, então não é a vontade que é algo psíquico, mas a alma (a psique) que é algo volitivo. Mas também o corpo e o espírito são vontade, uma vez que algo desse gênero “é”. Além disso: a vontade é considerada uma faculdade; isto é: poder, estar em condições de…, ter-poder e exercer o poder. O que em si é poder, tal como o é segundo Nietzsche a vontade, não pode ser, com isso, caracterizado pelo fato de o determinarmos como uma faculdade; e isso porque a essência de uma faculdade está fundada na essência da vontade como poder.

Um segundo exemplo: a vontade é considerada como um tipo de causa. Costumamos dizer: esse homem não age tanto com a sua inteligência quanto com a sua vontade; a vontade produz algo, provoca o surgimento de um resultado. Mas ser-causa é um modo particular de ser, por meio do qual o ser como tal não pode ser por isso mesmo concebido. A vontade não é nenhuma efetivação. O que se toma comumente como o que produz efeito, aquela faculdade causante, se funda ele mesmo na vontade (cf. VIII, 80).

Se a vontade de poder caracteriza o próprio ser, então não há mais nada como o que a vontade ainda pudesse ser determinada. Vontade é vontade. No entanto, essa determinação correta segundo a forma não diz mais nada. Essa determinação induz facilmente em erro, porquanto se acha que à palavra simples corresponde uma coisa igualmente simples.

É por isso que Nietzsche pode explicar: “Hoje sabemos que ela (a Vontade) é meramente uma palavra” (Crepúsculo dos ídolos, 1888, VIII, 80). A essa passagem corresponde uma asserção anterior do tempo de Assim falou Zaratustra: “Eu rio de vossa vontade livre e também de vossa vontade não livre: uma loucura é para mim o que vós chamais de vontade, não há nenhuma vontade” (XII, 267). É estranho que o pensador, para o qual o caráter fundamental de todo ente é a (30) vontade, profira tal sentença: “não há nenhuma vontade”. Todavia, Nietzsche tem em vista aqui que não há tal vontade que se conheceu e denominou até aqui uma faculdade da alma e uma aspiração em geral.

Não obstante, Nietzsche precisa dizer então reiteradamente o que é a vontade. Ele diz, por exemplo: a vontade é um “afeto”, a vontade é uma “paixão”, a vontade é um “sentimento”, a vontade é um “comando”. A caracterização da vontade como “afeto” e como coisas do gênero não fala, porém, a partir do âmbito da alma e dos estados anímicos? Afeto, paixão, sentimento e comando não são algo a cada vez diverso? Isso que é aqui aduzido para o esclarecimento da essência da vontade não precisa estar ele mesmo antes suficientemente claro? Ora, mas o que é mais obscuro do que a essência do afeto, da paixão e da diferença entre os dois? Como é que a vontade pode ser tudo isso ao mesmo tempo? É difícil suplantar essas questões e reservas ante a interpretação nietzschiana da essência da vontade. E, no entanto, elas talvez não toquem o que é efetivamente decisivo. Nietzsche mesmo acentua: “O querer parece-me antes de tudo algo complicado, algo que só é unidade como palavra – e justamente em uma palavra se esconde o preconceito popular, que se assenhorou do cuidado sempre muito diminuto dos filósofos” (Para além do bem e do mal, VII, 28). Nietzsche fala aqui antes de tudo contra Schopenhauer. De acordo com a opinião schopenhaueriana, a vontade é a coisa mais simples e mais conhecida do mundo.

No entanto, como para Nietzsche a vontade de poder caracteriza a essência do ser, a vontade permanece sempre o que é propriamente buscado e o que precisa ser determinado. Depois que essa essência é descoberta, o que importa é apenas visualizá-la por toda parte, a fim de não perdê-la mais. Deixaremos por agora em aberto se o procedimento nietzschiano é o único possível, se Nietzsche alcançou efetivamente uma clareza suficiente em relação à singularidade da pergunta sobre o ser e se pensou de maneira principial os caminhos aqui possíveis e necessários. Ao menos uma coisa é certa: para Nietzsche, inicialmente, em meio à plurissignificância do conceito dominante de vontade, não restava nenhum outro caminho senão elucidar com a ajuda do que era conhecido o que era visado por ele e rejeitar o que não era visado (cf. a observação genérica sobre conceitos filosóficos em Para além do bem e do mal, VII, 31). [GA6PT:28-30]

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Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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