GA6T1:15-17 – pensamento mais pesado (schwersten Gedanken)

schwersten Gedanken

A doutrina do eterno retorno do mesmo (ewigen Wiederkunft des Gleichen) e a doutrina da vontade de poder (Willen zur Macht) se compertencem da maneira mais intrínseca possível. A unidade dessas doutrinas pode ser vista historicamente como transvaloração de todos os valores (Umwertung aller bisherigen Werte) até aqui.

Ora, mas em que medida se compertencem essencialmente as doutrinas do eterno retorno do mesmo e da vontade de poder? Essa pergunta precisará nos mobilizar mais aprofundadamente, e, em verdade, como a pergunta decisiva. Por isso, só ofereceremos agora uma resposta que não faz outra coisa senão fornecer um aceno preliminar.

A expressão “vontade de poder” denomina o caráter fundamental do ente; todo ente que é, na medida em que é, é: vontade de poder. Com isso enuncia-se o caráter do ente como ente. A partir daí, porém, não se responde absolutamente à primeira pergunta da filosofia, à sua pergunta propriamente dita. Ao contrário, só se responde aqui à última pergunta preliminar. Para aquele que ainda pode e precisa perguntar filosoficamente no fim da filosofia ocidental, a pergunta decisiva não é mais a mera pergunta sobre o caráter fundamental que é manifesto pelo ente, a pergunta sobre como o ser do ente é caracterizado, mas sim a pergunta: o que é esse ser mesmo? A pergunta decisiva é, nesse caso, a pergunta sobre o “sentido do ser”, e não apenas sobre o ser do ente; e o termo “sentido” está aí circunscrito de maneira rigorosa em seu conceito como aquilo desde onde e em razão do que o ser em geral se torna manifesto como tal e pode chegar à verdade. O que se propõe hoje em dia como ontologia não tem nada a ver com a questão do ser propriamente dita. Ele não passa de uma dissecação muito erudita e astuta que joga os conceitos transmitidos uns contra os outros.

O que é e como é a própria vontade de poder? Resposta: o eterno retorno do mesmo.

Será que não é senão uma casualidade o fato de essa doutrina retornar constantemente e em posições decisivas através de todos os planos da obra central filosófica? O que significa, afinal, o fato de Nietzsche, em um plano que porta simplesmente o título “o eterno retorno” (XVI, 414), dar à primeira parte o título: “o pensamento mais pesado”? Com certeza, a pergunta sobre o ser é o pensamento mais pesado da filosofia, porque é ao mesmo tempo sua pergunta mais interna e mais extrema, o pensamento com o qual a filosofia se ergue e cai.

Nós ouvimos: o caráter fundamental do ente é vontade de poder, querer e, portanto, devir. E, contudo, Nietzsche não pára justamente por aí, tal como habitualmente se pensa quando se associa Nietzsche com Heráclito. Ele diz muito mais em uma passagem proposta e expressamente formulada como uma visão conjunta que abarca todo o seu pensamento (A vontade de poder, n. 617): “Recapitulação: cunhar para o devir o caráter do ser — essa é a mais elevada vontade de poder.”” Isso significa que o devir só é, quando ele é fundamentado no ser como ser: “Que tudo retorna é a aproximação mais extrema de um mundo do devir ao mundo do ser: — Ápice da consideração.” Com sua doutrina do eterno retorno, Nietzsche pensa à sua maneira o pensamento que permanece encoberto, mas que domina toda a filosofia ocidental como o pensamento propriamente impulsionador. Ele pensa o pensamento de tal modo que acaba por retornar com sua metafísica ao começo da filosofia ocidental — dito de maneira mais clara: ele acaba por retornar ao começo tal como a filosofia ocidental se habituou a vê-lo no decurso de sua história. Esse é um hábito do qual Nietzsche comunga, apesar de sua apreensão de resto originária da filosofia pré-socrática.

De acordo com a visão vulgar e cotidiana, Nietzsche aparece como o revolucionário que nega, destrói e profetiza. Tudo isso pertence, com certeza, à imagem que fazemos dele. Esse também não é apenas um papel que ele desempenha, mas uma necessidade maximamente intrínseca a seu tempo. No entanto, o essencial do revolucionário não é a virada como tal, mas o fato de ele trazer à luz em meio à virada o que há de decisivo e essencial. Na filosofia, isso sempre acontece quando se colocam aquelas poucas questões grandiosas. Ao pensar o “ápice da consideração” e o “pensamento mais pesado”, Nietzsche sempre pensa e considera o ser, ou seja, a vontade de poder, como eterno retorno. O que isso significa — tomado de maneira totalmente ampla e essencial? Eternidade não como um agora estático, nem tampouco como uma sequência de agoras que se desenrolam até o infinito, mas como um agora que rebate em si mesmo: o que é isso senão a essência velada do tempo? Pensar o ser, a vontade de poder, como eterno retorno, pensar o pensamento mais pesado da filosofia significa pensar o ser como tempo. Nietzsche pensou esse pensamento. No entanto, ele não chegou a pensá-lo como pergunta sobre ser e tempo. Platão e Aristóteles também pensaram esse pensamento ao conceberem o ser como ousia (presença). Todavia, exatamente como Nietzsche, eles também não o pensaram como questão. (GA6T1, Casanova)

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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