GA6:813-814 – a história do ser

A história do ser não é nem a história do homem e de uma humanidade, nem a história da ligação humana com o ente e com o ser. A história do ser é o próprio ser e apenas ele.12 Não obstante, como o ser requisita a essência do homem para a fundação de sua verdade no ente, o homem permanece vinculado (814) à história do ser. No entanto, essa vinculação nunca diz respeito senão ao modo como ele assume, perde, omite, sonda ou dissipa, a partir da ligação do ser com ele e de acordo com essa ligação, a sua essência.

O fato de o homem só pertencer à história do ser na esfera de sua essência determinada pela requisição do ser, e não com vistas à sua aparição, ação e desempenho no interior do ente, significa uma restrição de um tipo particular. Essa restrição pode se tornar manifesta como uma distinção sempre que o ser mesmo dá a saber o que acontece apropriativamente, quando o homem pode ousar a sua essência, uma essência que mergulhou para ele no esquecimento por meio do primado do ente.

Na história do ser, o acontecimento apropriativo anuncia-se a princípio para a humanidade como mudança da essência da verdade. Isso poderia sugerir a opinião de que a cunhagem essencial do ser dependeria do domínio do respectivo conceito de verdade, um conceito que dirigiria o modo de ser da representação humana e, com isso, também o pensamento do ser. A questão é que as possibilidades dos respectivos conceitos de verdade são de antemão demarcadas pelo modo de ser da essência da verdade e pela vigência dessa essência. A clareira 3 é ela mesma um traço fundamental do ser, e não apenas a sua consequência.

A lembrança da história do ser é um pensar previamente no início que é apropriado pelo próprio ser em meio ao acontecimento. O acontecimento apropriativo concede a cada vez o período a partir do qual a história assume 4 a garantia de um tempo (Época). Esse período, para o qual o ser se dá em meio ao aberto, nunca pode ser encontrado, porém, a partir do tempo calculado historiologicamente e com as medidas desse tempo. O período concedido só se mostra a uma meditação, que já consegue pressentir a história do ser, mesmo que isso só aconteça sob a figura de uma penúria essencial, que abala tudo aquilo que é verdadeiro e efetivamente real de maneira desprovida de sons e consequências.

  1. Cf. anotações marginais (b) na p. 374.[]
  2. Cf. O princípio de razão, 1957.[]
  3. Quanto à “clareira”, cf. A determinação da coisa do pensamento, 1964-1965.
    A ἀλήθεια não tem, pensada em seu impensado como a clareira do abrigo que se encobre no sentido do acontecimento apropriativo, nada em comum com a “verdade”.
    Por que, porém, ο άληθές passa a pertencer ao λόγος, à ὀρϑότης? O uso equívoco da palavra “verdade” para a clareira já visualizada no “aí” do ser-aí (Ser e tempo)?[]
  4. Cf. Caminhos da floresta, Anaximandro.[]