GA66:15 – Formas da relação com a Filosofia

Casanova

Por isto, carece-se de um exame meditativo sobre as formas dominantes da relação com a filosofia. Nós temos:

1) A assunção historiológica de uma filosofia mais antiga (Kant, Hegel, Tomás de Aquino, Nietzsche) e a equiparação dessa filosofia com a situação do tempo vista de maneira a cada vez diversa. O “ponto de vista” e o “princípio” das filosofias assumidas são “defendidos” com forças intelectivas dotadas de graus diversos, na maioria das vezes modificados e mesmo enriquecidos por meio de uma apresentação e de uma aplicação conforme à época. Isto, contudo, acontece:

a) para continuar promovendo a “filosofia” como um “bem cultural” tradicional por meio da ocupação erudita com ela;

b) para aplicá-la como meio de defesa, de ampliação, de preparação pensante de uma postura marcada pela crença;

c) para ter em mãos com ela o meio de clarificação moralmente pessoal e ao mesmo tempo um armazenamento de pontos de vista e aspectos da interpretação e ordenação do “mundo” e da “vida”.

Nós temos em seguida:

2) O cômputo historiológico da filosofia que é historiologicamente legada sem preferência expressa, decidida e fundamentada de um pensar em particular. A intenção aponta aqui para:

a) a tentativa de estabelecer por meio do cálculo uma filosofia nova e historiologicamente mais abrangente: uma estranha “objetividade” considera aqui “valiosas” coisas a cada vez diversas no “ideário” dos pensadores particulares;

b) o fomento da “filosofia em si” e de seu “progresso científico”. O que se mostra aí como diretriz é a representação de que acima dos acasos “temporais” dos pensadores particulares e de seus pontos de vista inevitáveis paira e se tece uma filosofia “em si” na qual, com uma eliminação pertinente e oportuna dos erros, tudo “o que é correto” poderia ser com o tempo coligido.

Aquela assunção historiológica de determinadas filosofias particulares e esse cômputo historiológico de todas as filosofias até aqui podem ser sintetizados como o procedimento filosófico da erudição característica da filosofia que é usual em todos os países “civilizados” e que é exercitado sobretudo nas escolas de terceiro grau e nas escolas superiores. A partir desse procedimento aproxima-se, então, a excrescência do “filosofar mais livre” e, conforme à época, um filosofar que serve a uma literatice diária e que toma a “atualidade” como critério de escolha e modo de tratamento dos “problemas”. O termo “problema” é considerado aqui como um termo para designar questões que não são questão alguma. Nós temos além disto:

3) A recusa da filosofia, por um lado porque ela é considerada inútil, uma vez que não consegue nem proporcionar imediatamente conhecimentos científicos, nem ocupar o seu lugar no mais mínimo que seja; em seguida, porque ela obstrui e perturba como mera “reflexão” o curso direto e vivaz da vontade de conhecer; por fim, contudo, porque, como terreno de cultivo do afã por duvidar, ela é considerada perigosa. Chegando até a forma do simples passar ao largo da filosofia, esta repulsa pela filosofia é, na maioria das vezes, mais séria do que o zelo dos negócios da erudição filosófica. Na maioria das vezes, a rejeição provém dos pontos de vista da crença religiosa, política e artística. Torna-se conhecimento, por vezes chega-se até mesmo a registrar a ocorrência histórica da filosofia como uma curiosidade historiológica, a fim de advertir contra a filosofia, uma advertência na qual a referência à mudança constante dos pontos de vista e ao caráter contraditório dos resultados é transformada em um meio particularmente impressionante de produzir aversão.

Além disto, temos:

4) A indiferença em relação à filosofia. Essa indiferença prospera preponderantemente no interior da erudição filosófica, mas também lá onde campos de tarefas dotados de uma importância vital (a técnica, a economia, as ciências e, por fim, o “funcionamento cultural” geral) requisitam exclusivamente o cálculo e a atuação do homem. Aqui nem se desperta o esforço por uma decisão filosófica, nem se chega a uma recusa e a uma tomada de posição em relação à filosofia. Os grandes pensadores, isto é, os dias de seu nascimento e morte, tornam-se no máximo por vezes uma ocasião completamente “facultativa” para a realização de jubileus, nos quais a única coisa propriamente festejada é o fato de que ainda não esquecemos dessas datas. Assim, posso nomear alguns “festejos” dentre estes que aconteceram nos últimos tempos. Apesar de toda pesquisa maximamente zelosa, não se consegue ver o que os festejos em torno de Hegel de 1931 e o congresso Descartes de 1937 trouxeram de essencial para a filosofia além de uma ratificação mútua de todos os envolvidos no funcionamento da filosofia.

Por fim, temos:

5) Tudo isto — assunção historiológica de cômputos particulares, historiológicos de todas as filosofias, a rejeição à filosofia, a indiferença explícita ou velada em relação a ela — misturado, de tal modo que preponderaria de maneira arbitrária e intangível em seus fundamentos ora uma, ora outra “postura”. O predomínio desta mescla, na qual todo escritor e orador pode se anunciar, se esconder e contribuir para o aumento da “literatura”, é a marca distintiva da ausência de meditação. Este estado de coisa vale para a Europa não menos do que para a América e o Japão. Não conseguimos desvendar hoje a essência de uma tal ausência planetária de meditação, diante da qual pontos de vista marcados por crenças políticas e religiosas são apenas um desvio, mas não um domínio. Seria fatídico se quiséssemos simplesmente colocar de lado esse estado de coisas mundial como algo iníquo, como decadência e incapacidade. E ainda mais equivocada seria a opinião de que se poderia afastar da noite para o dia esse estado de coisas na época da impotência e da falta de vontade para a palavra essencial por meio da publicação de um “livro”.

Boutot

Emad & Kelly

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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