GA65:76 – ciência

1) A “ciência” precisa sempre ser compreendida no sentido moderno. A “doutrina” medieval e o “conhecimento” grego são fundamentalmente diversos dela, ainda que eles determinem concomitantemente aquilo que conhecemos hoje como “ciência” e aquilo que podemos apenas empreender também de acordo com a nossa situação histórica.

2) De acordo com isso, “a ciência” mesma não é nenhum saber (n. 23) no sentido da fundação e da conservação de uma verdade essencial. A ciência é uma instituição derivada de um saber, isto é, a abertura maquinacional de uma esfera de correções no interior da região de uma verdade de resto velada, que não é de modo algum questionável para a ciência (sobre a “natureza”, a “história”, o “direito”, por exemplo).

3) O que é cognoscível “cientificamente” é a cada vez previamente dado “para a ciência” em uma “verdade”, ela mesma nunca concebível pela ciência, uma verdade que concerne à região conhecida do ente. O ente se encontra presente como região para a ciência; trata-se de um positum, e cada ciência é em si ciência “positiva” (mesmo a matemática).

4) Nunca há de modo algum e em parte alguma, portanto,“a” ciência, por exemplo, tal como “a arte” e “a filosofia”, que são sempre a cada vez em si o que elas são, que são essencial e plenamente quando elas são historicamente. “A ciência” é apenas um título formal, que exige para a sua compreensão essencial que a fragmentação institucional que pertence à ciência em ciências particulares, ou seja, que se particularizam, seja copensada. Assim, como toda e qualquer ciência é “positiva”, elas também precisam ser ciências “particulares”.

5) A “especialização” não é, por exemplo, um fenômeno de decadência e de degeneração “da” ciência, nem tampouco apenas um mal inevitável enquanto consequência do progresso e da inabarcabilidade, da divisão do trabalho, mas uma consequência interna necessária de seu caráter enquanto ciência particular e uma condição inalienável de sua consistência, isto é, sempre de seu progresso. Onde reside o fundamento propriamente dito da desintegração? Na entidade enquanto representidade.

6) Toda ciência, mesmo a assim chamada ciência “descritiva”, é explicativa: o desconhecido da região é reconduzido em diversos modos de ser e amplitudes da recondução a algo conhecido e compreensível. A prontidão das condições explicativas é a investigação.

7) Conforme esse elemento compreensível e a pretensão de compreensibilidade da ciência particular sejam de antemão determinados, o nexo da explicação é configurado e demarcado como a cada vez suficiente (por exemplo, a explicação de um quadro em um aspecto fisico-químico; a explicação de sua objetividade em um aspecto fisiológico-psicológico; a explicação da “obra” em um aspecto “histórico” e a explicação em um aspecto “artístico”).

[HEIDEGGER, Martin. Contribuições à Filosofia (Do Acontecimento Apropriador). Tr. Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Via Verita, 2014, §76]