GA65:61. Maquinação

Casanova

61. Maquinação1

No significado usual, o nome para um tipo “mau” de procedimento humano e de urdidura de tal procedimento.

No nexo da questão do ser, não deve ser designado, com isso, um comportamento humano, mas um (124) tipo de essenciação do ser. Mesmo o tom ressonante do desprezível precisa ser afastado, ainda que a maquinação favoreça a inessência do ser. Mas mesmo essa inessência nunca pode ser colocada em uma relação de depreciação, uma vez que ela é essencial para a essência. Ao contrário, o nome deve apontar imediatamente para o fazer 2 (poesis, techne), o que nós conhecemos, em verdade, como comportamento humano. A questão é que justamente isso só é possível com base em uma interpretação do ente, na qual a factibilidade do ente vem à tona, de tal modo, em verdade, que a entidade se determina precisamente na constância e na presentidade. O fato de algo se fazer por si mesmo e, consequentemente, também ser factível para um procedimento correspondente, o fazer-se-por-si-mesmo é a interpretação realizada a partir da techne e de seu círculo de visão da physis, de tal modo que, então, já se faz valer a preponderância no factível e no que se faz (cf. a relação entre idea e techne), o que em suma seria chamado de maquinação. A questão é que, no tempo do primeiro início, uma vez que se chega à despotencialização da physis, a maquinação ainda não vem à tona em sua plena essência. Ela permanece encoberta na presentidade constante, cuja determinação alcança na entelechia o aguçamento máximo no interior do pensar grego inicial. O conceito medieval de actus encobre já a essência inicialmente grega da interpretação da entidade. Está em conexão com isso o fato de que, então, o elemento maquinal se impõe mais claramente e, por meio da inserção em jogo da ideia judaico-cristã da criação e da representação correspondente de Deus, o ens se transforma em ens creatum. Ainda que uma interpretação tosca da ideia de criação fracasse, permanece de qualquer modo essencialmente o ser causado do ente. O nexo de causa e efeito se transforma no nexo que a tudo domina (Deus como causa sui). Isso é um distanciamento essencial da physis e, ao mesmo tempo, a passagem para o vir à tona da maquinação como a essência da entidade no pensamento moderno. O modo de pensar mecanicista e o (125) modo de pensar biológico são sempre apenas consequências da interpretação maquinal velada do ente.

A maquinação como essenciação da entidade dá um primeiro aceno para o cerne da verdade do próprio seer. Nós sabemos muito pouco sobre ela. Apesar disso, ela impera inteiramente sobre a história do ser da filosofia ocidental até aqui, de Platão até Nietzsche.

Parece ser uma lei da maquinação, cujo fundamento ainda não foi investigado, o fato de que ela, quanto mais normativamente ela se desdobra — assim na Idade Média e na Modernidade —, tanto mais tenaz e maquinacionalmente ela se encobre enquanto tal; na Idade Média por detrás do ordo e da analogia entis, na Modernidade por detrás do caráter do que se encontra contraposto e da objetividade como as formas fundamentais da realidade efetiva e, com isso, da entidade.

E com essa primeira lei da maquinação está articulada uma segunda: quanto mais decididamente desse modo a maquinação se encobre, tanto mais ela impele ao predomínio daquilo que, segundo sua essência, parece ser completamente contraposto a ela, mas que, contudo, possui a mesma essência que ela, a vivência (cf. em “A ressonância” tudo se transforma em vivência).

Assim, insere-se uma terceira lei: quanto mais incondicionadamente a vivência se mostra como medida da correção e da verdade (e, com isso, da “realidade efetiva” e da constância), tanto mais sem perspectivas se torna o fato de que, a partir daí, se realize um conhecimento da maquinação enquanto tal.

Quanto mais desprovido de perspectivas se torna esse desentranhamento, tanto mais inquestionado se torna o ente, tanto mais decidida a má vontade em relação à questionabilidade do seer.

A maquinação mesma e, uma vez que ela é a essenciação do seer, o seer mesmo se subtraem.

O que aconteceria, porém, se a partir de todo esse elemento aparentemente apenas prejudicial que fracassa, emergisse um olhar completamente diverso da essência do seer e o seer mesmo se desentranhasse como a recusa ou fosse de qualquer modo colocado em ressonância? (126)

Se maquinação e vivência são denominadas juntas, isso aponta para o pertencimento essencial das duas uma à outra, mas encobre ao mesmo tempo uma não coetaneidade igualmente essencial no interior do “tempo” da história do seer. A maquinação é a inessência primeva, mas ainda por longo tempo velada, da entidade do ente. Mas mesmo se ela vier à tona em determinadas figuras, tal como na Modernidade, e ganhar a esfera pública da interpretação do ente, ela não é conhecida enquanto tal ou mesmo concebida. Ao contrário, a expansão e a fixação de sua inessência se realiza no fato de que a maquinação se retrai expressamente por detrás daquilo que parece ser a sua contraparte extrema e que permanece de qualquer modo completamente e apenas o produto do seu fazer. E isso é a vivência.

A copertinência das duas só é concebida a partir do retorno à sua mais ampla dissincronia e a partir da dissolução da aparência de sua mais extrema oposicionalidade. Se a meditação pensante (como questão acerca da verdade do seer e apenas como essa questão) alcança o saber acerca dessa copertinência, então o traço fundamental da história do primeiro início (a história da metafísica ocidental) já é concebido a partir do saber do outro início. Maquinação e vivência apontam formalmente para a concepção mais originária da fórmula para a questão diretriz do pensamento metafísico: entidade (ser) e pensamento (como con-ceber re-presentativo). (p. 124-127)

Muñoz

Emad & Maly

Original

  1. Cf. A ressonância, 70 e 71. O gigantesco.[↩]
  2. Em alemão, o termo Machenschaft é derivado diretamente do verbo nachen (fazer) e significa o mesmo que fazeção. O que Heidegger faz acima, nesse sentido, é apenas explicitar o componente etimológico do termo. (N. T.)[↩]
  3. Cfr. La resonancia, 70. y 71. Lo titánico[↩]
  4. Cf. Echo, 70 and 71: The Gigantic.[↩]
  5. vgl. Der Anklang, 70. und 71. Das Riesenhafte[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

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