GA65:276 – a linguagem

Casanova

A linguagem emerge do seer e pertence, por isso, a ele. Assim, tudo reside uma vez mais no projeto e no pensamento “do” seer. Mas agora precisamos pensar o seer de tal modo que nos lembremos aí ao mesmo tempo da linguagem. Mas como é que devemos agora conceber “a linguagem”, sem nos atermos antecipadamente à determinação da essência que precisa ser primeiro conquistada? Segundo tudo aquilo que foi insinuado, naturalmente de tal modo que a linguagem se torne experimentável em sua ligação com o seer. Como é, porém, que isso acontece? “A” linguagem é “nossa” linguagem; “nossa” não apenas como a linguagem materna, mas como a linguagem de nossa história. E, com isso, se abate sobre nós o que há de derradeiramente questionável da meditação sobre “a” linguagem.

Nossa história – não como o transcurso historiologicamente conhecido de nossos envios destinamentais e de nossas realizações, mas nós mesmos no instante de nossa ligação com o seer. Pela terceira vez caímos no abismo dessa ligação. E, dessa vez, não sabemos nenhuma resposta. Pois toda meditação sobre o seer e sobre a linguagem é apenas um impulso prévio, para tocarmos nosso “posto” no próprio seer e, com isso, nossa história. Mas mesmo se nós quisermos apreender nossa linguagem em sua ligação com o seer, o que há de mais corrente da determinação metafísica até aqui da linguagem se aferroa a esse questionamento, uma determinação da qual também não pode ser dito francamente que ela seria inteiramente não verdadeira; e isso sobretudo porque ela, porém, ainda que veladamente, tem em vista precisamente a linguagem em sua ligação com o seer (com o ente enquanto tal e com o homem que representa e pensa o ente). Bem próximo do caráter enunciativo da linguagem (enunciado considerado (485) aqui no sentido mais amplo possível, no sentido de que a linguagem, o dito e o não dito, visa a, representa, configura ou encobre de maneira representacional algo (o ente) etc.) é a linguagem conhecida como posse e como instrumento do homem e como “obra” ao mesmo tempo. Esse nexo da linguagem com o homem, porém, é considerado como sendo tão íntimo que até mesmo as determinações fundamentais do próprio homem (como animal rationale por sua vez) são escolhidas para tanto, a fim de caracterizar a linguagem. A essência espiritual-corpóreo-anímica do homem é reencontrada na linguagem. O corpo (vernáculo) da palavra, a alma da linguagem (tonalidade afetiva, tom sentimental e coisas do gênero) e o espírito da linguagem (o representado-pensado) são determinações correntes de toda filosofia da linguagem. Essa interpretação da linguagem poderia ser denominada interpretação antropológica e ela tem seu ápice no fato de se ver na própria linguagem um símbolo da essência do homem. Se aqui a questionabilidade da ideia de símbolo (um filho autêntico do impasse em relação ao seer que vigora na metafísica) é recolocada, então o homem precisaria ser concebido de acordo com isso como aquele ser que tem sua essência em seu próprio símbolo ou na posse desse símbolo (λόγον ἔχον). Permanece em aberto até que ponto essa interpretação simbólica – pensada metafisicamente até o fim – da linguagem pode ser levada no pensar da história do ser para além de si e até que ponto algo frutífero pode nascer daí. É inegável que, juntamente com aquilo que fornece na linguagem o apoio para o fato de que ela pode ser concebida como símbolo do homem, se toca em algo que é de algum modo próprio à linguagem: o teor da palavra e a sua casca, a afinação da palavra e o significado da palavra, por mais que já pensemos uma vez mais no campo de visão dos aspectos que emergem da metafísica com vistas ao sensível, ao não sensível e ao suprassensível; e isso mesmo que não tenhamos em vista pela “palavra” as palavras particulares, mas o dizer e o silenciar do dito e não dito e esse não dito mesmo. A casca da palavra também pode ser reconduzida a elementos da constituição anatômico-fisiológica do corpo humano e explicada a partir daí (486) (fonética – acústica). Algo desse gênero é a afinação da palavra e a melodia da palavra, assim como o acento sentimental do dizer é objeto da explicação psicológica e o significado da palavra é uma questão da decomposição lógico-poético-retórica. A dependência dessa explicação e decomposição da linguagem em relação à concepção do homem é patente.

Se, então, porém, com a superação da metafísica, a antropologia também cai por terra, se a essência do homem é determinada a partir do seer, então aquela explicação antropológica da linguagem não pode mais permanecer normativa; ela perde aí seu fundamento. Não obstante, agora permanece até mesmo em pleno poder aquilo que foi captado como corpo, como alma, como espírito da linguagem junto a essa explicação. O que é isso? Pensando de maneira correspondente à história do ser, não podemos proceder agora simplesmente de um modo tal, que interpretemos a essência da linguagem a partir da determinação do homem em termos da história do ser? Não; pois sempre permanecemos com isso ainda presos na ideia de símbolo; antes de tudo, no entanto, não se estaria levando a sério assim a tarefa de ver a partir da essenciação do próprio seer a origem da linguagem.

Muñoz

Fédier

Emad & Maly

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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