GA65:173 – ser-aí / Da-sein

Casanova

O ser-aí é a crise entre o primeiro e o outro início. Isso quer dizer: segundo o nome e a coisa mesma, ser-aí significa, na história do primeiro início (isto é, na história conjunta da metafísica), algo essencialmente diverso do que no outro início.

Na metafísica, “ser-aí” (existência) é o nome para designar o modo como o ente é efetivamente essente. Assim, ele tem em vista o mesmo que o ser presente à vista, interpretado mais originariamente em um passo determinadamente dirigido: presentidade. Essa caracterização do ente pode ser até mesmo repensada com vistas à denominação do primeiro início, com vistas à physis e à aletheia que a determina. Com isso, o nome ser-aí recebe completamente o conteúdo autêntico do primeiro início: emergindo a partir de si desveladamente se essenciar (aí). Atravessa toda a história da metafísica, porém, o hábito não casual de transpor o nome para o modo da realidade efetiva do ente para esse ente mesmo, visando com o ser-aí ao “ser-aí”, ao próprio ente presente à vista completamente real e efetivo. Ser-aí é, assim, apenas a boa tradução alemã de existentia, o emergir a partir de si e se encontrar fora de si do ente, presentar-se a partir de si (em meio ao esquecimento crescente da aletheia).

De maneira corrente, “ser-aí” não significa nada além disso. E pode-se falar de acordo com isso do ser-aí coisal, animal, humano, temporal.

Completamente diferente disso é o significado e a coisa em jogo na palavra ser-aí no pensar do outro início, tão diverso que não há nenhuma transição mediadora daquele primeiro uso para o outro.

O ser-aí não é o modo da realidade efetiva de qualquer ente, mas é ele mesmo o ser do aí. O aí, porém, é a abertura do ente enquanto tal na totalidade, o fundamento da aletheia mais originariamente pensada. O ser-aí é um modo de ser, que, na medida em que ele “é” o aí (por assim dizer de maneira ativa e transitiva), é de acordo com esse ser insigne e como esse ser mesmo um ente de um tipo único (o essenciante da essenciação do seer).

O ser-aí é o fundamento que propriamente se funda da aletheia da physis, a essenciação daquela abertura, que reabre pela primeira vez o encobrir-se (a essência do seer) e que, assim, se mostra como a verdade do próprio seer.

O ser-aí no sentido do outro início, que pergunta sobre a verdade do seer, nunca tem como ser alcançado como o caráter do ente que vem ao encontro e se mostra como presente à vista; mas também não como o caráter do ente, que deixa tal ente se tornar um objeto e se encontrar em relações com ele; o ser-aí também não é nenhum caráter do homem, como se por assim dizer só o nome que se estendia a todo ente fosse restrito ao papel de designação para o ser presente à vista do homem.

Não obstante, o ser-aí e o homem se encontram em uma ligação essencial, na medida em que o ser-aí significa o fundamento da possibilidade do ser humano futuro e o homem é futuramente, na medida em que ele assume ser o aí, contanto que ele se conceba como o guardião da verdade do seer, guarda essa que está indicada como o “cuidado”. “Fundamento da possibilidade” é ainda dito metafisicamente, mas é pensado a partir do pertencimento insistente e abissal.

O ser-aí no sentido do outro início é o que nos é ainda completamente estranho, aquilo que nós nunca encontramos previamente dado, que só podemos ressaltar no salto para o interior da fundação da abertura do que se encobre, daquela clareira do seer, na qual o homem futuro precisa se colocar, para mantê-la aberta.

A partir do ser-aí nesse sentido, o ser-aí se torna pela primeira vez “compreensível” como presentidade do ente presente à vista, isto é, a presentidade se revela como uma apropriação determinada da verdade do seer, junto à qual a atualidade experimentou um privilégio determinadamente interpretado em face do sido e do por vir (fixado no caráter do que se encontra contraposto, objetividade para o sujeito).

O ser-aí como a essenciação da clareira do que se encobre pertence a esse encobrir-se mesmo, que se essencia como o acontecimento apropriador.

Todos os âmbitos e aspectos da metafísica fracassam aqui e precisam fracassar, se é que o ser-aí deve ser concebido de maneira pensante. Pois a “metafísica” pergunta a partir do ente (na interpretação inicial e, isto significa, derradeira da physis) acerca da entidade e deixa a verdade dessa entidade, isto é, a verdade do seer necessariamente sem ser questionada. A própria aletheia é a primeira entidade do ente, e mesmo essa entidade permanece inconcebida.

No uso até aqui e no uso ainda corrente, ser-aí designa o mesmo que estar presente à vista aqui e lá, ocorrer em um onde e em um quando.

No outro significado futuro, o “ser” não tem em vista ocorrência, mas suportabilidade insistente como fundação do aí. O aí não significa um aqui e um lá de algum modo determinável a cada vez, mas sim a clareira do seer mesmo, cuja abertura só arranja o espaço para cada aqui e lá possível e o erigir do ente em uma obra, um ato e um sacrifício históricos.

O ser-aí é a suportabilidade insistente da clareira, isto é, da livre, desprotegida, pertinência ao aí, no qual o seer se encobre.

A suportabilidade insistente da clareira do encobrir-se é assumida na determinação de uma busca, de um cuidado e de uma guarda do homem, que se apropria do ser em meio ao acontecimento, que se sabe pertinente ao ser como a essenciação do seer. (GA65MAC:288-291)

Pinotti

Emad & Maly

Rojcewicz & Vallega-Neu

Original

  1. Véase nota en p. 114 de esta edición. (N. de la T.)[↩]
  2. Unhyphenated, an ordinary German term meaning “existence.” It refers to the fact that (daß) something is (Sein). Heidegger says here that the term came to be extended to the thing that has existence and thus with the definite article (das Dasein) can mean “entity,” any existent being. Heidegger proceeds in the following paragraphs to distinguish from this his own hyphenated term Da-sein. When Heidegger uses Existenz, another term for “existence,” the German word will always be indicated in brackets.—Trans.[↩]
Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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