Geschichte des Seyns
Em verdade, quase não é possível se aproximar da essência da decisão pensada em termos da HISTÓRIA DO SEER, sem partir de qualquer modo de nós, do homem, e sem pensar em meio à “decisão” em escolha, resolução, em privilegiar uma coisa e em preterir uma outra e, por fim, sem se deparar com a liberdade enquanto causa e faculdade e sem compelir a questão acerca da decisão para o cerne do “elemento moral e antropológico”, sim, até mesmo sem conceber de maneira nova esse elemento com o auxílio da “decisão”, no sentido da decisão “existenciária”. (tr. Casanova; GA65: 43)
A expressão também não significa, porém, o seer “verdadeiro”, por exemplo, mesmo no significado obscuro, que visa ao ente “verdadeiro”, veraz, efetivo. Pois já se pressupõe aqui uma vez mais um conceito de “realidade efetiva” e já se subsume esse conceito ao seer como critério de medida, enquanto o seer não empresta apenas, contudo, ao ente o que ele é, mas desdobra antes de tudo para si mesmo a partir de sua essência a verdade que lhe é apropriada. Essa verdade do seer não é de modo algum algo diverso do seer, mas a sua essência mais própria, e, por isso, cabe à HISTÓRIA DO SEER saber se ele doa ou recusa essa verdade e a si mesmo e, assim, traz pela primeira vez para a sua história o elemento abissal. O aceno para o fato de que os conceitos correntes de “verdade” e a não diferenciação corrente entre “ser” e “ente” conduzem a uma interpretação falsa da verdade do seer e, antes de tudo, já sempre pressupõem essa interpretação, pode se desfigurar, no entanto, ele mesmo, induzindo-nos em erro, se ele puder admitir a conclusão: o que se precisaria fazer, então, seria apenas enunciar os “pressupostos” inexpressos, como se pressupostos fossem apreensíveis, sem que o posicionado enquanto tal fosse concebido. O retorno a “pressupostos” e “condições” tem no interior do ente e da interpretação do ente com vistas à sua entidade no sentido da representidade (e já da idea) um sentido e um direito, e ele se tornou, por isto, em múltiplas modulações, a forma fundamental do pensamento “metafísico”; e isto a tal ponto que mesmo a superação da “metafísica” não pôde escapar de um entendimento inicial desse modo de pensar. (tr. Casanova; GA65: 44)
Abandono do seer é, no fundo, uma de-generescência do seer. A essência é perturbada e só ganha a verdade como correção da re-presentação – noein – dianoein – idea. O ente permanece o que se presenta, e propriamente ente é o constantemente presente e, assim, o que a tudo con-diciona, o in-condicionado, o ab-soluto, ens entium, Deus etc. Todavia, que acontecimento de que história é esse abandono? Há uma HISTÓRIA DO SEER? E o quão raramente e quase nunca ela vem encoberta à luz? (tr. Casanova; GA65: 55)
Se maquinação e vivência são denominadas juntas, isso aponta para o pertencimento essencial das duas uma à outra, mas encobre ao mesmo tempo uma não coetaneida.de igualmente essencial no interior do “tempo” da HISTÓRIA DO SEER. A maquinação é a inessência primeva, mas ainda por longo tempo velada, da entidade do ente. Mas mesmo se ela vier à tona em determinadas figuras, tal como na Modernidade, e ganhar a esfera pública da interpretação do ente, ela não é conhecida enquanto tal ou mesmo concebida. Ao contrário, a expansão e a fixação de sua inessência se realiza no fato de que a maquinação se retrai expressamente por detrás daquilo que parece ser a sua contraparte extrema e que permanece de qualquer modo completamente e apenas o produto do seu fazer. E isso é a vivência. (tr. Casanova; GA65: 61)
24) A questão é que o grande deslocamento abismado só surge do saber essencial, que se encontra no outro início, nunca a partir da impotência e da mera perplexidade. O saber, porém, é a insistência na questionabilidade do seer, que guarda, assim, a sua dignidade única no fato de que ele só se doa de maneira bastante rara na recusa como o acontecimento apropriador velado do passar ao largo da decisão sobre a chegada e a fuga dos deuses no ente. Que homem por vir funda esse instante do passar ao largo para o início de uma outra “era”, quer dizer: uma outra HISTÓRIA DO SEER? A dissolução e a junção das faculdades científicas de sustentação. As ciências dos espírito historiológicas transformam-se em ciências da imprensa. As ciências naturais transformam-se em ciência de máquinas. “Jornal” e “máquina” são visados no sentido essencial como modos em constante avanço da objetivação definitiva (que impele, no que concerne aos tempos modernos, para a consumação), que suga para si toda a materialidade do ente, só deixando esse ente mesmo se mostrar como o que dá ensejo à vivência. Por meio desse primado do procedimento na instituição e na preparação, os dois grupos de ciência se encontram em acordo com vistas ao essencial, isto é, o seu caráter de funcionamento. Esse “desenvolvimento” da ciência moderna em sua essência só é visível hoje para poucos e será recusado pela maioria como não estando presente. Ele também não se deixa comprovar por fatos, mas só tem como ser concebido a partir de um saber sobre a história do ser. Muitos “pesquisadores” ainda imaginarão a si mesmos como pertencendo às tradições comprovadas do século 19. Um número igualmente grande de outros pesquisadores, em ligação com seus objetos, ainda encontrarão novos enriquecimentos e novas satisfações em termos de conteúdos e talvez os façam valer ainda em termos doutrinários, mas tudo isso não demonstra nada contra o primado, no qual a instituição conjunta chamada “ciência” está inserida de maneira irrevogável. A ciência não apenas jamais terá condições de se libertar daí, mas ela nunca irá querer antes de tudo também a libertação, e, quanto mais ela progride, menos pode querer. Antes de tudo, porém, esse primado também não é, por exemplo, um fenômeno da universidade atual alemã, mas ele diz respeito a tudo aquilo que, em um lugar e em um momento quaisquer, futuramente, irá querer ainda ter concomitantemente voz. Se formas de instituição até aqui e anteriores ainda se mantiverem aí por um longo tempo, então elas ainda se tornarão algum dia apenas de maneira mais decidida aquilo que ocorreu por detrás de sua proteção aparente. (tr. Casanova; GA65: 76)
Meditações históricas têm o fundamento de sua re-alizabilidade no pensar da HISTÓRIA DO SEER. O que acontece, porém, se a essência do pensar tiver se perdido para nós e se a lógica tiver sido eleita para dispor do “pensamento”, onde ela mesma, porém, é um resíduo apenas da impotência do pensamento, isto é, do questionamento desprovido de Apolo e de proteção no abismo da verdade do ser? O que acontece, contudo, se “pensar” não for outra coisa senão ter validade como o concluir infalível no representar correto de objetos, como o desvio ante aquele questionamento? (tr. Casanova; GA65: 82)
A transição para o outro início está decidida e, contudo, não sabemos para onde estamos indo, quando a verdade do seer se tornará o verdadeiro e a partir de onde a história enquanto HISTÓRIA DO SEER tomará a sua via mais íngreme e mais curta. Como transitórios dessa transição, nós precisamos atravessar uma meditação essencial na própria filosofia, para que ela conquiste o início, a partir do qual ela, sem necessidade de nenhum Apolo, poderá ser uma vez mais completamente ela mesma. (tr. Casanova; GA65: 89)
(A HISTÓRIA DO SEER) Com o despontar da prontidão para a transição do fim do primeiro início para o interior do outro início, o homem não entra apenas, por exemplo, em um “período” que ainda não tinha se dado, mas ele entra antes em um âmbito completamente diverso da história. O fim do primeiro início ater-se-á ainda por um longo tempo à transição, sim, até mesmo ao outro início. (tr. Casanova; GA65: 116)
Por mais certamente que a história do fim prossiga e, medida a partir dos dados presentes, por mais que ela se mostre mais “viva” e “mais rápida” e confusa do que nunca, a própria transição permanecerá o que há de mais questionável e antes de tudo o que há de mais desconhecido. O homem, em pequeno número e sem conhecer a si mesmo, se preparará em meio ao campo de jogo temporal do ser-aí e se reunirá em uma proximidade com o seer, proximidade essa que precisa permanecer estranha para todos aqueles que se encontram “próximos da vida”. A HISTÓRIA DO SEER conhece em longos espaços de tempo, que são para ela apenas instantes, acontecimentos apropriadores raros. Os acontecimentos apropriadores enquanto tais: o remetimento da verdade ao seer, a precipitação da verdade, a solidificação de sua inessência (da correção), o abandono do ser do ente, a entrada do seer em sua verdade, o atiçar do fogo da lareira (da verdade do seer) como o sítio solitário do passar ao largo do último deus, o reluzir da unicidade única do seer. Enquanto a destruição do mundo até aqui enquanto autodestruição alardeia em meio ao vazio o seu triunfo, a essência do seer se reúne em sua mais elevada vocação: enquanto acontecimento da apropriação do âmbito de decisão sobre a divindade dos deuses, apropriar-se do fundamento e do campo de jogo temporal, isto é, do ser-aí, na unicidade de sua história. (tr. Casanova; GA65: 116)
O pensar. O visar do ser. O ser e a diferenciação em relação ao ente. O projeto do seer. O re-pensar do seer. A essenciação do seer. A história. O ser-aí. A linguagem e a saga. O “ente”. A questão transitória (por que é em geral o ente e não antes o nada?) A HISTÓRIA DO SEER. O ponto de vista da HISTÓRIA DO SEER. O incalculável. (tr. Casanova; GA65: 257)
A concepção agora e futuramente essencial do conceito de filosofia (e, com isso, também a determinação prévia da conceptualidade de seu conceito e de todos os seus conceitos) é a concepção histórica (não uma concepção historiológica). “Histórico” significa aqui: pertencente à essenciação do seer mesmo, inserido na indigência da verdade do seer e, assim, ligado à necessidade daquela decisão, que dispõe em geral sobre a essência da história e sua essenciação. De acordo com isso, a filosofia é agora pela primeira vez preparação da filosofia sob o modo da edificação dos átrios mais imediatos, em cuja estrutura espacial a palavra de Hölderlin se torna audível, tendo a resposta por meio do ser-aí e em tal resposta tendo sido fundada como a língua do homem por vir. Assim, pela primeira vez, o homem entra na próxima vereda lenta em direção ao seer. A unicidade de Hölderlin em termos da HISTÓRIA DO SEER precisa ser fundada anteriormente e toda comparação marcada por uma historiologia da “literatura” e da poesia, todo julgamento e gozo “estéticos”, toda avaliação “política” precisam ser superados, para que os instantes dos “criadores” conservem seu “tempo” (Cf. Reflexões VI, VII, VIII). (tr. Casanova; GA65: 258)
A determinação histórica da filosofia tem seu ápice no conhecimento da necessidade de criar a escuta para a palavra de Hölderlin. O poder ouvir corresponde a um poder dizer, que fala a partir da questionabilidade do seer. Pois isso é o mínimo que pode ser realizado para a preparação do espaço da palavra. (Se é que tudo não foi invertido ainda e transformado no elemento “científico” e “historiológico-literário”, seria preciso dizer: uma preparação do pensamento para a interpretação de Hölderlin precisa ser criada. “Interpretação” com certeza não tem em vista aqui tornar “compreensível”, mas sim fundar o projeto da verdade de sua poesia na meditação e na tonalidade afetiva, nas quais o ser-aí por vir vibra) (cf Reflexões VI e VII Hölderlin). Essa caracterização histórica da essência da filosofia a concebe como pensar do seer. Esse pensar nunca pode fugir para o interior de uma figura do ente e experimentar nela toda a luz do simples a partir da riqueza reunida de sua obscuridade estruturada em suas junções. Esse pensar também não tem como seguir jamais a dissolução em meio ao amorfo. Esse pensar precisa capturar em um ponto aquém da distinção entre figura e ausência de figura (o que só se dá no ente), no abismo do fundamento da figura, o ímpeto de jogada de seu caráter de jogado e suportá-lo no aberto do projeto. O pensar do seer precisa pertencer ao que tem de ser pensado mesmo de uma maneira completamente diversa de todo e qualquer ajuste em relação ao elemento objetivo porque o seer não tolera a própria verdade como suplemento e como algo trazido para junto de si, mas “é” ele mesmo a essência da verdade. A verdade, aquela clareira do encobrir-se, em cujo aberto os deuses e o homem são apropriados em meio ao acontecimento para a sua contra-posição, abre ela mesma o seer como história. Nós talvez precisemos pensar essa história, se é que devemos aprontar o espaço que em seu tempo precisa resguardar em ressonância a palavra de Hölderlin, que denomina uma vez mais os deuses e o homem; e isso para que essa ressonância afine aqueles tonalidades afetivas fundamentais, que determinam o homem por vir em meio à guarda da indigencialidade dos deuses. Essa caracterização da filosofia em termos da HISTÓRIA DO SEER carece de uma explicitação, que auxilie o surgimento de uma lembrança do pensar até aqui (a metafísica), mas retransporte ao mesmo tempo o porvir para o interior da copertinência histórica. (tr. Casanova; GA65: 258)
A diferenciação toma a essência da metafísica conjuntamente com vistas ao acontecimento decidido nela, mas nunca decidido nem tampouco decidível por ela, suporta a história velada da metafísica (não a historiologia das opiniões doutrinárias metafísicas), passando para a HISTÓRIA DO SEER, e volta essa história para o espaço efetivo do primeiro início do pensar ocidental do ser, que porta o nome de “filosofia”, cujo conceito se transforma sempre de acordo com o modo e com o caminho do questionamento acerca do ser. (tr. Casanova; GA65: 258)
Na transição da questão do ser metafísica para a questão do ser por vir, é preciso sempre pensar e questionar de maneira transitória. Com isso, a possibilidade de um juízo apenas metafísico do outro questionar é excluída. O outro questionar, porém, também não se revela aí como verdade “absoluta”; e isso já não se mostra assim porque tal demonstração de tal “verdade” vai de encontro à essência desse questionamento. Pois esse questionamento é histórico porque, nele, a HISTÓRIA DO SEER mesmo enquanto a história do fundamento mais abissal e único da história se transforma no acontecimento apropriador. Além disso, o pensar transitório realiza sempre pela primeira vez a preparação do outro questionamento, ou seja, a preparação daquele ser humano, que deve ser em sua atividade como fundador e como guardião antes de tudo forte o suficiente e sapiente o suficiente para acolher o impulso há muito tempo indicado, mas ainda mais longamente recusado do seer, reunindo o apoderamento do seer para a sua essenciação em um instante único da história. O pensar transitório, por isso, também não pode abalar o hábito metafísico por meio de um gesto de violência. Sim, por causa da comunicação, ele precisa com frequência ainda caminhar na via do pensar metafísico e, contudo, saber constantemente o outro. Como é que o pensar propriamente histórico deveria poder desconsiderar também que, se a transição deve ser fundadora de história, lhe é reservado tanto o caráter repentino do não pressentido quanto o caráter discreto do que se lança lentamente para além de si. E como é que o pensar transitório também não deveria saber que muitas coisas, sim, a maioria daquilo que permanece atribuído a ele em termos de esforço será um dia algo supérfluo e recairá no elemento incidental, para abrir o seu caminho único para a corrente da história do único. Apesar disso, o pensar transitório não pode atemorizar a precariedade de diferenças e clarificações preparatórias, contanto que elas sejam movidas pelo vento de uma decisão que é tomada desde muito tempo. Só a frieza da ousadia do pensar e a noite da errância do questionamento emprestam ao fogo do seer ardor e luz. (tr. Casanova; GA65: 259)
A filosofia no outro início pergunta sob o modo do questionamento da verdade do seer. Olhando a partir da esfera de visão da diferenciação que se tornou expressa entre ser e ente e computando a partir de uma comparação historiológica com a metafísica e seu modo de sair do ente, o questionar no outro início (o pensar da HISTÓRIA DO SEER) poderia aparecer como uma simples inversão, o que significa aqui o mesmo que uma tosca inversão. Mas precisamente o pensar da HISTÓRIA DO SEER sabe em relação à mera inversão que, nela, a mais tenaz e mais fatídica escravidão se faz valer; que ela não supera nada, mas que, na inversão, é apenas o inverso que chega pela primeira vez ao poder, de tal modo que se cria para ele a fixação e a completude até aqui faltantes. (tr. Casanova; GA65: 259)
A inquirição do seer realizada em termos da HISTÓRIA DO SEER não é inversão da metafísica, mas de-cisão como projeto do fundamento daquela diferenciação, na qual ainda precisa se manter mesmo a inversão. Com tal projeto, esse questionamento em geral chega ao exterior daquela diferenciação entre ser e ente; e ela também escreve, por isso, agora ser como “seer”. Esse termo deve indicar que o ser aqui não é mais pensado metafisicamente. (tr. Casanova; GA65: 259)
O pensar da HISTÓRIA DO SEER pode se tornar questionável a partir de sua necessidade na interpretação prévia em quatro aspectos: 1) A partir dos deuses. 2) A partir do homem. 3) Com vistas à história da metafísica. 4) Como o pensar “do” seer. Esses quatro aspectos só se deixam perseguir aparentemente de maneira isolada. Em relação a (1) Conceber o pensar do seer a partir dos deuses parece de imediato algo arbitrário e “fantástico”, na medida em que se parte aqui por um lado precisamente do divino, como se ele fosse “dado”, como se qualquer um estivesse em acordo com todos os outros quanto a isso; ainda mais estranhamente, porém, na medida em que se partiu, por outro lado, de “deuses” e em que é estabelecido um “politeísmo” como “ponto de partida” da “filosofia”. Todavia, o discurso acerca dos “deuses” não tem em vista aqui a afirmação decidida de algo presente à vista de uma pluralidade em face de um único, mas significa antes a indicação para a indecidibilidade do ser dos deuses, quer um ou muitos. Essa indecibilidade encerra em si a questionabilidade em relação a se em geral algo do gênero do ser pode ser atribuído aos deuses, sem destruir tudo o que é divino. A indecidibilidade de qual deus surgirá e em relação a se um deus – sem levar em conta para que essência do homem – um dia novamente surgirá para a indigência extrema: é ela que é designada com o nome “os deuses”. Mas essa indecidibilidade não é apenas re-presentada como possibilidade vazia de decisões, mas de antemão como a decisão, a partir da qual algo decidido ou a ausência completa de decisões têm a sua origem. O pensamento prévio como derivado em meio a essa decisão de tal indecidibilidade não pressupõe deuses quaisquer como presentes à vista, mas ousa se lançar em uma região daquele elemento questionável, para o qual a resposta só pode vir dele mesmo, mas nunca daquele que pergunta. Na medida em que, de antemão, o seer é re-cusado “aos deuses” em tal pensamento prévio, diz-se que todo enunciado sobre “ser” e “essência” dos deuses não apenas não diz nada sobre eles, isto é, sobre aquilo que precisa ser decidido, mas produz ilusoriamente algo objetivo, junto ao qual todo pensar é aviltado porque é ao mesmo tempo coagido a seguir por desvios. (Na consideração metafísica, o deus precisa ser representado como o maximamente ente, como o primeiro fundamento e a causa do ente, como o in-condicionado, in-finito, absoluto. Todas essas determinações emergem não do caráter divino de deus, mas da essência do ente enquanto tal, na medida em que esse ente, como constantemente presente, como algo objetivo, é pensado pura e simplesmente em si e, na explicação re-presentativa, o que há de mais claro é atribuído ao deus como aquilo que se encontra contraposto). (tr. Casanova; GA65: 259)
A negação do ser aos “deuses” só significa de início que o ser não se encontra “acima” dos deuses; mas também que esses não se encontram “acima” do ser. Com certeza, porém, “os deuses” necessitam do seer, com cuja sentença já é pensada a essência “do” seer. “Os deuses” precisam do seer não como a sua propriedade, na qual eles mesmos encontram um Apolo. “Os deuses” precisam do seer, a fim de pertencerem por meio do seer, que não lhes pertence, efetivamente a si mesmos. O seer é o que é usado pelos deuses; ele é sua indigência, e o caráter indigente do seer nomeia a sua essenciação, o que é exigido pelos “deuses”, mas que não é nunca causável e condicionável. O fato de “os deuses” precisarem do seer lança eles mesmos no abismo (a liberdade) e exprime o fracasso de toda e qualquer fundamentação e demonstração. E por mais obscuro que possa permanecer o caráter indigente do seer para o pensar, ele fornece de qualquer modo o primeiro ponto de Apolo, para pensar “os deuses” como aqueles que precisam do seer. Nós levamos a termo, com isso, os primeiros passos na HISTÓRIA DO SEER, de tal modo que o pensar da HISTÓRIA DO SEER desponta, assim, pela primeira vez e todo empenho por se dispor a obrigar o dito nesse começo a alcançar uma compreensibilidade habitual se revela como vão e, antes de tudo, contra o modo de ser desse pensamento. Se, porém, o seer é o caráter indigente do deus, por mais que o seer mesmo só encontre no re-pensar a sua verdade e por mais que esse pensar seja a filosofia (no outro início), então “os deuses” precisam do pensar da HISTÓRIA DO SEER, isto é, da filosofia. Todavia, “os deuses” não carecem da filosofia como se eles mesmos precisassem filosofar e o fizessem em virtude de sua deização, mas é preciso que a filosofia se dê, se é que “os deuses” devem ganhar uma vez mais o espaço da decisão e se é que a história deve alcançar o fundamento de sua essência. A partir dos deuses determina-se o pensar da HISTÓRIA DO SEER como aquele pensar do seer que concebe o abismo da indigência do seer como o primeiro e nunca busca no divino mesmo como o supostamente mais essente a essência do seer. O pensar da HISTÓRIA DO SEER encontra-se fora de toda e qualquer teologia e também não conhece, porém, nenhum ateísmo no sentido de uma “visão de mundo” ou de uma doutrina configurada de outro modo qualquer. (tr. Casanova; GA65: 259)
Conceber a partir dos deuses o pensar da HISTÓRIA DO SEER é, contudo, “o mesmo” que a tentativa de uma indicação essencial desse pensar a partir do homem. (tr. Casanova; GA65: 259)
Quem quer seguir algum dia a HISTÓRIA DO SEER sob os seus olhos e experimentar como o seer permanece de fora em seu próprio espaço essencial, entregando esse espaço por um longo tempo à sua inessência, que impele para frente a expansão do “ente”, a fim de conservar até mesmo a in-essência para a essência, à qual ela de fato pertence, precisa poder compreender em primeiro lugar que projetos são jogados naquilo que, graças à sua clareira, se transforma posteriormente no ente e que só passa a tolerar o seer como um adendo a ele, que é meditado pela “abstração”. (tr. Casanova; GA65: 262)
A partir daí podemos deduzir, mesmo junto a um saber apenas aproximado sobre a HISTÓRIA DO SEER, que o seer precisamente nunca é definitivamente e, por isso, também nunca é apenas dizível de maneira “provisória”, tal como poderia nos induzir a pensar de maneira ilusória aquela interpretação (que transforma o seer no que há de mais universal e vazio). (tr. Casanova; GA65: 265)
O re-pensar do seer, a denominação de sua essência, não é outra coisa senão a ousadia de auxiliar o lançar-se para além dos deuses em direção ao seer e deixar pronta para o homem a verdade do verdadeiro. Com essa “definição” do pensar por meio daquilo que ele “pensa” realiza-se a completa saída de toda interpretação “lógica” do pensar. Pois esse é um dos maiores preconceitos da filosofia ocidental: achar que o pensar precisaria ser determinado “logicamente”, isto é, com vistas ao enunciado (a explicação “psicológica” do pensar é de fato apenas um adendo à explicação “lógica” e pressupõe essa explicação; e isso mesmo lá onde ela visa a poder substituir a explicação lógica; a noção do “psicológico” se encontra aqui no lugar de biológico-antropológico). Um reverso daquele preconceito, porém, se dá quando se é acometido em meio à recusa da interpretação “lógica” do pensar (isto é, da ligação com o ser; cf “O que é metafísica?”) pela angústia, ou melhor, pelo temor de que isso colocaria em risco o rigor e a seriedade do pensar e entregaria tudo ao sentimento e ao seu “juízo”. Quem diz, afinal, e quem foi que demonstrou algum dia que o pensar logicamente visado seria o pensar “rigoroso”? Isso só é válido, se é que é em geral válido, sob o pressuposto de que a interpretação lógica do ser poderia ser a única interpretação possível; o que, porém, com maior razão, é um preconceito. Com vistas à essência do seer, precisamente a “lógica” talvez seja o procedimento menos rigoroso e sério para a determinação da essência e apenas uma ilusão, que possui naturalmente uma essência ainda mais profunda do que a “ilusão dialética”, que Kant tornou visível no âmbito da objetivação possível do ente na totalidade. A “lógica” mesma, no que concerne à fundação da essência da verdade do seer, é uma ilusão, mas a mais necessária ilusão, que a HISTÓRIA DO SEER até agora conheceu. A essência da própria “lógica”, que atingiu sua figura suprema na metafísica de Hegel, só se deixa conceber a partir do outro início do pensar do seer. A abissalidade desse pensamento, porém, também deixa o assim chamado rigor da argúcia lógica (como forma do encontro da verdade, não apenas da expressão do que foi encontrado) vir à tona como uma brincadeira que não se apodera de si mesma, a qual, então, também poderia se degradar e se constituir como uma erudição filosófica, na qual qualquer um, dotado com uma argúcia qualquer, pode se movimentar de um lado para o outro, sem jamais ser tocado pelo seer e sem nunca pressentir o sentido da questão acerca do seer. Mas o repensar do seer também é, então, correspondentemente raro e talvez só nos seja concedido no passo tosco de uma preparação sua, se a ousadia desse salto abissal puder ser chamada de um favor. (tr. Casanova; GA65: 265)
O re-pensar do seer não inventa para si um conceito, mas conquista aquela libertação do apenas ente, que torna a-propriado para a determinação do pensar a partir do seer. O re-pensar expõe na direção daquela história, cujos “acontecimentos apropriadores” não são outra coisa senão os choques do acontecimento da própria apropriação. Só podemos dizer isso, por sua vez, na medida em que dizemos: que isso acontece apropriadoramente: e o que significa esse “isso”? O fato de Hölderlin ter criado poeticamente o poeta por vir; o fato de ele mesmo “ser” como o primeiro, que coloca em decisão a proximidade e a distância dos deuses sidos e dos deuses por vir (cf o lugar em termos da HISTÓRIA DO SEER). (tr. Casanova; GA65: 265)
Quem se espantaria se essa indicação do primeiro fato-de-que da HISTÓRIA DO SEER fosse tomada na transição da metafísica para o repensar do seer como completamente arbitrária e incompreensível? Todavia, não adianta praticamente nada, se fôssemos de encontro a isso com esclarecimentos quanto ao fato de que todos os modos de consideração ligados à “historiologia da literatura”, à história da poesia e à “história do espírito” precisam permanecer de fora. Já se exige aqui o salto para o seer e sua verdade, a experiência de que, sob o nome de Hölderlin, acontece apropriadoramente aquele movimento de colocar em decisão – notemos bem: acontece, não aconteceu algo apropriadoramente. Nós podemos tentar destacar historicamente esse “acontecimento apropriador” em sua unicidade, na medida em que o vemos em meio àquilo que ainda se mostra como o que se tinha até aqui em sua mais extrema elevação e em seu mais rico desdobramento: em meio à metafísica do Idealismo alemão e em meio à configuração da imagem de mundo de Goethe, em meio àquilo que permanece separado de Hölderlin por abismos (no “Romantismo”), ainda que ele o tenha “influenciado” historio logicamente, a ele, o portador do nome, mas não o guardião do seer. Mas o que adianta esse alijamento? No máximo, ele alcança apenas uma nova incompreensão, como se, no interior daquela história da metafísica e da arte, Hölderlin fosse algo “próprio”; sendo que o que está em questão não é saber se ele está “dentro”, nem tampouco somente se ele se mostra como o “fora” excepcional, mas antes se abrir para o impulso indedutível do próprio seer, impulso esse que precisa ser capturado em seu mais puro fato-de-que, o fato de que agora e sempre aquela decisão se encontra na história do Ocidente, sem levar em conta se ela é e pode em geral ser apreendida pela era ainda duradoura ou não. Essa decisão posiciona pela primeira vez o tempo-espaço em torno do próprio seer, tempo-espaço esse como o qual o seer se estende a partir desse espaço juntamente com o tempo, que o temporaliza na unidade originária desse campo de jogo temporal. Desde então, todo pensamento que visa à entidade a partir do ente e para além dele permanece fora da história, na qual o seer enquanto acontecimento apropriador se apropria do pensar em meio ao acontecimento sob a figura do que é consonante com o ser-aí e do que lhe pertence. Salvar a unicidade de sua história para o seer é a vocação do pensar e nunca mais a diluição de sua essência nas disciplinas da “universalidade” esmaecida das categorias. Por isso, porém, os sapientes sabem que a preparação dessa HISTÓRIA DO SEER no sentido da fundação da prontidão para o resguardo da verdade do seer no ente que assim vem a ser será uma preparação muito longa e amplamente desconhecida. Separados por uma longa distância precisam estar ainda os preparadores em relação aos fundadores, ainda que eles sejam tocados mesmo que apenas de longe pelo choque da recusa do seer e, por meio daí, queiram se tornar aqueles que pressentem. Continua sendo uma ousadia o dizer sobre o repensar do seer, a ponto de ele ser chamado de auxílio para a acomodação dos deuses no espaço fora e no estranhamento do homem (cf o seer como acontecimento apropriador). (tr. Casanova; GA65: 265)
O que é feito agora da diferenciação entre ente e seer? Agora, nós a compreendemos como o primeiro plano metafisicamente concebido e, com isso, já mal interpretado de uma de-cisão, que é o seer mesmo (cf acima n. 2). Essa diferenciação não pode mais ser lida a partir do ente e em prosseguimento em direção à generalização isoladora de seu ser. Por isto, ela também não pode ser justificada, por exemplo, pelo aceno para o fato de que “nós” (quem?) precisamos compreender o ser, para que possamos experimentar um ente enquanto tal. Isso é, com efeito, correto, e o aceno para tanto pode servir a qualquer momento como uma primeira indicação do ser e da diferenciabilidade entre ente e seer, mas: o que resulta daqui, o que aqui já é pressuposto, o pensar metafísico da entidade, não pode subsistir enquanto o rasgo fundamental, no qual se deixariam conceber em termos da HISTÓRIA DO SEER, em conformidade com o ser-aí, a essência do seer e de sua verdade em sua essenciação. Apesar disso, a transição não tem como ser preparada de outro modo senão pelo fato de que, nela, a coragem para o antigo (em termos do primeiro início) se faz valer e, assim, se busca de saída impelir esse antigo mesmo para além de si: o ente, o ser, o “sentido” (verdade) do ser (cf Ser e tempo). Desde o início, contudo, em meio a essa repetição mais originária, é preciso saber que ela exige uma completa transformação do homem no ser-aí e já alcançou por um salto tal transformação, uma vez que a verdade do seer, que deve se abrir, não trará outra coisa senão a essenciação mais originária do próprio seer. E isso significa: que tudo é transformado e que as veredas que ainda conduziam justamente ao seer precisam ser interrompidas, porque outro tempo-espaço é aberto por meio do seer, que torna necessária uma nova edificação e fundação do ente. Em parte alguma no ente, somente uma vez no seer, se volta em direção ao homem e aos deuses, a cada vez de maneira diversa, como uma tempestade, a suavidade do terrível na intimidade de todos os seres. É somente no seer que se essencia como a mais profunda abertura de seu fosso abissal o possível, de tal modo que é sob a forma do possível que o ser precisa ser pensado em primeiro lugar no pensar do outro início. (A metafísica, contudo, torna o “real e efetivo” enquanto ente ponto de partida e meta da determinação do ser). (tr. Casanova; GA65: 267)
O des-locamento consiste no acontecimento da apropriação do ser-aí; e isso de tal modo, com efeito, que no aí que se clareia (no a-bismo do que não possui Apolo nem proteção) o acontecimento da apropriação se subtrai. Des-locamento e retração se ligam ao seer enquanto acontecimento apropriador. Neste caso, não acontece nada no interior do ente, o seer permanece inaparente, mas pode acontecer com o ente enquanto tal de ele, voltado para a clareira do in-habitual, lançar por terra seu caráter habitual e precisar se colocar em relação à de-cisão sobre como ele satisfaz ao seer. Isso não significa, porém, dizer como é que ele se ajustaria e corresponderia ao seer, mas como ele, o ente, resguarda e perde a verdade da essenciação do seer, chegando aí à sua própria essência, que consiste em tal resguardo. As formas fundamentais desse resguardo, contudo, são a abertura de uma totalidade do mundo (mundo) e o fechar-se diante de todo projeto (terra). Essas formas fundamentais só deixam emergir o resguardo e são elas mesmas na contenda, que se essencia a partir da intimidade do acontecimento da apropriação do acontecimento apropriador. Sempre a cada vez em cada um dos lados dessa contenda se encontra aquilo que nós conhecemos metafisicamente como o sensível e o não sensível. Por que, contudo, precisamente essa contenda entre mundo e terra? Porque, no acontecimento apropriador, o ser-aí acontece de maneira apropriadora e se transforma na jurisdicionalidade do homem, porque o homem é chamado para a guarda do seer a partir da totalidade do ente. Como, porém, o elemento querelante, a partir do qual nós temos de pensar em termos da HISTÓRIA DO SEER o homem e seu “corpo”, a “alma” e o “espírito”? (tr. Casanova; GA65: 269)
No primeiro início, uma vez que a physis se iluminou na aletheia e como ela, o es-panto era a tonalidade afetiva fundamental. O outro início, o início do pensar da HISTÓRIA DO SEER, é a-finado e previamente determinado pelo deslocamento. Esse abre o ser-aí para a indigência da falta de indigência, em cuja proteção se esconde o abandono do ser do ente. (tr. Casanova; GA65: 269)
Em suas formas prévias, em sua formação em direção à ciência, na trivialização e no acordo que transformam a ciência em um cálculo comum, a historiologia é inteiramente uma consequência da metafísica. Isso, porém, significa: uma consequência da HISTÓRIA DO SEER, do seer como história, por mais que o seer e a história permaneçam completamente velados, sim, se retenham até mesmo no velamento. (tr. Casanova; GA65: 273)