Se o outro início ainda estiver se preparando, então isso se acha velado como uma grande mudança, e tanto mais velado, quanto maior for o acontecimento. O erro existe naturalmente, como se uma transformação essencial, que a tudo fundamentalmente captura, também fosse imediatamente sabida e concebida em geral por todos e transcorresse na esfera pública. Só poucos se encontram sempre na claridade desse raio. A maioria tem aquela “felicidade” de se encontrar em meio a algo presente à vista e, assim, empreender o que lhe é próprio na medida em que persegue a utilidade para um todo. [tr. Casanova; GA65: 8]
A ipseidade do homem – do homem histórico tanto quanto do povo – é um âmbito de acontecimento, no qual ele só se mostra a-propriado, se ele mesmo alcança o tempo-espaço aberto, no qual pode acontecer uma apropriação. [tr. Casanova; GA65: 19]
O pensamento inicial, porém, encontra o mais duro obstáculo na autocompreensão inexpressa, que o homem hoje tem de si. Abstraindo-nos completamente das interpretações particulares e dos estabelecimentos particulares de finalidades, o homem se considera hoje como um exemplar “presente à vista” do gênero “ser humano”. Isto se deixa transpor para o ser histórico como um acontecimento no interior de uma copertinência gerada. Onde essa interpretação do ser do homem (e, com isso, também de um ser do povo) impera, falta todo e qualquer ponto de Apolo e toda e qualquer pretensão a uma chegada do deus. Não tem lugar aí nem mesmo a pretensão da experiência da fuga dos deuses. Precisamente essa experiência pressupõe que o ser humano histórico se saiba exposto em meio ao ente, que é abandonado pela verdade de seu ser. [tr. Casanova; GA65: 24]
Isto condiciona um procedimento que, em certos limites, sempre vai de encontro, em um primeiro momento, ao visar habitual e que precisa seguir durante um certo trecho com ele, a fim de, então, exigir no instante correto a transformação do pensar, ainda que sob o poder da mesma palavra. Por exemplo, “decisão” pode e deve ser visada de início, por mais que não moralmente, de acordo com o movimento de levá-la a cabo, como ato do homem, até que, repentinamente, ela vise à essência do próprio seer, o que não significa agora que o seer seria interpretado “antropologicamente”, mas o contrário: que o homem é recolocado na essência do seer e é arrancado das correntes da “antropologia”. Do mesmo modo: “maquinação” – uma espécie de comportamento do homem e, repentina e propriamente, o inverso: a essência (in-essência) do seer, na qual se enraiza pela primeira vez o fundamento da possibilidade dos “funcionamentos”. Esse “o contrário”, contudo, não é simplesmente um truque “formal” da conversão significativa em meras palavras, mas a transformação do próprio homem. Com certeza, o conceber correto dessa transformação e, antes de tudo, de seu espaço de acontecimento, isto é, o fundar do mesmo, está o mais intimamente possível entrelaçado com o saber da verdade do seer. [tr. Casanova; GA65: 41]
O abandono do ser: ele precisa ser experimentado como o acontecimento fundamental de nossa história e ser trazido ao saber – ao saber configurador e condutor. Para tanto, por sua vez, é necessário: 1) Que o abandono do ser seja lembrado em sua história longa e encoberta, na história que se encobre a si mesma. Não é suficiente o aceno para o atual; 2) Que o abandono do ser seja experimentado do mesmo modo como a indigência, que prepondera na transição para cá e que atiça essa transição como o a-cesso ao porvir. Mesmo a transição precisa ser experimentada em toda a sua amplitude e em todo o seu caráter multifacetado. [tr. Casanova; GA65: 52]
Abandono do ser. O que Nietzsche reconheceu pela primeira vez e, com efeito, na orientação pelo platonismo como niilismo é, em verdade, visto a partir da questão fundamental que lhe é estranha, apenas o primeiro plano do acontecimento muito mais profundo do esquecimento do ser, que vem cada vez mais à tona precisamente na perseguição a encontrar a resposta para a questão diretriz. Mas mesmo o esquecimento do ser (sempre de acordo com a sua determinação) não é o envio destinamental mais originário do primeiro início, mas o abandono do ser, que talvez tenha sido o mais encoberto e o mais negado por meio do Cristianismo e de seus sucessores secularizados. Quanto ao fato de o ente enquanto tal ainda poder aparecer e de, contudo, a verdade do seer o ter abandonado, cf a despotencialização da physis e do ón como idea. Em que direção o ente enquanto tal é usado e abusado em tal aparição abandonada pelo ser (objeto e “em si”)? Atenta para a obviedade e nivelamento e para a própria incognoscibilidade do seer na compreensão de ser dominante. [tr. Casanova; GA65: 55]
Abandono do seer é, no fundo, uma de-generescência do seer. A essência é perturbada e só ganha a verdade como correção da re-presentação – noein – dianoein – idea. O ente permanece o que se presenta, e propriamente ente é o constantemente presente e, assim, o que a tudo con-diciona, o in-condicionado, o ab-soluto, ens entium, Deus etc. Todavia, que acontecimento de que história é esse abandono? Há uma história do seer? E o quão raramente e quase nunca ela vem encoberta à luz? [tr. Casanova; GA65: 55]
3) A irrupção do massificado. Com isto, não se tem em vista apenas as “massas” em um sentido “social”; essas massas só ascendem porque o número já vigora e o calculável, isto é, o acessível a qualquer um da mesma maneira. O que é comum a muitos e a todos é, para os “muitos”, aquilo que eles conhecem como o pre-ponderante; por isso, a interpelação com vistas ao cálculo e à rapidez, assim como, inversamente, a adução realizada por esses do massificado em trilhos e quadros. Aqui a mais aguda oposição, porque a mais discreta, em relação ao raro, ao único (a essência do ser). Por toda parte nesses encobrimentos do abandono do ser, a inessência do ente se difunde, o não ente se expande e, em verdade, com a aparência de um “grande” acontecimento. A propagação desses encobrimentos do abandono do ser e, com isso, precisamente deles mesmos é o mais forte obstáculo, porque ao mesmo tempo um obstáculo que não tem de modo algum como ser notado, para a correta apreciação e fundação da tonalidade afetiva fundamental da retenção, na qual pela primeira vez a essência da verdade reluz, na medida em que a remoção para o interior do ser-aí acontece. Aqueles modos da estada no ente e de seu “domínio” são, porém, a tal ponto degradantes porque eles não gastam somente um dia, por exemplo, com formas aparentemente apenas externas que abarcam um interior. Eles colocam a si mesmos no lugar do interior e negam finalmente a diferença entre um interior e um exterior, uma vez que eles são o que há de primeiro e uma vez que eles são tudo o que há. A isso corresponde o modo como se alcança o saber, e a distribuição calculada, rápida e maciça de conhecimentos não compreendidos na maior quantidade possível e no menor tempo possível; “a escolaridade”, uma palavra, que coloca de ponta cabeça em seu significado atual precisamente a essência da escola e da schole. Mas mesmo isso é apenas um novo sinal da reviravolta, que não detém o desenraizamento crescente porque ela não chega às raízes do ente e não quer mesmo chegar até aí; porque se ela chegasse a essas raízes, ela precisaria se deparar com a sua própria ausência de solo. Ao cálculo, à rapidez e à massificação alia-se ainda um outro elemento que, ligado aos três de uma maneira acentuada, assume o encobrimento e a dissimulação da decomposição interior – esse elemento é: [O desnudamento, a publicização e a vulgarização da tonalidade afetiva] [tr. Casanova; GA65: 58]
4) O desnudamento, a publicização e a vulgarização da tonalidade afetiva. A essa desertificação criada por meio daí corresponde a inautenticidade crescente de toda e qualquer postura e, juntamente com isso, a despotencialização da palavra. A palavra só continua se mostrando como o invólucro e como a excitação tonitruante, junto à qual não se pode mais ter em vista um “sentido”, porque se retira todo o poder de reunião de uma meditação possível e se despreza a meditação em geral como algo estranho e impotente. Tudo isso se torna tanto mais sinistro, quanto menos impertinentemente ele se desenrola, quanto mais obviamente ele se apossa do cotidiano e é coberto por assim dizer por novas formas da instituição. A consequência do desnudamento da tonalidade afetiva, que é ao mesmo tempo a dissimulação do vazio crescente, se mostra completamente na incapacidade de experimentar precisamente o acontecimento propriamente dito, o abandono do ser, como indigência afinadora, supondo mesmo que ele poderia ser mostrado em certos limites. [tr. Casanova; GA65: 58]
O que significa esse primado da mobilização? O fato de se impor aí necessariamente uma nova batalha do homem é apenas a consequência oposta a esse acontecimento, mas nunca a “meta”. Mas há ainda “metas”? Como emerge o estabelecimento de uma meta? A partir do início. E o que é início? [tr. Casanova; GA65: 74]
Se a “metafísica” se torna visível como o acontecimento que pertence ao ser-aí enquanto tal, então isso não deve ser considerado como uma ancoragem “antropológica” muito módica da disciplina da metafísica no homem, mas, juntamente com o ser-aí, conquista-se aquela base, na qual a verdade do seer se funda, de tal modo que, agora, o seer mesmo passou a se mostrar como originariamente dominante e um posicionamento da excedência do ente, o que significa, porém, do sair do ente e, em verdade, como ente presente à vista e como objeto, se tornou impossível. Assim, vem à tona pela primeira vez o que era a metafísica, justamente essa excedência do ente em direção à entidade (ideia). Inevitavelmente ambíguo, contudo, permanece essa determinação da “metafísica”, na medida em que as coisas se mostram de tal modo, como se a metafísica fosse apenas uma outra concepção atual do conceito até aqui, uma concepção que não tocaria em nada na coisa mesma. Ela só é uma tal concepção, porém, na medida em que a concepção da essência da “metafísica” se torna de antemão inteiramente uma fundação do ser-aí, vedando à “metafísica” todo e qualquer caminho para uma outra possibilidade. Conceber de maneira transitoriamente pensante significa: transpor o concebido para o interior de sua impossibilidade. Será que ainda é necessário proteger expressamente essa defesa da “metafísica” diante da mistura com a tendência “antimetafísica” do “positivismo” (e de suas variantes)? Muito pouco de fato, logo que levamos em conta o fato de que o “positivismo” apresenta, sim, o mais tosco de todos os modos “metafísicos” de pensamento, na medida em que ele contém por um lado uma decisão completamente determinada sobre a entidade do ente (sensibilidade) e, por outro lado, ultrapassa de maneira constante justamente esse ente por meio do estabelecimento principial de uma “causalidade” do mesmo tipo. Para o pensar transitório, porém, não se trata de uma “hostilidade” em relação à “metafísica”, hostilidade essa por meio da qual ela seria colocada de novo precisamente em posição, mas de uma superação da metafísica a partir de seu fundamento. A metafísica chegou ao fim. Não porque ela questionou demais, de maneira não crítica demais, de modo extravagante demais a entidade do ente, mas porque, de acordo com a queda do primeiro início, o seer no fundo buscado nunca teve como ser questionado com essa questão e, por fim, decaiu, em meio ao impasse dessa impotência, na “renovação” da “ontologia”. [tr. Casanova; GA65: 85]
O acontecimento da questão acerca do ente enquanto tal, o acontecimento do questionamento da entidade é em si uma determinada abertura do ente enquanto tal, de tal modo que o homem experimenta aí a sua determinação essencial, que emerge dessa abertura (homo animal rationale). Mas o que é que essa abertura do ente abre sobre a entidade e, com isso, sobre o seer? Carece-se de uma história, isto é, de um início e de suas ascendências e progressos, a fim de deixar que se experimente (para os que perguntam e são iniciantes) o fato de que pertence à essência do seer a recusa. Esse saber é, porque ele desce e pensa o niilismo ainda mais originariamente em meio ao abandono do ser, a superação propriamente dita do niilismo, e a história do primeiro início é arrancada, assim, completamente da aparência de em vão e de mera errância; agora pela primeira vez a grande iluminação se abate sobre toda a obra pensante até aqui. [tr. Casanova; GA65: 87]
Se buscarmos a história da filosofia efetivamente no acontecimento do pensar e de seu primeiro início e se mantivermos aberto esse pensar em sua historicidade por meio do desdobramento da questão diretriz não desdobrada através de toda essa história até Nietzsche, então o movimento interno desse pensar, apesar de só ser retido por meio de fórmulas, por meio de passos e níveis particulares, pode ser retido: A experiência e a apreensão e reunião do ente em sua verdade solidificam-se na questão acerca da entidade do ente a partir do fio condutor e da antecipação do “pensar” (enunciar apreendedor). [tr. Casanova; GA65: 91]
Somente a posição distante em relação ao primeiro início torna possível experimentar o fato de que aí e, em verdade, necessariamente, a questão acerca da verdade (aletheia) permaneceu inquestionada e de que esse não acontecimento determinou de antemão o pensar ocidental em relação à “metafísica”. E só esse saber joga ao nosso encontro a necessidade de preparar o outro início e de experimentar no desdobramento dessa prontidão a indigência mais própria em sua plena claridade, o abandono do ser que, profundamente velado, é a contraparte daquele não acontecimento e que, por isto mesmo, não pode ser de maneira alguma explicado a partir de inconvenientes e de cochilos de hoje e ontem. [tr. Casanova; GA65: 91]
1) O primeiro início e seu fim abarcam toda a história da questão diretriz de Anaximandro até Nietzsche. 2) A questão diretriz não é questionada inicialmente na apreensão expressa da questão, mas captada por isso mesmo de maneira tanto mais originária e respondida de modo normativo; a irrupção do ente, a pre-sentação do ente enquanto tal em sua verdade; essa fundada no logos (reunião) e no noein (a-preensão). 3) O caminho daqui até a primeira versão, desde então diretriz, da questão em Aristóteles; a preparação essencial por meio de Platão; a confrontação aristotélica com o primeiro início, que ganha ao mesmo tempo por meio daí o cerne de uma interpretação fixamente estabelecida para o que vem depois. 4) A repercussão do modo de formulação da questão que agora retrocede uma vez mais, mas que, porém, a tudo ainda domina no resultado e nos caminhos (doutrina das categorias; teo-logia); a reestruturação do todo por meio da teologia cristã; sob essa figura, o primeiro início permanece, então, apenas histórico, até mesmo ainda em Nietzsche, apesar de sua descoberta dos pensadores iniciais como homens de um nível hierárquico elevado. 5) De Descartes até Hegel uma transformação renovada, mas não uma mudança essencial; a retomada na consciência e a certeza absoluta; em Hegel, realiza-se pela primeira vez uma tentativa filosófica de uma história da questão acerca do ente a partir da posição fundamental conquistada do saber absoluto. 6) O que reside entre Hegel e Nietzsche possui muitas figuras, em parte alguma originariamente no metafísico, nem mesmo em Kierkegaard. Diferentemente da questão diretriz, a questão fundamental desponta enquanto questão concebida com a própria formulação da questão, a fim de saltar a partir dela de volta para o interior da experiência fundamental originária do pensamento da verdade do seer. Mas a questão fundamental também tem enquanto questão concebida um caráter completamente diverso. Ela não é o prosseguimento da formulação da questão que tinha sido empreendida na questão diretriz por Aristóteles. Pois ela emerge por um salto imediatamente de uma necessidade da indigência do abandono do ser, daquele acontecimento, que é essencialmente co-condicionado pela história da questão diretriz e por seu desconhecimento. [tr. Casanova; GA65: 119]
O salto é a realização do projeto da verdade do seer no sentido da inserção no aberto, de tal modo que aquele que joga o projeto se experimenta como jogado, isto é, como apropriado pelo acontecimento por meio do seer. A abertura por meio do projeto é apenas tal abertura, se ela acontecer como experiência do caráter de jogado e, com isso, do pertencimento ao seer. Essa é a diferença essencial em face de todos os tipos de conhecimento apenas transcendentais no que concerne às condições de possibilidade. [tr. Casanova; GA65: 122]
Ser-aí – o que ao mesmo tempo sub-funda e ultrapassa o homem. Por isto, o discurso acerca do ser-aí no homem como acontecimento daquela fundação. No entanto, também se poderia dizer: o homem no ser-aí. O ser-aí “do” homem. [tr. Casanova; GA65: 176]
A “imaginação” como acontecimento da clareira mesma. Só que a “imaginação”, imaginatio, é o nome que denomina a partir da posição de visada da apreensão imediata do ón e do ente. Computado a partir daí, todo seer e sua reabertura são um construto que se adiciona àquilo que é supostamente palpável. Mas tudo aqui é invertido: “imaginado” no sentido habitual é sempre o assim chamado ente presente à vista “efetivamente real”. É ele que é trazido para o interior de uma construção imagética, que é levado a aparecer na clareira, no aí. [tr. Casanova; GA65: 192]
A ipseidade é mais originária do que todo eu e do que todo tu e nós. Esses só se reúnem enquanto tais no si mesmo e se tornam, assim, a cada vez eles “mesmos”. Inversamente, a dispersão do eu, do tu e do nós, assim como o seu esboroamento e o seu superdimensionamento, não é nenhum mero fracasso do homem, mas o acontecimento da impotência em relação a suportar e saber sobre a propriedade, o abandono do ser. [tr. Casanova; GA65: 197]
II. A abertura é: 1) Originariamente o uno-múltiplo, não apenas aquele entre para o que é apreensível e para o apreender (zugon); não são apenas muitas coisas diversas que precisam ser questionadas, mas é como esse elemento uno que precisa ser inquirida a abertura. 2) Não apenas o apreender e o conhecer, mas também todo e qualquer tipo de comportamento e de postura, sobretudo aquilo que denominamos tonalidade afetiva: tudo isso pertence à abertura, que não é um estado, mas um acontecimento. 3) O aberto como reaberto e como se abrindo, a abrangência, a re-solução. [tr. Casanova; GA65: 209]
A negação de toda história emerge como comutação de todo acontecimento em meio ao factível e instituível, o que só se revela completamente, quando ele se faz valer completamente sem ligação e de maneira apenas confessional em um lugar qualquer e como uma “providência” e um “destino”. [tr. Casanova; GA65: 212]
O quão pouco, porém, a representação diretriz da luz podia fixar aquele aberto e sua abertura e elevá-los ao nível do saber, é algo que se mostra no fato de precisamente a “clareira” e o “clareado” não terem sido apreendidos, mas de a representação ter se desdobrado na direção do luzir, do fogo e da centelha, com o que, então, logo só permaneceu normativa ainda uma relação causal da iluminação, até que, por fim, tudo resvalou e decaiu na indeterminação da “consciência” e da perceptio. Assim como o aberto e a abertura não foram perseguidos em sua essenciação (algo diverso tinha sido antes de tudo em geral entregue aos gregos como tarefa), também não ficou claro nem foi atribuído a uma experiência fundamental a essenciação do velamento – o encobrimento. Aqui também, de maneira autenticamente grega, o velado se transformou em algo ausente, e o acontecimento do encobrimento se perdeu tanto quanto, com isso, a necessidade de fundá-lo expressamente e de concebê-lo completamente em sua conexão interna com a essenciação da abertura, fundando, por fim e em primeiro lugar, esse elemento uno também como uma essência originariamente própria. [tr. Casanova; GA65: 214]
A conexão do tempo-espaço com espaço e tempo e o desdobramento desses dois a partir daquele podem ser elucidados em parte o mais prontamente possível de antemão, se tentarmos extrair o espaço e o tempo mesmos da interpretação até aqui, apreendendo-os, porém, na direção dessa interpretação em sua forma pré-matemática. Decisiva, contudo, permanece a questão: como se chega àquilo que permite a matematização em espaço e tempo? A resposta reside na meditação sobre aquele acontecimento, segundo o qual o a-bismo, quase sem sondagem, já é soterrado pelo não fundamento (cf o primeiro início). [tr. Casanova; GA65: 242] [Verdade e abrigo] De onde o abrigo tem a sua indigência e a sua necessidade? A partir do encobrir-se. Para não afastar esse autoencobrimento, mas para inversamente preservá-lo, é preciso o abrigo desse acontecimento. O acontecer é transformado e preservado (porquê) na contenda de mundo e terra. A contestação da contenda põe em obra a verdade, põe no utensílio a verdade, ex-perimentando-a como coisa e levando-a a termo em ato e em sacrifício. [tr. Casanova; GA65: 244] [Os que estão por vir] Eles se encontram no saber dominante como no saber verdadeiro. Quem chega a esse saber não se deixa calcular nem impor. Esse saber é, além disso, inútil e não tem nenhum “valor”; ele não vale e não pode ser imediatamente assumido como condição da empresa que está precisamente em curso. Com o que precisa se iniciar o saber dos que verdadeiramente sabem? Com o conhecimento histórico propriamente dito; isto é, com o saber do âmbito e com a permanência (questionadora) no interior do âmbito, a partir do qual a história por vir se decide. Esse conhecimento histórico nunca consiste na constatação e na descrição dos estados atuais e do armazenamento das ocorrências e de suas metas e pretensões nutridas. Esse saber sabe as horas do acontecimento, que forma pela primeira vez história. [tr. Casanova; GA65: 250]
A diferenciação toma a essência da metafísica conjuntamente com vistas ao acontecimento decidido nela, mas nunca decidido nem tampouco decidível por ela, suporta a história velada da metafísica (não a historiologia das opiniões doutrinárias metafísicas), passando para a história do seer, e volta essa história para o espaço efetivo do primeiro início do pensar ocidental do ser, que porta o nome de “filosofia”, cujo conceito se transforma sempre de acordo com o modo e com o caminho do questionamento acerca do ser. [tr. Casanova; GA65: 258]
Junto ao gigantesco torna-se reconhecível o fato de que todo e qualquer tipo de “grandeza” emerge na história da interpretação “metafísica” inexpressa do acontecimento (ideais, atos, criações, sacrifícios) e, por isso, não possui uma essência propriamente histórica, mas antes historiológica. A história velada do seer não conhece o elemento calculador em termos de “grande” e “pequeno”, mas “apenas” o elemento conforme com o seer do decidido, não decidido e desprovido de decisão. [tr. Casanova; GA65: 260]
O re-pensar do seer não inventa para si um conceito, mas conquista aquela libertação do apenas ente, que torna a-propriado para a determinação do pensar a partir do seer. O re-pensar expõe na direção daquela história, cujos “acontecimentos apropriadores” não são outra coisa senão os choques do acontecimento da própria apropriação. Só podemos dizer isso, por sua vez, na medida em que dizemos: que isso acontece apropriadoramente: e o que significa esse “isso”? O fato de Hölderlin ter criado poeticamente o poeta por vir; o fato de ele mesmo “ser” como o primeiro, que coloca em decisão a proximidade e a distância dos deuses sidos e dos deuses por vir (cf o lugar em termos da história do seer). [tr. Casanova; GA65: 265]
O saber, porém, por meio do qual a ausência de arte já é historicamente, sem ser conhecida manifestamente e sem ser admitida no interior de uma “atividade artística” constantemente crescente, pertence ele mesmo na essência ao acontecimento originário de uma apropriação, que nós denominamos o ser-aí, a partir de cuja insistência se prepara o esfacelamento do primado do ente e, com isso, o in-habitual e o não-natural de uma outra origem da “arte”: o início de uma história velada do silenciamento de uma contraposição abissal dos deuses e do homem. [tr. Casanova; GA65: 277]