GA65 – acontecimento apropriador

Ereignis

As “contribuições” perguntam em uma via que é inicialmente aberta pela transição ao outro início, para o interior do qual o pensamento ocidental agora se volta. Essa via lança a transição no espaço aberto da história e a fundamenta como uma estada talvez muito longa, em cuja realização o outro início do pensamento permanece sempre apenas o pressentido, mas já de qualquer modo decidido. Com isto, apesar de já falarem e mesmo de só falarem da essência do seer, isto é, do “ACONTECIMENTO APROPRIADOR”, as “Contribuições” ainda não conseguem juntar a junção livre e fugidia da verdade do seer a partir dele mesmo. Se isso algum dia tiver lugar, então essa essência do seer determinará em seu estremecimento o conjunto articulado da obra pensante ela mesma. Esse estremecimento se fortalece, então, em nome do poder da ternura liberada característica de uma intimidade daquela deização do deus dos deuses, a partir da qual acontece apropriadoramente a destinação do ser-aí para o seer, como para a fundação da verdade que é concernente ao seer. (tr. Casanova; GA65: 1)

Por vezes, aqueles fundadores do abismo precisam ser consumidos no fogo do que se guarda, para que o ser-aí venha a ser possível para o homem e, assim, seja salva a constância em meio ao ente, para que o ente mesmo experimente a restauração no aberto da contenda entre terra e mundo. Consequentemente, o ente é voltado para o interior de sua constância por meio do ocaso dos fundadores da verdade do seer. Tal movimento é exigido pelo próprio seer mesmo. Ele precisa dos que experimentam o ocaso; e, onde quer que um ente apareça, o seer já sempre se a-propriou desses fundadores que perecem em meio ao acontecimento, já sempre os atribuiu a si mesmo. Essa é a essenciação do seer mesmo: nós a denominamos o ACONTECIMENTO APROPRIADOR. A riqueza da ligação volteante do seer com o ser-aí que lhe é entregue apropriadoramente é imensurável. A plenitude do acontecimento da apropriação é incalculável. E somente algo muito diminuto pode ser dito aqui “sobre o ACONTECIMENTO APROPRIADOR” nesse pensar inicial. O que é dito é questionado e pensado em uma “conexão de jogo” do primeiro e do outro início a partir da “ressonância” do seer; ele é questionado e pensado em meio à indigência do abandono do ser para o “salto” em direção ao interior do seer. Esse “salto” tem por fim promover a “fundação” da verdade do seer como a preparação dos “que estão por vir” e “do último deus”. Esse dizer pensante é uma diretiva. Essa diretiva indica o livre abrigo da verdade do seer em meio ao ente como algo necessário, sem ser, contudo, uma ordem. Tal pensamento jamais pode ser transformado em uma doutrina: ele se subtrai completamente ao acaso da opinião. Além do mais, ele só dá uma diretiva aos poucos e ao seu saber, quando o que importa é o resgate dos homens da barafunda do não-ente, lançando-os para o interior da maleabilidade à junção característica de uma criação reservada dos sítios que são determinados para o passar ao largo do último deus. Mas se o ACONTECIMENTO APROPRIADOR perfaz a essenciação do seer, o quão perto está, então, o perigo de que ele recuse e precise recusar o acontecimento da apropriação porque o homem perdeu a força para o ser-aí, uma vez que a violência desencadeada do desvario em meio ao gigantesco o dominou sob a aparência da “magnitude”. No entanto, se o ACONTECIMENTO APROPRIADOR se tornar recusa e denegação, isso significa apenas a retração do seer e o abandono do ente ao não-ente? Ou será que a denegação (o caráter de não do seer) pode se tornar no mais extremo o mais distante acontecimento da apropriação, posto que o homem conceba esse ACONTECIMENTO APROPRIADOR e o horror do pudor o recoloque na tonalidade afetiva fundamental da retenção e, com isto, já o exponha para o ser-aí? (tr. Casanova; GA65: 2)

Saber a essência do seer como ACONTECIMENTO APROPRIADOR não significa apenas conhecer o perigo da recusa, mas estar pronto para a superação. Muito antes de todo o resto, a primeira coisa quanto a isso precisa permanecer: colocar o seer em questão. (tr. Casanova; GA65: 2)

Para os poucos que de tempos em tempos perguntam uma vez mais, isto é, que colocam em decisão de maneira renovada a essência da verdade. Para os raros, que trazem consigo a mais elevada coragem para a solidão, a fim de pensar a nobreza do seer e falar de sua unicidade. O pensar no outro início é originariamente histórico de uma maneira única: o dispor autoconjuntivo sobre a essenciação do seer. Um projeto da essenciação do seer como o ACONTECIMENTO APROPRIADOR precisa ser ousado porque não conhecemos a missão de nossa história. Que possamos experimentar de um modo fundamental a essenciação desse desconhecido em seu ocultar-se. Precisamos querer, porém, desdobrar esse saber, segundo o qual o desconhecido que nos é dado como tarefa deixa a vontade na solidão e, assim, obriga a existência do ser-aí à mais elevada retenção em relação ao que se oculta. (tr. Casanova; GA65: 5)

A verdade do seer só se torna necessidade por meio daqueles que perguntam. Eles são os crentes propriamente ditos, porque eles se mantêm – abrindo a essência da verdade – sobre o solo. Os que perguntam – solitários e sem os artifícios de um encantamento – estabelecem a nova e suprema posição hierárquica da insistência no meio do seer, na essenciação do ser (ACONTECIMENTO APROPRIADOR) como o meio. Os que questionam rejeitaram toda curiosidade, toda avidez pelo novo; sua busca ama o abismo, no qual eles sabem o mais antigo fundamento. (tr. Casanova; GA65: 5)

Se algum dia uma história nos for ainda uma vez comunicada, a exposição criadora ao ente a partir do pertencimento ao ser, então é indispensável a determinação: preparar o tempo-espaço da última decisão – se e como nós experimentamos e fundamos esse pertencimento. Nisso reside: de maneira pensante fundar o saber do ACONTECIMENTO APROPRIADOR, por meio da fundação da essência da verdade enquanto ser-aí. Como quer que a decisão sobre a historicidade e a falta de historicidade possa vir a ser tomada, os questionadores, que preparam de maneira pensante a decisão, precisam ser, cada um porta a solidão para o interior de sua maior hora. Que dizer realiza o mais elevado silenciamento pensante? Que procedimento efetua mais prontamente a meditação sobre o seer? O dizer da verdade; pois ele é o entre para a essenciação do seer e a entidade do ente. Esse entre funda a entidade do ente no seer. O seer, porém, não é algo “anterior” – subsistindo por si, em si –, mas o ACONTECIMENTO APROPRIADOR é a coetaneidade tempo-espacial para o seer e o ente. (tr. Casanova; GA65: 5)

O pudor, porém, segundo o que foi dito, não pode ser confundido com a timidez ou ser mesmo apenas compreendido na direção da timidez. Isto nos é tão pouco permitido que o pudor aqui visado excede até mesmo a “vontade” de retenção, e isto a partir da profundidade do fundamento da tonalidade afetiva fundamental una. Para ele, para o pudor em particular, emerge a necessidade do silenciamento, e essa necessidade é o deixar essenciar-se que afina completamente toda postura em meio ao ente e todo comportamento em relação ao ente, o deixar essenciar-se do seer como ACONTECIMENTO APROPRIADOR. (tr. Casanova; GA65: 5)

Ser o que busca, o que vela, o que guarda – isto significa o cuidado enquanto traço fundamental do ser-aí. Em seu nome reúne-se a determinação do homem, na medida em que ele é concebido a partir de seu fundamento, isto é, a partir do ser-aí, o qual se encontra apropriado em meio ao acontecimento e imerso na viragem para o ACONTECIMENTO APROPRIADOR enquanto para a essência do seer e só pode se tornar insistente por força de sua origem como fundação do tempo-espaço (“temporialidade”), a fim de transformar a indigência do abandono do ser na necessidade da criação como a restituição do ente. E nos juntando à junção do seer, nós nos encontramos à disposição dos deuses. A própria busca é a meta. E isto significa: “metas” estão ainda por demais ligadas ao primeiro plano e sempre continuam se colocando diante do seer – e soterram o necessário. À disposição dos deuses – o que isto significa? E se os deuses forem o indecidido, porque ainda resta em um primeiro momento recusada a abertura da deização? Aquela palavra significa: à disposição para o ser usado no descerramento desse aberto. E aqueles que determinam previamente pela primeira vez a abertura desse aberto e que precisam realizar a afinação sobre eles, na medida em que repensam a essência da verdade e a elevam ao nível de questão, esses são os que são mais duramente usados. À “disposição dos deuses” – isto significa: se encontrar – muito para além e para fora – para fora do caráter corrente do “ente” e de suas interpretações; pertencer aos que se acham mais ao longe, para os quais a fuga dos deuses permanece o mais próximo em sua mais ampla subtração. (tr. Casanova; GA65: 5)

A questão pensante acerca da verdade do seer é o instante, que sustenta a transição. Esse instante não é nunca efetivamente fixável, nem tampouco tem como ser contabilizado. Ele estabelece pela primeira vez o tempo do ACONTECIMENTO APROPRIADOR. A simplicidade única dessa transição nunca é concebível historiologicamente, porque a “história” historiológica pública passou há muito tempo ao largo dessa transição, mesmo que ela possa ser mostrada mediatamente para essa “história”. Assim, fica reservado para esse instante um longo caráter de futuro, contanto que deva ser quebrado ainda uma vez o esquecimento do ser do ente. (tr. Casanova; GA65: 5)

A questão é que a tonalidade afetiva fundamental afina o ser-aí e, com isto, o pensar como projeto da verdade do seer na palavra e no conceito. A tonalidade afetiva é a pulverização do estremecimento do seer como ACONTECIMENTO APROPRIADOR no ser-aí. Pulverização: não como um mero desaparecimento e extinção, mas, ao contrário: como guarda da chama no sentido da clareira do aí de acordo com a plena abertura do fosso abismal do seer. A tonalidade afetiva fundamental do outro início quase não tem como ser jamais nomeada por meio de um nome; e isto se mantém até mesmo na transição para ele. A pluralidade de nomes, porém, não nega a simplicidade dessa tonalidade afetiva fundamental e só mostra em meio ao inconcebível todo o seu caráter simples. A tonalidade afetiva fundamental se chama para nós: o espanto, a retenção, o pudor, o pressentimento, o abrir-se para o pressentimento. (tr. Casanova; GA65: 6)

Toda e qualquer denominação da tonalidade afetiva fundamental por meio de uma única palavra fixa-se sobre uma opiniáo equivocada. Toda e qualquer palavra é sempre retirada do que é legado pela tradição. O fato de a tonalidade afetiva fundamental do outro início precisar ser dotada de muitos nomes não contesta sua simplicidade, mas confirma sua riqueza e sua estranheza. Toda e qualquer meditação sobre essa tonalidade afetiva fundamental é constantemente apenas uma lenta equipagem com vistas ao insight afinador da tonalidade afetiva fundamental, que precisa permanecer fundamentalmente um a-caso. A equipagem com vistas a tal a-caso só consiste naturalmente, de acordo com a essência da tonalidade afetiva, na ação pensante transitória; e essa ação precisa crescer a partir do saber propriamente dito (do resguardo da verdade do seer). Mas se o seer se essencia como a recusa e se essa recusa mesma deve vigorar em sua clareira e ser conservada como recusa, então a prontidão para a recusa só pode subsistir como abdicação. A abdicação não é aqui, contudo, o mero não querer ter e o deixar de lado, mas ela acontece como a forma mais elevada da posse, cuja elevação encontra a decisão na franqueza do entusiasmo pela doação do insondável pelo pensar, isto é, pela doação da recusa. Nessa decisão, o aberto da transição é retido e fundado – o em-meio-a abissal do entre em relação ao não-mais do primeiro início e de sua história e ao ainda-não do preenchimento do outro início. Nessa decisão, toda guarda do ser-aí precisa fincar pé, na medida em que o homem como fundador do ser-aí precisa se tornar o guardião do silêncio do passar ao largo do último deus. Essa decisão, porém, enquanto pressentindo, é apenas a sobriedade da força de sofrimento do criador, aqui daquele que projeta a verdade do seer, que abre o silêncio para a violência essencial do ente, a partir da qual o seer (como ACONTECIMENTO APROPRIADOR) torna-se apreensível. (tr. Casanova; GA65: 6)

Até que ponto o deus se encontra afastado de nós, aquele que nos nomeia fundadores e criadores, porque sua essência precisa de tais homens? Ele está tão afastado que nós não conseguimos decidir, se ele se movimenta em nossa direção ou se ele está se distanciando de nós. E repensar plenamente essa distância mesma em sua essenciação como o tempo-espaço da suprema decisão significa questionar acerca da verdade do seer, acerca do próprio ACONTECIMENTO APROPRIADOR, do qual toda história futura provém, se é que ainda haverá história. Essa distância da indecidibilidade do mais externo e do primeiro é o iluminado para o encobrir-se, é a essenciação da própria verdade como a verdade do seer. Pois o que se encobre dessa clareira, a distância da indecidibilidade, não é nenhum mero vazio presente à vista e indiferente, mas a essenciação mesma do ACONTECIMENTO APROPRIADOR como essência do ACONTECIMENTO APROPRIADOR, como essência da renúncia hesitante, que se apropria do ser-aí em meio ao acontecimento como já copertinente, o deter-se do instante e dos sítios da primeira decisão. (tr. Casanova; GA65: 7)

Na essência da verdade do ACONTECIMENTO APROPRIADOR decide-se e funda-se ao mesmo tempo todo verdadeiro, o ente se faz ente, o não ente desliza para o interior da aparência do seer. Essa distância é, sobretudo: a mais ampla e para nós primeira proximidade com deus, mas também a indigência do abandono do ser, encoberto pela ausência de indigência, que se atesta por meio do desvio em relação à meditação. Na essenciação da verdade do seer, no ACONTECIMENTO APROPRIADOR e como ACONTECIMENTO APROPRIADOR, encobre-se o último deus. (tr. Casanova; GA65: 7)

O despertar dessa indigência é o primeiro tresloucamento do homem para o interior daquele entre, no qual a confusão acossa de maneira uniforme e o deus permanece em fuga. Esse “entre”, contudo, não é nenhuma “transcendência” com relação ao homem, mas é, ao contrário, aquele aberto, ao qual pertence o homem como fundador e guardião, na medida em que ele é apropriado em meio ao acontecimento como ser-aí pelo seer mesmo, que não se essencia como nada diverso senão como ACONTECIMENTO APROPRIADOR. (tr. Casanova; GA65: 7)

Se o homem, por meio desse tresloucamento, chegar a se aprumar no ACONTECIMENTO APROPRIADOR e se ele continuar insistentemente na verdade do seer, então ele continuará se encontrando sempre a princípio no salto para a experiência decidida quanto a se, no ACONTECIMENTO APROPRIADOR, se decide em nome dele ou contra ele o ficar de fora ou a entrada em cena do deus. (tr. Casanova; GA65: 7)

Somente se mensuramos o quão unicamente necessário o ser é e como ele não se essencia como o próprio deus; somente se tivermos determinado nossa essência com vistas a esses abismos entre o homem e o seer e entre o seer e os deuses, somente então os “pressupostos” começarão uma vez mais a serem efetivamente realizados para uma “história”. Por isto, em termos de pensamento, a única coisa que se mostra como válida é a meditação com vistas ao “ACONTECIMENTO APROPRIADOR”. Por fim e em primeiro lugar, o “ACONTECIMENTO APROPRIADOR” só pode ser re-pensado (compelido para diante do pensar inicial), se o seer mesmo for concebido como o “entre” para o passar ao largo do último deus e para o ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 7)

O ACONTECIMENTO APROPRIADOR se sobrepõe apropriadoramente ao deus no homem, na medida em que ele se apropria do homem para o deus. Essa apropriação sobre-apropriada em meio ao acontecimento é o ACONTECIMENTO APROPRIADOR, no qual a verdade do seer é fundada como ser-aí (o homem transformado, voltado para a decisão do ser-aí e ser-se-ausentando) e a história toma o seu outro início a partir do seer. A verdade do seer, porém, como abertura do encobrir-se é ao mesmo tempo voltada para a decisão quanto à distância e à proximidade dos deuses e, assim, a prontidão para o passar ao largo do último deus. (tr. Casanova; GA65: 7)

O ACONTECIMENTO APROPRIADOR é o entre no que concerne ao passar ao largo do deus e à história do homem. Mas não o campo intermediário indiferente. Ao contrário, a referência ao passar ao largo é a abertura usada por deus do dilaceramento em meio a um fosso abissal; por outro lado, a referência ao homem é o deixar emergir que se apropria em meio ao acontecimento da fundação do ser-aí e, com isto, da necessidade do abrigo da verdade do seer no ente como de uma restituição do ente. (tr. Casanova; GA65: 7)

Passar ao largo não é história e história não é ACONTECIMENTO APROPRIADOR, assim como ACONTECIMENTO APROPRIADOR não é passar ao largo, e, contudo, todos os três (se é que temos o direito de rebaixá-los em geral ao nível do numerável) só são experimentados e re-pensados em suas referências, isto é, só a partir do próprio ACONTECIMENTO APROPRIADOR. (tr. Casanova; GA65: 7)

A distância da indecidibilidade não é naturalmente algo “para além de”, mas o mais próximo do aí infundado do ser-aí, que se tornou insistente na prontidão para a recusa enquanto a essenciação do seer. Esse mais próximo é tão próximo que todo exercício inevitável da maquinação e do vivenciado precisa ter já necessariamente passado ao largo dele e, por isto, também nunca pode ser resgatado imediatamente para ele. O ACONTECIMENTO APROPRIADOR permanece o que há de mais estranho. (tr. Casanova; GA65: 7)

A fuga dos deuses precisa ser experimentada e suportada. Essa constância funda a proximidade mais distante possível do ACONTECIMENTO APROPRIADOR. Esse ACONTECIMENTO APROPRIADOR é a verdade do seer. Nessa verdade abre-se pela primeira vez a indigência do abandono do ser. A partir dessa indigência, a fundação da verdade do ser e a fundação do ser-aí se tornam necessárias. Essa necessidade realiza-se na decisão constante, que atravessa de maneira dominante todo ser humano histórico: quer o homem seja futuramente alguém pertencente à verdade do ser e, assim, alguém que abriga a partir dessa copertinência e para ela a verdade como verdadeiro no ente, ou quer o começo do último homem expulse o homem para o interior da animalidade dissimulada e permaneça recusado para o homem histórico o último deus. O que acontecerá se a luta pelos critérios de medida tiver se extinguido, se o mesmo querer não quiser mais nenhuma grandeza, isto é, não apresentar mais nenhuma vontade da maior diversidade dos caminhos? (tr. Casanova; GA65: 8)

No outro início pensa-se de antemão aquele totalmente outro, que foi denominado o âmbito da decisão, no qual se conquista ou se perde o seer histórico propriamente dito dos povos. Esse ser – a historicidade – não é nunca o mesmo em toda e qualquer era. Ele se encontra agora diante de uma mudança essencial, na medida em que ele tem como tarefa fundar aquele âmbito da decisão, aquele nexo do ACONTECIMENTO APROPRIADOR, graças ao qual um ente histórico humano traz a si mesmo pela primeira vez para si mesmo. A fundação desse âmbito exige uma renúncia que é o contrário da tarefa de si. Ela só pode ser levada a termo a partir da coragem do a-bismo. Esse âmbito, se é que tal caracterização é em geral suficiente, é o ser-aí, aquele espaço intermediário, que, fundando pela primeira vez a si mesmo, confronta e defronta o homem e o deus um em relação ao outro, tornando-os próprios um ao outro. O que se abre na fundação do ser-aí é o ACONTECIMENTO APROPRIADOR. Com isto, não se tem em vista um “em face de”, algo intuível e uma “ideia”, mas o acenar de lá pra cá e o manter-se na mobilidade para cá no aberto do aí, que é justamente o ponto de virada clareador e encobridor nesta viragem. Essa viragem só conquista sua verdade, na medida em que ela é contestada enquanto contenda entre mundo e terra e, assim, em que o verdadeiro é coberto no ente. Só a história, que se funda no ser-aí, tem a garantia de uma copertinência à verdade do ser. (tr. Casanova; GA65: 8)

O seer como ACONTECIMENTO APROPRIADOR – renúncia hesitante como (recusa). Maturidade: fruto e doação. O elemento nulo no seer e o impulso contrário; querelante (seer ou não-ser). O seer se essencia na verdade; clareira para o encobrir-se. A verdade como essência do fundamento: fundamento – o em que fundado (não o de onde enquanto causa). O fundamento funda como a-bismo: a indigência como o aberto do encobrir-se (não o “vazio”, mas inesgotabilidade a-bissal). O a-bismo como o tempo-espaço. O tempo-espaço é o sítio instantâneo da contenda (seer ou não-ser). A contenda como a contenda de terra e mundo, porque a verdade do seer só é no abrigo e essa como o “entre” fundante no ente. Um contra o outro de terra e mundo. As vias e os modos do abrigo – o ente. (tr. Casanova; GA65: 9)

O seer se essencia como ACONTECIMENTO APROPRIADOR. A essenciação tem o meio e a amplitude na viragem. A exportação resolutora de contenda e réplica. A essenciação é garantida e abrigada na verdade. A verdade acontece como o encobrimento clareador. A estrutura fundamental desse acontecimento é o tempo-espaço que emerge dele. O tempo-espaço é o que desponta para as mensurações da abertura do fosso abissal do seer. O tempo-espaço é, enquanto junção da verdade, originariamente o sítio instantâneo do ACONTECIMENTO APROPRIADOR. O sítio instantâneo essencia-se a partir desse acontecimento como a contenda de terra e mundo. A contestação da contenda é o ser-aí. O ser-aí acontece nos modos do abrigo da verdade a partir da garantia do ACONTECIMENTO APROPRIADOR clareado e velado. O abrigo da verdade deixa que o verdadeiro se abra e se dissimule como o ente. O ente se encontra pela primeira vez assim no seer. O ente é. O seer se essencia. O seer (como ACONTECIMENTO APROPRIADOR) precisa do ente, para que ele, o seer, se essencie. O ente pode “ser” ainda no abandono do ser, sob cujo domínio a tangibilidade e a utilidade imediata, assim como a funcionalidade de todo e qualquer tipo (tudo precisa servir ao povo, por exemplo) constituem obviamente o que é sendo e o que não é. A autonomia aparente do ente em face do seer, como se este fosse apenas um suplemento do pensamento “abstrato” representacional, porém, não é nenhum primado, mas apenas o sinal do privilégio em relação à decadência que cega. Esse ente “real e efetivo” é concebido a partir da verdade do seer como o não-ente sob o domínio da inessência da aparência, cuja origem permanece aí encoberta. O ser-aí como a fundação da contestação da contenda em meio ao que é aberto por ela é cristalizado humanamente e sustentado na insistência que suporta o aí e que pertence ao ACONTECIMENTO APROPRIADOR. O pensar do seer como ACONTECIMENTO APROPRIADOR é o pensar inicial, que prepara como confrontação com o primeiro início o outro início. O primeiro início pensa o seer como presentidade a partir da presentação, que apresenta o primeiro reluzir de uma essenciação do seer. (tr. Casanova; GA65: 10)

1) ACONTECIMENTO APROPRIADOR: a luz segura da essenciação do seer no campo de visão extremo da mais íntima indigência do homem histórico. 2) O ser-aí: o entre aberto no meio e, assim, velador, entre a chegada e a fuga dos deuses e o homem nele enraizado. 3) O ser-aí tem a origem no ACONTECIMENTO APROPRIADOR e em sua viragem. 4) Por isto, ele só pode ser fundado como a verdade e na verdade do seer. 5) A fundação – não recriação – é um deixar-ser-fundamento por parte do homem, que chega, com isto, pela primeira vez, uma vez mais a si e reconquista o ser-si-mesmo. 6) O fundamento fundado é ao mesmo tempo abismo para a abertura do fosso abissal do seer e não fundamento para o abandono do ser do ente. 7) A tonalidade afetiva fundamental da fundação é a retenção. 8) A retenção é a referência insigne, instantânea ao ACONTECIMENTO APROPRIADOR no ser chamado por meio de seu conclamar. 9) O ser-aí é o acontecimento fundamental da história por vir. Esse acontecimento emerge do ACONTECIMENTO APROPRIADOR e se torna um sítio instantâneo possível para a decisão sobre o homem – sua história ou não história como sua transição para o ocaso. 10) O ACONTECIMENTO APROPRIADOR e o ser-aí estão em sua essência, isto é, em sua pertinência enquanto fundamento da história, ainda completamente velados e permanecerão por um longo tempo causando estranhamento. Faltam as pontes; os saltos ainda não foram levados a termo. Ainda permanece de fora a profundidade da experiência da verdade que lhes satisfazem e a meditação sobre o seu sentido: a força da decisão elevada. Em contrapartida, numerosas no caminho são apenas as ocasiões e os meios da má interpretação, porque falta mesmo o saber daquilo que aconteceu no primeiro início. (tr. Casanova; GA65: 11)

O ACONTECIMENTO APROPRIADOR é a própria história originária, com o que poderia estar insinuado que aqui em geral a essência do seer é concebida “historicamente”. A questão é: historicamente com certeza, mas não se valendo de um conceito de história, senão historicamente porque agora a essência do seer não significa apenas a presentidade, mas a plena essenciação do a-bismo tempo-espacial e, com isto, da verdade. Juntamente com isto, vem à tona o saber em torno da unicidade do seer. Por meio daí, contudo, não é preterida, por exemplo, a natureza, mas essa é do mesmo modo originariamente transformada. Neste conceito originário de história, conquista-se pela primeira vez o âmbito, no qual se mostra por que e como a história é “mais” do que ação e vontade. Também o “destino” pertence à história e não esgota sua essência. (tr. Casanova; GA65: 12)

Tonalidade afetiva é aqui visada no sentido insistente: a unidade da exportação resolutora de todo fascínio, assim como do projeto e do registro de todo êxtase e de toda insistência e realização da verdade do ser. Toda e qualquer representação diversa e “psicológica” da “tonalidade afetiva” precisa ser posta de lado aqui. Por isto, a tonalidade afetiva nunca pode ser simplesmente o como, que acompanha, ilumina e sombreia todo fazer e deixar de fazer do homem, fazer e deixar de fazer esses que já estariam fixados. Ao contrário, é só por meio da tonalidade afetiva que a extensão do êxtase do ser-aí é mensurada e a simplicidade do fascínio atribuída, na medida em que se trata da retenção como tonalidade afetiva fundamental. Ela é a tonalidade afetiva fundamental, porque ela afina a sondagem do fundamento do ser-aí, do ACONTECIMENTO APROPRIADOR, e, com isto, a fundação do ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 13)

A retenção é a prontidão mais intensa e ao mesmo tempo mais terna do ser-aí para a apropriação em meio ao acontecimento, o ser jogado no encontrar-se-em propriamente dito na verdade da viragem para o cerne do ACONTECIMENTO APROPRIADOR. O domínio do último deus só toca na retenção; a retenção cria para ele, para esse domínio, assim como para ele, para o último deus, a grande tranquilidade. (tr. Casanova; GA65: 13)

Retenção: o salto adiante que se mantém em si, o salto para o interior da viragem do ACONTECIMENTO APROPRIADOR (por isto, nenhuma fuga romântica ou uma aquietação burguesa). (tr. Casanova; GA65: 13)

Cortam de nós a palavra; não como uma ocorrência ocasional, junto à qual não teria lugar um discurso e um enunciado realizável e onde apenas o enunciar e o redizer o que já foi dito e o que é dizível não são levados a termo, mas originariamente. A palavra não ganha ainda de modo algum a palavra, por mais que ela chegue ao primeiro salto por meio de tal corte. O que corta a palavra é o ACONTECIMENTO APROPRIADOR enquanto aceno e acometimento do seer. O fato de se cortar a palavra é a condição inicial para a possibilidade que se desdobra de uma denominação originária – poética – do seer. Linguagem e a grande tranquilidade, a proximidade simples da essência e a distância clara do ente, quando a palavra atua uma vez mais pela primeira vez. Quando chegará esse tempo? A retenção: o suportar criador no a-bismo. (tr. Casanova; GA65: 13)

A filosofia é o saber imediatamente inútil, mas, não obstante, um saber dominante a partir da meditação. Meditação é questionamento acerca do sentido, isto é, acerca da verdade do seer. O questionamento acerca da verdade é o salto para o interior de sua essência e, com isto, para o interior do seer mesmo. A questão é: se, quando e como somos pertencentes ao ser (como ACONTECIMENTO APROPRIADOR). Essa questão precisa ser questionada por causa da essência do ser, que precisa de nós, e, em verdade, não como aqueles que se encontram precisamente ainda presentes, mas de nós, na medida em que nós ratificamos insistentemente suportando o ser-aí e o fundamos como a verdade do seer. Por isto, a meditação – salto para o interior da verdade do ser – é necessariamente auto-meditação. Isto não significa consideração voltada para trás de nós como “dados”, mas fundação da verdade do ser si mesmo a partir da propriedade do ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 16)

A indigência, aquele elemento que impele de um lado para o outro, essenciante – o que aconteceria se a verdade do seer mesmo fosse, o que aconteceria se, com a fundação originária da verdade, se tornasse ao mesmo tempo mais essenciante o seer – como ACONTECIMENTO APROPRIADOR? E se as coisas se derem assim e a indigência for mais compelidora, se ela impelir mais de um lado para o outro, mas o impulso for nessa violência apenas aquela contenda, que teria na desmedida da intimidade do ente e do seer seu fundamento que se recusa? (tr. Casanova; GA65: 17)

Só quem concebe o fato de que o homem precisa fundar historicamente a sua essência por meio da fundação do ser-aí, o fato de que a insistência da pendência do ser-aí não é outra coisa senão a moradia no tempo-espaço daquele acontecimento, que acontece apropriadoramente como a fuga dos deuses; só quem recolhe de maneira criadora a consternação e a animação do ACONTECIMENTO APROPRIADOR na retenção como tonalidade afetiva fundamental, consegue pressentir a essência do ser e preparar em tal meditação a verdade para o futuro verdadeiro. (tr. Casanova; GA65: 19)

Na meditação e por meio dela acontece necessariamente o sempre-ainda-outro, que é importante propriamente preparar, mas que não encontraria os sítios do ACONTECIMENTO APROPRIADOR, se não fosse uma clareira para o velado. A filosofia como automeditação da maneira indicada só é executável como pensar inicial do outro início. Essa automeditação deixou todo “subjetivismo” para trás, mesmo aquele que se esconde da maneira mais perigosa possível no culto à “personalidade”. Onde esse culto é estabelecido e, de maneira correspondente, onde é estabelecido na arte o “gênio”, tudo se movimenta, apesar dos asseguramentos em contrário, na via do pensamento do “eu” e da consciência moderna. Quer se compreenda a pessoalidade como a unidade “espírito-alma-corpo”, quer se inverta essa mistureba e só se estabeleça em primeiro lugar à guisa de afirmação o corpo, tudo isto não altera nada na confusão aqui dominante do pensar, que se desvia de toda e qualquer pergunta. O “espírito” é considerado sempre neste caso como “razão”, como a faculdade do poder-dizer-eu. Aqui, até mesmo Kant já se encontrava para além desse liberalismo biológico. Kant viu: a pessoa é mais do que o “eu”; ela está fundada na autolegislação. Naturalmente, isto também permaneceu platonismo. E as pessoas querem fundamentar, por exemplo, o dizer-eu biologicamente? Se não, então essa inversão é de qualquer modo apenas uma brincadeira, o que ela também continua sendo mesmo sem isto, porque aqui permanece inquestionadamente pressuposta a metafísica velada de “corpo” e “sensibilidade”, “alma” e “espírito”. (tr. Casanova; GA65: 19)

Repousar significa dizer que o questionamento se acha em meio ao mais extremo âmbito de oscilação, em meio ao pertencimento ao acontecimento mais extremo, que é a viragem no ACONTECIMENTO APROPRIADOR. O encontrar-se acontece no salto, que se desdobra como fundação do ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 22)

Porque só o maior acontecimento, o mais íntimo ACONTECIMENTO APROPRIADOR, ainda pode nos salvar da perdição no funcionamento das meras ocorrências e maquinações. Algo desse gênero precisa se apropriar em meio ao acontecimento daquilo que o ser abre para nós e que nos recoloca nesse ser, e, assim, nos traz para nós mesmos e para diante da obra e do sacrifício. Agora, porém, o maior ACONTECIMENTO APROPRIADOR é sempre o início, ainda que esse início seja o início do último deus. Pois o início é o velado, a origem ainda não abusada e funcionalizada, que, sempre se subtraindo, mais amplamente antecipa e, assim, conserva em si o mais elevado domínio. Esse poder não desgastado do fechamento radical das mais puras possibilidades da coragem (da vontade afinada e sapiente do ACONTECIMENTO APROPRIADOR) é a única salvação e comprovação. (tr. Casanova; GA65: 23)

O início é o seer mesmo como ACONTECIMENTO APROPRIADOR, o domínio velado da origem da verdade do ente enquanto tal. E, enquanto o ACONTECIMENTO APROPRIADOR, o seer é o início. (tr. Casanova; GA65: 23)

O outro início precisa ser provocado completamente a partir do seer como ACONTECIMENTO APROPRIADOR e a partir da essenciação de sua verdade e de sua história. O pensar inicial desloca seu questionamento acerca da verdade do seer para um ponto muito lá atrás no primeiro início como a origem da filosofia. Com isto, ele cria para si a garantia para chegar em seu outro início vindo de muito longe e para encontrar na herança dominada a sua mais elevada constância futura e, com isto, para retornar a si mesmo em uma necessidade modificada (em face do primeiro início). (tr. Casanova; GA65: 23)

O que é concebido é aqui originariamente a “quintessência” e essa em primeiro lugar e sempre referida à conexão que acompanha a viragem em direção ao cerne do ACONTECIMENTO APROPRIADOR. De início, o caráter paradigmático pode ser indicado por meio da ligação, que todo e qualquer conceito de ser enquanto conceito, isto é, em sua verdade, tem com o ser-aí e, com isto, com a insistência do homem histórico. Na medida, contudo, em que o ser-aí só se funda como pertencimento à conclamação na viragem do ACONTECIMENTO APROPRIADOR, o mais íntimo da quintessência reside no conceito da própria viragem, naquele saber que, suportando a indigência do abandono do ser, se mantém na prontidão para a conclamação; naquele saber que fala, na medida em que antes silencia a partir da insistência suportadora no ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 27)

Onde, em contrapartida, o seer é concebido como ACONTECIMENTO APROPRIADOR, determina-se a essencialidade a partir da originariedade e unicidade do próprio seer. A essência não é o universal, mas a essenciação precisamente da respectiva unicidade e do nível hierárquico do ente. (tr. Casanova; GA65: 29)

O estilo da retenção, porque essa afina integralmente de modo fundamental a insistência, a espera rememorante do ACONTECIMENTO APROPRIADOR. Essa retenção também afina inteiramente toda contestação da contenda entre mundo e terra. Ela se submete – silenciando – à medida suave, suportando em si a pérfida grima, as duas – pertencendo-se mutuamente – encontram-se diversamente a partir da terra tanto quanto a partir do mundo. (tr. Casanova; GA65: 31)

Aquela essência da verdade, contudo, a clareira e o encobrimento extasiantes e fascinantes como origem do aí, se essencia em seu fundamento, que nós experimentamos como acontecimento da apropriação. A aproximação e a fuga, a chegada e a evasão, ou a simples elisão dos deuses; para nós, no ser senhor, isto é, no início e no ser dominante sobre esse acontecimento, cujo domínio final inicial se mostrará como o último deus. Em seu aceno, o ser mesmo, o ACONTECIMENTO APROPRIADOR enquanto tal, se torna pela primeira vez visível, e esse brilhar carece tanto da fundação da essência da verdade como clareira e como encobrimento quanto de seu abrigo derradeiro nas figuras transformadas do ente. De resto, o que se pensou até aqui sobre espaço e tempo, que pertencem retroativamente a essa origem da verdade, já é, como Aristóteles já tinha exposto pela primeira vez na Física, uma consequência da essência já fixada do ente como ousia e da verdade como correção e de tudo aquilo que se obtém a partir daí em termos de “categorias”. Quando Kant caracteriza espaço e tempo como “intuições”, isto não é outra coisa senão, no interior dessa tradição, uma fraca tentativa de salvar em geral a essência própria de espaço e tempo. Mas Kant não tem nenhum caminho para a essência de espaço e tempo. A orientação pelo “eu”, pela “consciência” e pelo re-presentar obstrui pura e simplesmente todo e qualquer caminho e vereda. (tr. Casanova; GA65: 32)

O abrigo mesmo realiza-se no e como ser-aí. E isto acontece, conquista e perde a história na o-cupação insistente, que pertence de antemão ao ACONTECIMENTO APROPRIADOR, mas que só sabe muito pouco algo sobre esse pertencimento. Essa ocupação pensada não a partir da cotidianidade, mas concebida a partir da ipseidade do ser-aí, se mantém em modos múltiplos que se requisitam entre si: fabricação de utensílios, instituição da maquinação (técnica), criação de obras, ato formador de Estado, sacrifício pensante. Em tudo isso a cada vez de maneira diversa, a pré e a co-configuração de conhecimento e de saber essencial como fundação da verdade. “Ciência” apenas uma estaca distanciada de uma penetração determinada da fabricação de utensílios etc.; nada autônomo e nunca podendo ser colocada em conexão com o saber essencial do repensar do ser (filosofia). (tr. Casanova; GA65: 32)

O abrigo, porém, não se mantém apenas sob os modos da produção, mas de maneira igualmente originária também sob o modo da assunção do encontro do inanimado e do vivente: pedra, planta, animal, homem. Aqui acontece a retomada na terra que se fecha. A questão é que esse acontecimento do ser-aí nunca é por si, mas pertence ao atiçamento da contenda entre terra e mundo, à insistência no ACONTECIMENTO APROPRIADOR. (tr. Casanova; GA65: 32)

O ACONTECIMENTO APROPRIADOR é o meio que comunica a si mesmo e se intermedeia, o meio de volta ao qual toda essenciação da verdade do seer precisa ser de antemão pensada. Esse pensar de volta para lá é o re-pensar do seer. E todos os conceitos do seer precisam ser falados a partir daí. (tr. Casanova; GA65: 34)

O pressentimento inexpresso do ACONTECIMENTO APROPRIADOR apresenta-se em primeiro plano e, ao mesmo tempo, em meio a uma rememoração histórica (ousia = parousia) como “temporialidade”: o acontecimento do êxtase que guarda o que tinha sido e que antecipa abrindo o porvir, isto é, a abertura e a fundação do aí, e, com isso, da essência da verdade. (tr. Casanova; GA65: 34)

“O seer” não visa apenas à realidade efetiva do efetivamente real, nem tampouco apenas à possibilidade do possível, em geral não somente ao ser a partir do respectivo ente, mas ao seer a partir de sua essenciação originária na plena abertura do fosso abissal, à essenciação não restrita à “presentidade”. Naturalmente, a essenciação do seer mesmo e, com isto, o seer em sua unicidade mais única não se deixam experimentar de maneira arbitrária e direta como um ente, mas só se abrem na instantaneidade do salto prévio do ser-aí para o interior do ACONTECIMENTO APROPRIADOR. Um caminho também nunca conduz imediatamente do ser do ente para o seer, porque a visão para o ser do ente já acontece fora da instantaneidade do ser-aí. A partir daqui, é possível trazer para o interior da questão do ser uma distinção e uma clarificação essenciais. Ela não é nunca a resposta da questão do ser, mas apenas a conformação do questionar, o despertar e a clarificação da força questionadora para essa questão, que só emerge sempre e a cada vez da indigência e do desenvolvimento do ser-aí. (tr. Casanova; GA65: 34)

Para a questão fundamental, em contrapartida, o ser não é a resposta e o âmbito da resposta, mas o que há de mais digno de questão. Para ele, vale a dignificação única e saliente, isto é, ele mesmo é aberto como domínio e, assim, elevado ao nível do aberto como o que nunca pode ser controlado. O seer como o fundamento, no qual todo ente primeiramente enquanto tal chega à sua verdade (abrigo, instituição e objetividade); o fundamento, no qual o ente mergulha (abismo), o fundamento, no qual ele também se atreve a se lançar em sua indiferença e obviedade (não fundamento). O fato de o seer se essenciar de maneira fundante em sua essenciação desse modo indica a sua unicidade e domínio. E esse domínio, por sua vez, é apenas o aceno para o ACONTECIMENTO APROPRIADOR, no qual temos de buscar a essenciação do seer em seu mais extremo velamento. O seer enquanto o que há de mais digno de questão não conhece mesmo em si nenhuma questão. (tr. Casanova; GA65: 34)

A meditação sobre o caminho: 1) O que é um pensar inicial. 2) Como é que o outro início se realiza como silenciamento. O “ACONTECIMENTO APROPRIADOR” seria o título correto para a “obra”, que aqui não pode ser senão preparada; e, por isto, é preciso colocar como título, ao invés disso: Contribuições à filosofia. A “obra”: a construção que se desenvolve no voltar-se para o fundamento preponderante. (tr. Casanova; GA65: 35)

(O repensar do seer e a linguagem) Com a linguagem habitual, que hoje é cada vez mais amplamente abusada e desgastada, a verdade do seer não tem como ser dita. Será que essa verdade pode ser em geral dita de maneira imediata, uma vez que toda linguagem é de qualquer modo linguagem do ente? Ou será que pode ser inventada uma nova linguagem para o seer? Não. E mesmo se tal tentativa tivesse êxito e mesmo sem uma formação vernácula artificial, essa linguagem não seria nenhuma linguagem que diz. Todo dizer precisa emergir concomitantemente do poder ouvir. Os dois precisam ter a mesma origem. Assim, só uma coisa importa: dizer a linguagem mais nobremente amadurecida em sua simplicidade e força essencial, a linguagem do ente enquanto linguagem do seer. Essa transformação da linguagem penetra em âmbitos que ainda se encontram cerrados para nós, porque não sabemos a verdade do seer. Assim, fala-se da “recusa do perseguimento”, da “clareira do encobrimento”, do “ACONTECIMENTO APROPRIADOR”, do “ser-aí”, não um escolher verdades e retirar essas verdades das palavras, mas a abertura da verdade do seer em tal dizer transformado. (tr. Casanova; GA65: 36)

O silenciamento é a legalidade sensata do silenciar (sigan). O silenciamento é a “lógica” da filosofia, na medida em que ela questiona a partir do outro início a questão fundamental. Ela busca a verdade da essenciação do seer e essa verdade é o velamento que ressoa e nos fornece um aceno (o mistério) para o ACONTECIMENTO APROPRIADOR (a renúncia hesitante). (tr. Casanova; GA65: 37)

O discurso marcado pelo termo estrangeiro “sigética” na correspondência com a “lógica” (onto-logia) só é visado transitória e retrospectivamente e não aponta de maneira alguma para a busca por substituir a “lógica”. Pois uma vez que a questão acerca do seer e acerca da essenciação do seer se encontra presente, o questionamento mesmo ainda é mais originário e, por isso, não pode senão menos ainda ser enclausurado e sufocado em uma disciplina escolar. Nunca podemos dizer imediatamente o seer (ACONTECIMENTO APROPRIADOR), e, desse modo, também não podemos dizê-lo mediatamente no sentido da “lógica” intensificada da dialética. Todo e qualquer dizer já fala a partir da verdade do seer e nunca pode saltar por cima de si mesmo imediatamente e aceder ao seer ele mesmo. O silenciamento tem leis mais elevadas do que toda e qualquer lógica. (tr. Casanova; GA65: 38)

Se essa retenção ganha voz, o dito é sempre o ACONTECIMENTO APROPRIADOR. Compreender esse dizer significa, contudo, levar a termo o projeto e o salto para o interior do ACONTECIMENTO APROPRIADOR. O dizer funda enquanto silenciar. Sua palavra não é, por exemplo, apenas um sinal de algo completamente diverso. O que ele denomina é visado. Mas o “visar” só é próprio enquanto ser-aí, o que significa dizer que ele só é próprio de maneira pensante no questionar. (tr. Casanova; GA65: 38)

Este (ACONTECIMENTO APROPRIADOR) é o título essencial para a tentativa do pensar inicial. O título público, porém, só pode ser: contribuições à filosofia. (tr. Casanova; GA65: 39)

As seis junções da junta livre e fugidia se encontram cada uma por si, mas apenas para tornar mais penetrante a unidade essencial. Em cada uma das seis junções livres e fugidias, sempre se tenta dizer sempre e a cada vez o mesmo sobre o mesmo, mas a cada vez a partir de um âmbito essencial daquilo que o ACONTECIMENTO APROPRIADOR denomina. Visto de maneira extrínseca e fragmentária, encontram-se, então, facilmente por toda parte “retomadas”. Todavia, realizar de modo puro em termos da fuga livre e fugidia a persistência no mesmo, esse testemunho da autêntica insistência do pensar inicial, é o que há de mais difícil. Em contrapartida, o prosseguimento avançado na serialização de uma “matéria prima” que se oferece constantemente de maneira diversa é fácil, porque ele se dá por si mesmo. (tr. Casanova; GA65: 39)

O salto abre de antemão as amplitudes e os encobrimentos não revisados daquilo para onde a fundação do ser-aí, pertencente ao clamor do ACONTECIMENTO APROPRIADOR, precisa avançar. (tr. Casanova; GA65: 39)

Eles assumem e conservam o pertencimento ao ACONTECIMENTO APROPRIADOR e à sua viragem, pertencimento esse despertado pela conclamação. Assim, desponta o aceno do último deus. (tr. Casanova; GA65: 39)

Será que algo assim é configurável no dizer, de tal modo que a simplicidade dessa tarefa venha à luz? Corresponde a isso a junção livre e fugidia “do ACONTECIMENTO APROPRIADOR”? Quem quer saber isso? Mas é só por isto que ele precisa ser ousado. (tr. Casanova; GA65: 40)

A decisão já há muito tempo irrompida no velado e no dissimulado é a decisão pela história ou pela perda da história. História, porém, concebida como a contestação da contenda de terra e mundo, assumida e realizada a partir do pertencimento ao clamor do ACONTECIMENTO APROPRIADOR como a essenciação da verdade do seer na figura do último deus. (tr. Casanova; GA65: 45)

A missão, porém, à luz e na via da decisão: o abrigo da verdade do ACONTECIMENTO APROPRIADOR a partir da retenção do ser-aí na grande tranquilidade do seer. (tr. Casanova; GA65: 45)

Por meio do que é tomada a decisão? Por meio do presente ou da permanência de fora daqueles insignemente delineados, que nós denominamos “os que estão por vir”, em diferença em relação aos muitos que arbitrariamente virão depois e aos imparáveis, que não têm mais nada diante de si e mais nada atrás de si. Desses elementos delineados faz parte: 1) Aqueles poucos particulares, que fundam de antemão os sítios e os instantes para os âmbitos do ente naquelas vias essenciais do ser-aí fundante (poesia – pensamento – ação – sacrifício). Eles criam, assim, a possibilidade essenciante para os diversos abrigos da verdade, abrigos esses nos quais o ser-aí se torna histórico. 2) Aqueles inúmeros elos de ligação, para os quais está dado pressentir a partir da concepção do querer sapiente e das fundações do particular as leis da recriação do ente, da preservação da terra e do projeto do mundo em sua contenda e torná-las visíveis em meio à execução. 3) Aquelas muitas referências de um para o outro, de acordo com a sua proveniência histórica (terrena e mundana), por meio da qual e para a qual a recriação do ente e, com isso, a fundação da verdade do ACONTECIMENTO APROPRIADOR conquista consistência. 4) Os particulares, os poucos, os muitos (não considerados como número, mas com vistas ao seu caráter assinalado) se encontram ainda em parte nas antigas ordens correntes e planejadas. Essas ordens só se mostram ainda como uma proteção de sua consistência ameaçada ao modo de um invólucro ou ainda como forças diretrizes de seu querer. A consonância desses particulares, desses poucos e muitos é velada, não produzida, crescendo repentinamente e por si. Impera sobre ela o reinado a cada vez diverso do ACONTECIMENTO APROPRIADOR, no qual se prepara uma reunião originária, na qual e como a qual se toma histórico aquilo que pode ser denominado um povo. 5) Esse povo é em sua origem e em sua determinação unicamente de acordo com a unicidade do próprio seer, cuja verdade ele tem de fundar uma única vez junto a um único sítio em um único instante. Como é que essa decisão pode ser preparada? Será que o saber e a vontade têm aqui um espaço para dispor ou só se trata aqui de uma intervenção cega em necessidades veladas? Mas necessidades só reluzem em uma indigência. E a preparação de uma prontidão para a decisão encontra-se naturalmente sob o domínio da necessidade de apenas ainda acelerar por fim a falta de história turbilhonante e calcificar suas condições, onde ela quer de qualquer modo o diverso. (tr. Casanova; GA65: 45)

A essência da decisão só pode ser determinada a partir de sua essenciação essencial. Decisão é decisão entre ou-ou. Com isso, porém, o decisivo já é antecipado. De onde o ou-ou? De onde esse: somente esse ou apenas esse? De onde a incontornabilidade do de tal ou tal modo? Não resta o terceiro elemento, a indiferença? Mas aqui, porém, no extremo, ela não é possível. O que é aqui o extremo: ser ou não-ser e, em verdade, não o ser de um ente qualquer, por exemplo, do homem, mas essenciação do ser, ou? Por que se chega aqui ao ou-ou? A indiferença seria apenas o ser do não-ente, apenas o nada mais elevado. Pois “ser” não tem em vista aqui ao ser em si presente à vista, assim como o não-ser também não visa aqui: ao completo desaparecimento, mas não-ser como uma espécie do ser: sendo e, de qualquer modo, não como uma espécie de ser; e o mesmo vale para o ser: nulo e, de qualquer modo, precisamente sendo. Esse sendo retomado na essenciação do ser exige a intelecção do pertencimento do nada ao ser, e só assim alcança o ou-ou a sua agudeza e a sua origem. Como o seer é nulo, ele precisa para a consistência de sua verdade da subsistência do não e, com isso, ao mesmo tempo do contra tudo o que é nulo, o não-ente. A partir da nulidade essencial do ser (viragem) vem à tona o fato de que ele exige e necessita daquilo que se mostra a partir do ser-aí como ou-ou, o um ou o outro, e apenas deles. A essenciação essencial da decisão é um salto em direção à decisão ou a indiferença; ou seja, não a retração e não a destruição. A indiferença como o não-decidir. A decisão passa originariamente por saber se decisão ou não decisão. A decisão, porém, é um colocar-se diante do ou-ou, e, com isso, já é um ter sido decidido, porque aqui já se dá um pertencimento ao ACONTECIMENTO APROPRIADOR. A decisão sobre a decisão (viragem). Nenhuma reflexão, mas o contrário disso: sobre a decisão, isto é, já saber o ACONTECIMENTO APROPRIADOR. Decisão e questão; questão como mais originária: colocar a essência da verdade em decisão. A verdade mesma, contudo, já é o que precisa ser decidido enquanto tal. (tr. Casanova; GA65: 47)

A ressonância do seer como recusa no abandono do ser do ente – isso já diz que aqui não deve ser descrito, explicado ou colocado em ordem algo presente à vista. O peso do pensamento é diverso no outro início da filosofia: o re-pensar daquilo que acontece apropriadoramente como o próprio ACONTECIMENTO APROPRIADOR, trazendo o seer para a verdade de sua essenciação. Como, porém, no outro início, o seer se torna ACONTECIMENTO APROPRIADOR, a ressonância do seer também precisa ser história, atravessar a história em um abalo essencial e poder dizer e saber ao mesmo tempo o instante dessa história. (Não são uma caracterização e uma descrição histórico-filosófica que se tem em vista aqui, mas um saber sobre a história a partir do instante e como o instante da primeira ressonância da verdade do próprio seer). E, de qualquer modo, o discurso soa como se só vigorasse a denominação do atual. O que é dito seria sobre a era da completa inquestionabilidade, que estende seu espaço de tempo subtemporalmente para além do atual de volta e muito para a frente. Nessa era, nada essencial – caso essa determinação em geral ainda tenha um sentido – é mais impossível ou inacessível. Tudo “é feito” e “se deixa fazer”, contanto que se tenha a “vontade” para tanto. O fato, porém, de ser precisamente essa “vontade”, que já estabeleceu e degradou de antemão aquilo que pode ser possível e, antes de tudo, necessário, já é de antemão desconhecido e deixado fora de toda e qualquer questão. Pois essa vontade, que faz tudo, se prescreveu de antemão a maquinação, aquela interpretação do ente como o re-presentável e re-presentado. Re-presentável significa por um lado: acessível no visar e no calcular; e significa, então: passível de ser trazido à tona na pro-dução e na execução. Tudo isso, porém, pensado a partir do fundamento: o ente enquanto tal é o re-presentado, e apenas o representado é ente. O que estabelece aparentemente uma resistência e um limite para a maquinação é, para ela, apenas a matéria prima para o trabalho ulterior e o impulso para o progresso, a ocasião para a extensão e a ampliação. No interior da maquinação, não há nada digno de questão, algo tal que pudesse ser honrado enquanto tal e honrado sozinho, e, com isso, iluminado e elevado ao nível da verdade. (tr. Casanova; GA65: 51)

A ressonância da verdade do seer e de sua essenciação mesma a partir da indigência do esquecimento do ser. O alçar essa indigência a partir de sua profundidade enquanto ausência de indigência. O esquecimento do ser não sabe nada sobre ela, ele pensa estar junto ao “ente”, junto ao “efetivamente real”, próximo da “vida” e seguro do “vivenciar”. Pois ele conhece apenas o ente. Todavia, desse modo, em tal presentação do ente, esse ente é abandonado pelo seer. O abandono do ser, porém, é o fundamento do esquecimento do ser. No entanto, o abandono do ser do ente traz para o ente a aparência de que esse ente mesmo seria, então, sem qualquer necessidade de um outro, apto para ser pego e utilizado. O abandono do seer, contudo, é o ser exposto e a proibição do ACONTECIMENTO APROPRIADOR. É a partir do abandono do ser que a ressonância precisa soar e ter início com o desdobramento do esquecimento do ser, no qual o outro início ressoa e, assim, o seer. (tr. Casanova; GA65: 55)

A ressonância do seer quer resgatar o seer em sua plena essenciação como ACONTECIMENTO APROPRIADOR por meio do desentranhamento do abandono do ser, o que só acontece de tal modo que o ente é recolocado por meio da fundação do ser-aí no seer que se abre no salto. (tr. Casanova; GA65: 55)

No que o abandono do ser se anuncia: 1) A completa insensibilidade em relação ao múltiplo naquilo que é considerado essencial; plurissignificância provoca a perda de força e a má vontade em relação à decisão real e efetiva. Por exemplo, tudo o que significa a palavra “povo”: o elemento comunitário, o elemento racial, o baixo e o inferior, o nacional, o permanente; por exemplo, tudo aquilo que é chamado de “divino”. 2) O não saber mais o que é condição e o que é condicionado e incondicionado. Idolatria em relação às condições do seer histórico, do elemento populista, por exemplo, com toda a sua plurissignificância, transformando-o em algo incondicionado. 3) O permanecer preso no pensar e no estabelecimento de “valores” e “ideias”; sem qualquer questão séria, vê-se aí, como que em algo inalterável, a forma estrutural do ser-aí histórico; e a isso corresponde o pensar em termos de “visões de mundo”. 4) De acordo com isso, tudo é inserido em uma engrenagem “cultural”, as grandes decisões, o Cristianismo, não são expostos a partir da raiz, mas contornados. 5) A arte é submetida a uma utilidade cultural e desconhecida em sua essência; a cegueira em relação ao seu cerne essencial, o modo da fundação da verdade. 6) Em geral característico é o erro de avaliação em relação ao que é repulsivo e negador; ele é simplesmente alijado como o “mal”, equivocadamente interpretado e, com isso, apequenado e tanto mais propriamente ampliado em seu perigo. 7) Nisso se mostra – completamente à distância – o não saber em torno do pertencimento do não, da nulidade ao seer mesmo, a falta de qualquer ideia em face da finitude e da unicidade do seer. 8) Isso é acompanhado pelo não saber da essência da verdade; o fato de antes de tudo o que é verdadeiro a verdade e a sua fundação precisarem ser decididas; a busca cega pelo “verdadeiro” na aparência do querer maximamente sério. 9) Por isto, a recusa do saber autêntico e o medo diante da questão; o esquivar-se da meditação; a fuga em direção ao ceme dos dados e das maquinações. 10) Toda tranquilidade e toda retenção aparecem como inatividade, como um deixar passar e como renúncia e talvez sejam a mais ampla reconexão com o deixar ser do ser como ACONTECIMENTO APROPRIADOR. 11) A segurança de si do que não se deixa mais conclamar; a calcificação contra todos os acenos; a impotência da expectativa; só ainda calcular. 12) Tudo isso são apenas irradiações de um encobrimento confuso e calcificado da essência do seer, sobretudo da abertura de seu fosso abissal: o fato de unicidade, raridade, instantaneidade, acaso e acometimento, retenção e liberdade, resguardo e necessidade pertencerem ao seer; o fato de esse seer não se mostrar como o que há de mais vazio e mais comum, mas como o que há de mais rico e mais elevado e só se essenciar no acontecimento da apropriação, acontecimento esse graças ao qual o ser-aí chega à fundação da verdade do ser no abrigo por meio do ente. 13) A elucidação particular do abandono do ser como decadência do Ocidente; a fuga dos deuses; a morte do Deus moral cristão; sua reinterpretação. O velamento desse desenraizamento por meio do encontrar a si mesmo que se inicia de maneira supostamente nova do homem (Modernidade); esse encobrimento banhado no brilho do e intensificado pelo progresso: descobertas, invenções, indústria, máquina; ao mesmo tempo a massificação, a negligência, a desertificação, tudo como desatrelamento do fundamento e das ordens; o desenraizamento, porém, como o mais profundo velamento da indigência, a falta de força para a meditação, a impotência da verdade; o pro-gresso em direção ao não ente como abandono crescente do seer. 14) O abandono do ser é o fundamento mais íntimo para a indigência da falta de indigência. Como é que essa indigência pode ser efetuada como indigência? Alguém não precisa deixar a verdade do seer brilhar – mas para quê? Quem dos desprovidos de indigência consegue ver? Haverá algum dia uma saída para tal indigência, que se nega constantemente como indigência? Falta o querer sair. Será que a lembrança das possibilidades do passado essencial (o sido) do ser-aí pode conduzir à meditação? Ou será que algo in-habitual, não ideável se choca com essa indigência? 15) O abandono do ser, aproximado por meio de uma meditação sobre a desertificação do mundo e sobre a destruição da terra no sentido da rapidez, do cálculo, da pretensão do massificado. 16) O “domínio” coetâneo da impotência da mera mentalidade e da violência da instituição. (tr. Casanova; GA65: 56)

O modo como a maquinação e a vivência (de início veladas por um longo tempo, sim, veladas até agora enquanto tais) se impelem mutuamente até o extremo e, com isso, desdobram os deslocamentos da entidade e do homem em sua referência ao ente, desenvolvendo a si mesmas segundo o seu mais extremo abandono, compelindo-se agora reciprocamente nesses deslocamentos e criando uma unidade, que com maior razão encobre aquilo que acontece apropriadoramente nela: o abandono do ente por toda verdade do seer e completamente até mesmo pelo seer mesmo. Mas esse ACONTECIMENTO APROPRIADOR do abandono do ser seria mal interpretado, caso se quisesse ver aí um processo de decadência, ao invés de refletir que ele atravessa os modos próprios e únicos da descoberta do ente e de sua “pura” objetivação em um determinado fenômeno, aparentemente desprovido de pano de fundo e em geral sem fundamento. A emergência do “natural”, a aparição das coisas mesmas, à qual pertence efetivamente aquela aparência do sem fundamento. Esse elemento “natural” claramente não possui mais nenhuma referência imediata à physis, mas está colocado completamente sobre o maquinal, sendo contra tal referência com certeza preparado pelo predomínio outrora vigente do sobrenatural. Essa descoberta do “natural” (por fim, do factível, do dominável e do vivenciável) precisa se esgotar um dia em suas próprias riquezas e se solidificar em uma mistura cada vez mais desértica das possibilidades até aqui, de tal modo, em verdade, que esse apenas-continuar-fazendo-como-se-fazia-até-então não sabe e não pode saber senão cada vez menos sobre si no que ele é, e aparece tanto mais criativamente para si mesmo, quanto mais ele empreende o seu fim. (tr. Casanova; GA65: 68)

O encontrar o caminho que leva de uma à outra entre maquinação e vivência encerra em si um ACONTECIMENTO APROPRIADOR único no interior da história velada do seer. Mas ainda não há em parte alguma um sinal para o fato de que algo sobre isso ganharia de algum modo o espaço do saber nessa era. Ou será que isso precisa permanecer vedado a ela e só se revelar àqueles que se encontram já na transição para a verdade, para a ressonância da verdade do seer? (tr. Casanova; GA65: 68)

O seer abandonou tão fundamentalmente o ente e esse é a tal ponto entregue à maquinação e ao “vivenciar”, que necessariamente aquelas tentativas aparentes de salvação da cultura ocidental, assim como toda “política cultural”, precisam se tornar a figura mais insidiosa, e, com isso, a figura mais elevada do niilismo. E esse é um processo que não está articulado com homens particulares e suas ações e doutrinas, mas que apenas expulsa a essência interna do niilismo para o interior da mais pura figura que lhe é atribuída. A meditação sobre isso carece naturalmente já de um ponto de vista, a partir do qual nem uma ilusão por parte das coisas muito “boas”, “progressistas” e “gigantescas”, que são realizadas, nem mesmo um mero desespero vem à tona, desespero esse que só não fechou os olhos ainda diant

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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