GA63: Estrutura da Obra

Renato Kirshner

Introdução

§1. O título “ontologia”

“Doutrina do ser”; válido somente em sentido mais amplo.
Inaceitável enquanto disciplina particular.
Na fenomenologia: o caráter objetual provém da consciência da objetualidade
Omite-se a questão no campo do ser do qual se deve extrair todo sentido ontológico
A partir disso, portanto, o título é propriamente: hermenêutica da faticidade

Prefácio – Hermenêutica da faticidade
Colocar questões. “Influências”

Parte I. Caminhos de interpretação do ser-aí ocasional
Determinação indicativa do tema da faticidade

1 Hermenêutica
§ 2. O conceito tradicional de hermenêutica
Platão: ερμηνεία = notificação
Aristóteles: ερμηνεία = λόγος δηλουν, άληθεύειν, isto é, tornar acessível.
Logo: tradução, comentário, interpretação
Agostinho
Posteriormente, hermenêutica = doutrina da interpretação; Schleiermacher: doutrina da arte de compreender
Dilthey

§ 3. Hermenêutica como autointerpretação da faticidade
“Hermenêutica” em sentido originário: o trabalho de tornar o ser-aí próprio acessível para si mesmo em cada ocasião
O estar desperto. A compreensão não tem o ser-aí por objetualidade, mas é um como do próprio ser-aí
A posição prévia da hermenêutica, a possibilidade mais própria do ser-aí, a existência; seus conceitos são existenciais
A posição prévia, a concepção prévia. O caráter ontológico da possibilidade de ser. A questionabilidade da hermenêutica. O impessoal.
O colocar em ação hermenêutico.
Nada se possui definitivamente; viva e ativa somente na interpretação que a filosofia faz de si mesma. Não é moderna nem é assunto para a curiosidade filosófica, a discussão ou o público

2 A ideia de faticidade e o conceito de “homem”
Evita-se o conceito de “homem”. A dupla raiz segundo a tradição:
1) no Antigo Testamento: pessoa, criatura de Deus
2) ser vivo dotado de razão, ζωον λόγον εχον

§ 4. O conceito de “homem” na tradição bíblica
Referências:
1) Gênesis 1,26
2) Paulo
3) Taciano
4) Agostinho
5) Tomás de Aquino
6) Zwinglio
7) Calvino
8) Scheler

§ 5. O conceito teológico e o conceito de “animal rationale
Também o conceito de “animal rationale” não é mais compreendido a partir de seu solo original
Scheler.
Ο “λόγον εχον”, originariamente como o lidar da πραξις, ocupar-se com…
É constitutivo o estado de relação com Deus (ser criado, status corruptionis, gratiae, gloriae)
Agora neutralizado em consciência de normas e de valores

§ 6. A faticidade como ser-aí em sua ocasionalidade.
O hoje
Tema: a faticidade, isto é, o ser-aí próprio em seu “aí” ocasional, acessível no “hoje”
Mal-entendidos: 1) as tendências de nosso “tempo hodierno”; ou 2) o ponderar profundo de um eu ensimesmado
Melhor: explicação hermenêutica. Estímulo de Kierkegaard
O hoje vive da sua própria interpretação: a falação, o público, a medianidade, o “impessoal”
A máscara
Van Gogh. Situação da universidade

3 A interpretação hodierna do hoje
§ 7. A interpretação do hoje na consciência histórica
O modo como uma época vê seu passado é sinal de como está aí no seu hoje (temporalidade)
Deduzi-lo das ciências históricas do espírito
Para elas, os testemunhos de épocas passadas são expressão propriamente cunhada pelo estilo
A cultura é organismo. Spengler.
Enquanto organismos, todas as culturas possuem o mesmo valor; dali, a história universal
Seu método, a morfologia
Classificação pela comparação de formas

§ 8. A interpretação do hoje na filosofia hodierna
Tarefa da filosofia: determinar o todo do ente, e também o ser-aí da vida nele
Além disso, também constitui tarefa primeira o esboço da rede de classificação do universal
Assim, o relacionai é a objetualidade própria: o em-si imutável em oposição à “realidade sensível” Platonismo ou Hegel, dialética. Kierkegaard
Exemplo: Spranger
Platonismo dos bárbaros
“Metafísica objetiva” em oposição ao “historicismo”.
Classificação universal

§ 9. Suplemento sobre “dialética” e fenomenologia
À dialética hodierna falta-lhe o olhar unificador da objetualidade própria da filosofia
Sente-se superior à fenomenologia, por ser o nível supremo do conhecimento mediado, que alcança até o irracional
Contra isso: o decisivo é o olhar fundamental do assunto
A dialética de Hegel vive do alheio
O hegeliano, charlatanice; ver Brentano
O perigo da fenomenologia: crença acrítica na evidência

§ 10. Olhar sobre o percurso da interpretação
Nossa objetualidade: o ser-aí em sua ocasionalidade. “Objetualidade”
Expressa-se no caráter público da consciência de sua formação
A falação. Que caráter ontológico mostra-se nestes modos de interpretação e de ter-se-a-si-mesmo?

4 Análise do ser relacionado da interpretação ocasional em sua objetualidade. “Como isto ou aquilo” é visto o ser-aí ocasional?

§ 11. A interpretação do ser-aí na consciência histórica
O passado enquanto expressão de algo, visão prévia do estilo; funda a fixação e a conservação uniforme
O olhar prévio já eficaz no trabalho fundamental, a crítica das fontes
Demorar-se ocupado, de igual significado, em toda cultura, ordenação ou classificação universais, objetivos, por meio da comparação de formas
Sem paragem. Ser simplesmente dado passado
Sete características fenomenais. Caráter de realização: a curiosidade atraída-dirigida
Spengler: a história deve ser objetiva
O ser-aí assim interpretado possui um presente e seu porvir do mesmo modo que o passado
Influência de Spengler nos especialistas
Imitação da história da arte

§ 12. A interpretação do ser-aí na filosofia
Questão: como e de que maneira tem a filosofia sua objetualidade à vista?
Falta de resposta nas filosofias
Vê-se na própria tendência da sistemática: a filosofia é ordenação ou classificação universais
Ponto de partida, o temporal, o concreto tomado em suas generalidades essenciais
Classificação no marco já existente, ou o sistema vai se configurando apenas pela classificação
Três fatores de procedimento filosófico
A configuração da rede de classificação, um atravessar universal da rede de relações, na qual cada um é também o outro
O tanto isso como aquilo como estrutura fundamental da rede de classificação absoluta
O procedimento adequado: mobilidade universal, estar em todas as partes e em lugar algum, curiosidade absoluta e proprietária de si mesma
Pelo caráter público esta filosofia é considerada: 1) por ser objetiva, em oposição ao relativismo; 2) pela concordância geral, em oposição ao ceticismo; 3) por ser dinâmica, próxima à vida; 4) por ser, ao mesmo tempo, universal e concreta, em oposição à especialização detalhada.

§13. Outras tarefas da hermenêutica
Em ambas as linhas de interpretação, o ser-aí procura ter-se, assegurar-se a si mesmo aí objetivamente
A curiosidade, certa mobilidade do ser-aí; o ser-aí é esta mobilidade na medida em que nela se possui a si mesmo.
As características do ser interpretado são categorias do ser-aí, são existenciais

Parte II. O caminho fenomenológico da hermenêutica da faticidade

1 Consideração preliminar; fenômeno e fenomenologia
§ 14. A propósito da história da “fenomenologia”
Fenômeno: o que se mostra, determinada maneira de ser objetual
Dessa maneira nas ciências naturais: objetualidade da experiência
Por elas orientam-se as ciências do espírito e a filosofia: teoria da ciência e psicologia, seguindo supostamente Kant
Dilthey
Diante disso, imitação autêntica das ciências naturais em Brentano: criar a teoria inspirando-se nas mesmas coisas (os fenômenos psíquicos)
Husserl (Investigações lógicas): a fenomenologia da psicologia descritiva. Nas vivências da consciência (consciência de algo = intencionalidade) devem buscar-se as objetualidades da lógica
“Fenômeno” refere-se ao modo de acesso, “fenomenologia” é um modo de pesquisar
Erro: as matemáticas como modelo. – Redução do conceito de fenômeno (objetualidade, tal como ela se mostra) a objetualidades da consciência
Influências externas (teoria do conhecimento, Dilthey, idealismo transcendental e realismo etc.) e, para fora, indefinição geral.

§ 15. A fenomenologia em sua possibilidade enquanto um como da pesquisa
A fenomenologia pretende tomar as objetualidades tal como elas mesmas se mostram, isto é, mediante um olhar determinado
Este surge de um estar familiarizado com o ente, da tradição
Esta pode ser encobridora, dali que uma tarefa fundamental da filosofia seja a crítica histórica
(A falta de historicidade da “fenomenologia”, “evidência” natural)
Retorno aos gregos
O encobrimento é inerente ao ser da objetualidade da filosofia, o que exige a constante preparação do caminho
A tarefa radical da hermenêutica: transformá-lo em fenômeno

2 “Ser-aí é ser em um mundo”
§ 16. A indicação formal de uma posição prévia
Posição prévia: enquanto se coloque previamente o ser-aí
A indicação formal não é um enunciado estabelecido, mas conduz o olhar para o curso adequado
Afastar mal-entendidos

§ 17. Mal-entendidos
a) O esquema sujeito – objeto objeto, consciência e ser
Sua relação é determinada pela teoria do conhecimento. Discussões intermináveis, falsos problemas, difícil de serem eliminados
b) O preconceito da liberdade de perspectiva
Ausência de crítica, que pretende aparecer como objetividade. Em contraposição: apropriação do ponto de vista apropriado

3 A formação da posição prévia

§ 18. Um olhar para a cotidianidade
A cotidanidade, a medianidade, o impessoal
Que significa “mundo”? Que significa “em um mundo”? Que significa “ser em um mundo”?
Visão preliminar dos passos da explicação intuitiva. O vir ao encontro, a significância, a ocupação, o mundo circundante (espaço). O cuidado
O ser-aí enquanto ser ocupado sendo-aí no mundo
Numa primeira aproximação, o mundo vem ao encontro na ocasionalidade; o demorar-se

§ 19. Uma descrição imprecisa do mundo cotidiano
As coisas da realidade cotidiana enquanto coisas espaciais e materiais
Isso a modo de substrato a que se atribuem valores; mas a significância é um caráter ontológico
Quatro aspectos da desconstrução crítico-fenomenológica dessa teoria.

§ 20. Descrição do mundo cotidiano a partir da lida atenta ou entretida
Fenômenos do mesmo mundo circundante enquanto possui o caráter do que vem ao encontro
A descrição imprecisa, no fim, estende-se retroativamente até Parmênides
O acesso ao ser do pensamento. O intencional

4 A significância como caráter de encontrar-se no mundo
§ 21. Uma análise da significância (Primeira versão)
A significância: o como isto ou aquilo e o como do vir ao encontro
Com ela dá-se a abertura:
1) do ser simplesmente dado (da manualidade, do para-quê). A cotidianidade e a temporalidade
2) do mundo compartilhado; e com os outros, sem destacar-se, “o impessoal” da cotidianidade
A significância do ser-aí no que vem ao encontro
O caráter do aí. A insistência pelo estabelecimento de teorias do conhecimento

§ 22. Uma análise da significância (Segunda versão)
A significância do ser-aí mundano de “meras coisas”
O percurso da análise

§ 23. A abertura
a) O ser simplesmente dado
O ser-aí para-quê não é algo que se acrescenta posteriormente ao que vem ao encontro, mas constitui seu ser-aí, seu ser simplesmente dado
b) A manifestação do mundo compartilhado
Os outros com os quais nos relacionamos estão aí com o que cotidianamente nos encontramos e, com eles, o “próprio impessoal”, sem reflexão ou auto-observação

§ 24. A familiaridade
A familiaridade: rede de referências na e desde a qual “impessoalmente” se conhece

§ 25. A imprevisibilidade e o comparativo
Sobre a base desta familiaridade indistinta pode aparecer o estranho; também o que molesta, o casual, o imprevisível, o “comparativo”

§ 26. O caráter de encontrar-se no mundo
O ser-aí encontra-se (no mundo) no como daquilo com que se ocupa
Aquilo de que se ocupa: o ser ou estar ocupado; da temporalidade própria, dos momentos “kairológicos” do ser-aí
Aquilo de que se ocupa constitui a rede de referências da abertura; nela, a lida com as coisas abre o circundante, a espacialidade
Ser-no-mundo é cuidar, não aparecer ou figurar entre outras coisas
No aí do qual se ocupa, a vida ocupa-se de si mesma
Ocupação, mundo circundante, mundo compartilhado, mundo próprio enquanto maneiras de encontrar-se cotidianamente no mundo ao lidar aí com as coisas como elas se oferecem, O circundante, a medianidade, o público
Neles, encobre-se o cuidado
A falta de cuidado, que pode sobrevir de uma dificuldade
A curiosidade: um como do cuidado; o mascaramento
O cuidado: um fenômeno fundamental do ser-aí

Anexo – Suplementos e aditamentos
I. Investigações para uma hermenêutica da faticidade (01/01/1924) [a propósito dos §§ 15-20] Programa (para um ensaio?): desconstrução histórica ocasional a propósito de investigações concretas.

II. Temas (01/01/1924) [a propósito dos §§ 7-13] Tema: o hoje; na filosofia e na consciência histórica. Husserl, Descartes, os gregos; Dilthey.

III. Da visão geral (01/01/1924) [a propósito dos §§ 7-13-15]

Tomar como ponto de partida a fenomenologia como disciplina? Melhor: do hoje, desconstrução. Para isso (04/01/1924): Ou tomar como ponto de partida também a fenomenologia enquanto possibilidade!

IV. Hermenêutica e dialética (a propósito do § 9)
A hermenêutica como a possibilidade mais radical do apreender por meio de uma nova conceptualidade.

V. Ser humano [a propósito dos §§ 4-5] Modo de realização e de temporalização da filosofia: o deter-se junto a… -. Questionabilidade absolutamente radical.

VI. Ontologia; natura hominis, [a propósito dos §§ 4-5] Somente a partir da paragem vê-se o movimento.

VII. O colocar em ação (a propósito do § 3, p. 21)
Que o ser-aí seja concebido de antemão “como isto ou aquilo” surge de uma interpretação de si mesmo, o estar desperto do ser-aí para si mesmo.

VIII. Consumação [a propósito do “Prefácio”] Esgotamento.

IX. Fenomenologia e dialética (a propósito do § 9, p. 50)

X. Homo iustus [O homem justo] [a propósito dos §§ 4-5] O ser humano originariamente in gratia conditus; pelo pecado original, condenação à desgraça e à morte.

XI. A propósito de Paulo [a propósito dos §§ 4-5] Carne – espírito; o quê enquanto como da faticidade.

XII. Significância (a propósito do § 22)
O cuidado permite que a significância venha ao encontro enquanto ente. O caráter do aí.