GA61:90-93 – Caráter do mundo no cuidar: significância (Bedeutsamkeit)

Giachini

Tomada em sentido verbal, vida, segundo seu sentido relacional, deve ser interpretada como cuidar, cuidar por e cuidar de algo, viver cuidando de algo. Com esse caráter não se quer dizer que a vida sempre esteja às voltas com maneirismos escrupulosos. No frenesi solto, na indiferença, na estagnação – seja como for, “viver” é caracterizado por cuidar. Para que e por que isso é cuidar, a que se atém, isso deve ser determinado como significância. Significância é uma determinação categorial de mundo; os objetos de um mundo, os objetos mundanos (weltlich), com caráter de mundo (welthaft) são vividos no caráter da significância.

No sentido relacional mais amplo, viver é: cuidar pelo “pão de cada dia”. Essa última expressão, ali, deve ser compreendida de modo bem amplo, de maneira indicativo-formal. “Indigência” (“Darbung”) (privatio, carentia) é o como-fundamental, ao modo de relação e de execução, do sentido do ser de vida. Onde se impõe e avança o aspecto contrário, onde a vida está na posse, por exemplo, numa assim chamada vida objetiva, onde ela se consome numa tarefa objetiva, e está aí “como que por si”, esse como-fundamental é ainda mais resistente, porque se consome e se consumiu inadvertidamente. A objetividade segura é fuga insegura diante da faticidade, e desconhece a si mesma justamente no fato de que, por causa da fuga, acredita aumentar a objetividade, contra o que é justamente na faticidade que a objetividade chega à mais radical apropriação.

O sentido categorial de significância é 1) tomar de modo correspondentemente amplo, e 2) como um caráter categorial dos objetos (104) (formalmente: aquilo em função de que está o cuidar: “algo” (objeto)) que, por exemplo, não está fundamentado. Esse último significa: aqui, é preciso manter distanciada uma teoria sobre a objetualidade como tal, que pode facilmente se intrometer aqui.

O mundo, os objetos com caráter de mundo (welthaft) estão aí no como-fundamental da relação da vida: cuidar. Deparam-se com um cuidar, encontram-no em seu caminho. Encontrar os objetos, e o cuidar é um experimentar os objetos em seu respectivo encontro (Begegnug). Encontro (Begegnis) caracteriza o modo fundamental do Dasein dos objetos mundanos. Experiência caracteriza o modo fundamental de aceder a eles, de topar com eles. Experiência, aqui, não compreendida em sentido teórico, percepção empírica contra pensamento racional ou coisas semelhantes; a expressão deve ser tomada tão amplamente como o sentido relacional do cuidar: ele caracteriza a esse último num modo de sua execução que só poderá ser assegurado posteriormente, na medida em que o caráter de conhecimento domina de certa forma o tomar conhecimento no cuidar.

Toda e qualquer experiência é em si mesma um encontro, e quiçá encontro em e para um cuidar. O caráter fundamental do objeto é portanto sempre: ele está e é encontrado no caminho da cura (Sorge), é experimentado na significância. A ser interpretado o que significa: o mundo “está aí”, o caráter de realidade do mundo da vida fática não é tão fácil como se representa a teoria transcendental do conhecimento, nem tão evidente e sem problemas como pensa o realismo. É só a partir desse sentido objetual primário do conteúdo que se determina a cada vez o caráter de sentido do Dasein, realidade efetiva (Wirklichkeit), e realidade (Realität).

Não é assim, portanto, que os objetos estivessem aí como realidades nuas, por exemplo, objetos naturais, que depois, no decurso de sua experiência, seriam revestidos de um caráter de valor, a fim de não andarem por aí tão (105) nus. Assim, não é na direção do experimentar próprio do mundo circunstante nem na direção da sequência da interpretação e do principiar da mesma, como se a constituição da natureza pudesse fornecer apenas minimamente um fundamento para gêneros superiores de objetos. Ao contrário, a objetualidade natureza só brota do sentido fundamental do ser do objeto do mundo vivido, experimentado, encontrado (cf. história do conceito “natureza”).

No mais, significância deve ser tomada o mais amplamente possível, e não ser tensionada num âmbito determinado de objetos. Significância não pode ser identificada com valor; ao contrário, essa é uma categoria que, por seu turno, pode ser destacada igualmente através de uma determinada formulação só a partir de experiência concreta do mundo, e então a partir daí ser impostada com direito ou não na esfera própria do ser, e em relação a sua gênese representada de modo análogo à natureza enquanto realidade fundamental, fundamento da realidade.

Há que se observar que com isso só se torna conhecido o avançar desorientador de uma teoria. A superação da mesma é uma tarefa principial que ela tem de apreender em suas raízes e julgar em vista de suas pretensões principiais de fundamentação e de solução dos problemas. A teoria mencionada é, portanto, apenas ser abolida pela problemática principial da filosofia, e filosoficamente falando, com o fato de se ter indicado que os nexos genéticos e de sentido correm numa direção inversa, ainda nada se fez.

Há que se observar ainda: A teoria mencionada não é de hoje; ela tem suas raízes da história do espírito e da história de sua execução na filosofia grega, e quiçá de tal modo que nessa estão vivas duas razões do principiar (explicação originária da experiência e explicação teórica categorial) e que uma se perdeu no processo de nivelamento do originário (cf. ousia, “ter”, “assentar morada”, “poder”). Ao mesmo tempo ela passou por importantes entrelaçamentos históricos do espírito, que em parte deixaram para trás como tal seus vestígios na problemática da atual teoria do conhecimento. Aqui essa indicação serve apenas para (106) evitar o estreitamento do sentido de significância e a antecipação de seu caráter fundamentado, a fim de não inibir por demais a compreensão do que vem a seguir.

Na categoria da significância já se mostrou como um objeto está na vida segundo seu sentido fundamental próprio do conteúdo, como aqui ele se mantém e se comporta num mundo como mundo. (Indicação para o principiar originário da interpretação.)

A vida como cuidar (Sorgen) vive num mundo e cuida de si nos mais diversos modos de relações e execuções correspondentes e nos modos de temporalização, em função dos objetos que se encontram na experiência e dos próprios encontros. O objeto da cura não é a significância enquanto caráter categorial, mas o cada vez mundano, que encontra sua expressão objetual correspondente, formulada pela própria vida. Não se experimenta a significância como tal, expressamente; mas ela pode ser experimentada. O “pode” tem seu sentido categorial específico; transição da expressividade para a inexpressividade é “categorial” em sentido eminente (interpretação de categorias!). Mas a significância se torna expressa na interpretação própria (eigene) da vida em relação a si mesma, e é só a partir daí que se pode compreender perfeitamente o que “é” e significa: viver faticamente “na” significância. Um discurso abreviado: “viver na significância” significa: viver em, a partir de objetos no caráter categorial de conteúdo do significativo.

No cuidar, a vida experimenta a cada vez seu mundo, e esse sentido fundamental do ser experimentado é para toda interpretação da objetualidade – mesmo e até incluindo a (interpretação) lógico-formal – fornece antecipadamente o sentido, segundo o sentido pleno.

[A mobilidade da vida fática pode ser interpretada, descrita previamente como a inquietação (Unruhe). O como dessa inquietação, enquanto fenômeno pleno, determina a faticidade. Em relação a vida e inquietação, cf. Pascal, Pens. I-VII; válida a descrição, mas não a teoria e a propósito (107) (Vorhabe); sobretudo: alma – corpo, le Voyage éternel, desse modo, não acessível para filosofia existenciária. A clarificação de inquietação, a inquietação clarificada; in-quietação e problematicidade (Fraglichkeit); potências de temporalização; inquietação e o para-quê. O aspecto inquietador da inquietação. O entre não destacado, não decidido do aspecto da vida fática: entre mundo circunstante (Um), compartilhado (Mit), próprio (Selbst), anterior (Vor) e posterior (Nach); algo positivo. O escoar (Durchsickern) por toda parte da inquietação, suas figuras e máscaras. Quietude (Ruhe) – inquietação; fenômeno e movimento (cf. o fenômeno de movimento em Aristóteles).]

Arjakovsky & Panis

Original

Excertos de

Heidegger – Fenomenologia e Hermenêutica

Responsáveis: João e Murilo Cardoso de Castro

Twenty Twenty-Five

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